Olga, seropositiva desde 2004, caiu doente de uma hora para outra – pelo menos ninguém se recorda de ouvi-la reclamar de qualquer dor. Em Maio ela foi internada com uma hemorragia vaginal, que logo se espalhou para outros órgãos. Ninguém conseguia chegar num diagnóstico.

“Os médicos já estavam nos preparando para o pior, mas não podíamos deixá-la daquele jeito, ela não podia acabar naquela salinha do hospital, sozinha”, disse Inês Gaspar, activista da ONG Luta pela Vihda e uma das primeiras pessoas que acolheram Olga quando ela recebeu o diagnóstico positivo.

Foi aí que colocaram em ação o poder da solidariedade. Amigos se mobilizaram para juntar dinheiro para mandá-la ao Brasil para tratamento. Indivíduos, organizaçõoes e governo colaboraram com quantias grandes e pequenas. Um dia antes do dia do embarque, o mutirão havia levantado um valor suficiente para mandar Olga e seu companheiro ao Brasil.

Do outro lado do oceano, uma equipa médica a esperava em São Paulo. Os médicos diagnosticaram leucemia aguda, mas não houve tempo para nada. Olga faleceu duas semanas depois.

Quando se perde um activista

Em tempos em que se fala da SIDA como uma doença crónica e muitas vezes os seropositivos são apenas números dentro de uma epidemia, uma notícia assim vem como um choque de realidade: a doença ainda mata, ainda leva esposas e maridos, pais e filhos, amigos e vizinhos.

“Nós tínhamos esperança de que ela voltaria viva, com aquela força. Mas quando recebemos a notícia, o sentimento de todos era `Amanhã seremos nós, amanhã será nossa vez’”, disse António Ribeiro, coordenador nacional da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA.

Mas junto com a triste névoa causada pela morte de Olga veio um efeito colateral inesperado e positivo: uma renovação do compromisso na resposta à epidemia, traduzida num união de esforços para evitar que o que aconteceu se repita.

Ribeiro conta que em um dos hospitais em que Olga ficou internada não havia comida (muito menos alimentação adequada), o que é essencial para o tratamento antiretroviral. Em outro, os enfermeiros jogavam os comprimidos para ela, com medo de serem infectados por uma paciente num estado já tão avançado de SIDA.

“Ficamos mais unidos. Temos que ver como isso atinge a nossa realidade em termos de acesso a tratamento, exames laboratoriais, alimentação. Com o tempo começamos a achar que está tudo bem, mas não está. Amanhã qualquer um de nós pode estar internado lá e temos que nos ajudar”, explicou.

Para Gaspar, a perda de Olga servirá também para que os seropositivos estejam mais atentos aos sinais do próprio corpo.

“Temos que nos prevenir mais, nos monitorar mais, para não sermos surpreendidos. Olga não tinha nada, mas depois que foi internada nunca mais saiu da cama”, contou.

Segundo amigos, o activismo de Olga era contagiante. Embora não emprestasse o rosto a campanhas, ela tinha uma participação forte nas comunidades, como coordenadora provincial da Rede e fundadora do grupo de ajuda mútua Charity, mas principalmente, como alguém que fazia questão de viver da maneira mais positiva possível.

“Quando algo assim acontece dá vontade de desistir, porque perdemos uma combatente”, disse Rosa Pedro, activista da Mwenho, uma rede de mulheres seropositivas. “Mas depois nasce uma força, para aproveitarmos para fazer o máximo enquanto estamos vivas.”

Enquanto lembrava de alguns momentos memoráveis com a amiga, Gaspar não conseguiu conter as lágrimas e chorou um choro baixinho. Uma companheira mais jovem, ao ver a tristeza da amiga, disse a ela o que Olga provavelmente diria: “Ei, pare com isso. Força! Coragem! Para frente é o caminho.”


Fonte: http://www.plusnews.org