No fragor da queda do muro de Berlim e do consequente esboroar da ideologia comunista que estava implantada em parte importante de um mundo, agora já rendido aos encantos das democracias ocidentais,  o sistema passou a  África. O movimento foi influenciado, apoiado e pago pelas democracias ocidentais, em especial as da Europa, que também chamaram a si o encargo de fiscalizar (observar é outra coisa, bem mais inocente), os actos eleitorais que entretanto começaram a ter lugar. O modelo-padrão em que se inspiraram as novas democracias africanas foi o europeu, assim continuando a cultivar-se uma antiga ligação entre os dois continentes.


Não se pode dizer que não tenham sido auspiciosos os tempos iniciais da experiência dos sistema democráticos de Governo em África. Os resultados das eleições, no rigor com que eram achados,  traduziam cristalinas realidades sociológicas e políticas; o princípio da alternância funcionou. Mas deixou de ser assim, pelo menos em grande parte dos países. Os actos eleitorais, no princípio, meio e fim, converteram-se em focos de tensões políticas e sociais que afectam a coesão nacional, sorvem dinheiro que escasseia para outras coisas mais ingentes e deixam nefastos resquícios.  Os que estão no poder, movidos pelo desígnio de não o alienar,  não se coíbem de manipular e de trapacear para que os outros, os que estão na oposição, esmagados e asfixiados, fiquem onde estão. E há frouxidão, por vezes a complacência, com que, lá de longe, da Europa, se comportam os inspiradores e pretensos guardiães da implantação do sistema em África.


Tudo o que se passa ou é a realidade da Europa dos nossos dias chega a África de forma rápida e impressiva, por meio das televisões, internet, etc. Entre o que chega de mau há muita coisa quase instintivamente associada às fraquezas e perversões em que foram caindo os sistemas democráticos de governo dos europeus – que por essa razão é melhor não seguir nem copiar, devendo para isso ser usados todos os recursos. Os poderes e as suas elites desconfiam de um sistema que na Europa não cultiva a autoridade e é permissivo a excessos de liberalismo estranhos à moral e à realidade social e cultural dos seus países. As oposições acham que simplesmente nunca deixarão de o ser, por que o jogo em que teoricamente entram como alternativa de poder está viciado.


O Uganda, de Musseveni, chamava (não sei se ainda chama), democracia não partidária ao sistema de governo implantado no país, o qual não admitia a existência formal e real de partidos. Sempre achei que era mais honesto um governo assumir-se assim, rudemente, em caso de não ser multipartidário, do que fazer como outros (há tantos) que se proclamam democráticos e depois vai ver-se que não o são;  o que são é apenas uma mera definição de conveniência para os próprios.
Por mim, acho que se a democracia multipartidária de matriz europeia é um poço de problemas a evitar em África – e talvez seja, pelo menos nalguns aspectos, embora noutros não – então o melhor seria dar outro nome aos sistemas de governo respectivos e agir em plena conformidade, chamando os bois pelos nomes. Ou seja, fazer como Musseveni e a sua fórmula de democracia não partidária – que países como a China também praticam. De contrário o drama do Zimbabwe está para durar, reproduzido noutros lugares onde se começará a achar que a contradição, afinal, compensa….

Fonte: Africa Monitor