POSIÇÃO DA CASA-CE FACE AO ACÓRDÃO Nº 233/2013, DE 06 DE FEVEREIRO, DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Luanda - A CASA-CE, em obediência ao postulado no nº 1 do artº 174º e no nº 2 do artº 177º, ambos da Constituição da República de Angola, leva ao conhecimento da opinião pública nacional e internacional, que acata a decisão proferida pelo acórdão supra, felicita a consciência jurídica e ética das Juízas Conselheiras que proferiram voto de vencidas ao acórdão, mas não se conforma com ela pelas razões que se seguem:

I. Do objecto

O Tribunal Constitucional ao delimitar o objecto de apreciação do pedido de declaração de inconstitucionalidade simplesmente às questões por si elencadas, demitiu-se das suas atribuições e competências, errou, porque efectivamente, ao não ter aprofundado todas as questões suscitadas pelo autor, deixou de fora uma parte importante do pedido formulado pelo Grupo Parlamentar da CASA-CE, e consequentemente deixou de apreciar todos os fundamentos que sustentaram a Petição Inicial, quando na verdade na sua apreciação, o Tribunal Constitucional devia ter esgotado toda a argumentação.


Ao proceder deste modo, o Tribunal, desvinculou-se do princípio do esgotamento, imanente à sua função e competências, ao ter deixado de apreciar todos os argumentos esgrimidos pelo autor no pedido de apreciação de Constitucionalidade em referência.

II. 
Da apreciação


Nas suas alegações, o Tribunal Constitucional, estriba a sua apreciação no facto da Lei nº 26/10, de 28 de Dezembro, Lei do OGE/2011, ter criado a reserva estratégica petrolífera para infra-estruturas de base, ser por si só, fundamento bastante para a criação do Fundo Petrolífero. Pois, segundo o mesmo, a Assembleia Nacional ao criar a reserva financeira não definiu nem regulamentou a forma como aquela reserva seria desenvolvida, gerida ou administrada, limitando-se de forma expressa, a indicar que a gestão da reserva compete ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo. E por isso, entendeu o Tribunal que o Presidente da República, enquanto gestor da referida reserva tinha a obrigação de criar condições que garantissem a materialização dos objectivos programáticos definidos na Lei nº 26/10, de 28 de Dezembro, por forma a não comprometer a própria eficácia daquilo que esteve na base da sua criação.


Ora, o que a Lei do OGE supra refere, é a criação da reserva estratégica petrolífera para infra-estruturas de base, a serem geridas pelo Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo. E pelo facto da Lei 26/10, de 28 de Dezembro, não indicar em concreto, quais os mecanismos através dos quais o Presidente da República deveria proceder para gerir essa reserva, não pode ser fundamento bastante para o Tribunal Constitucional entender que a criação do fundo era uma forma de concretização do que estabelece o artº 6º da Lei 26/10, de 28 de Dezembro, sendo nessa medida um instrumento necessário e adequado para o efeito.


Com efeito, gerir, não é o mesmo que criar. Gerir, é fazer a gestão de recursos e/ou meios, é ter gerência sobre algo, utilizar meios e/ou recursos para determinados fins, e, nunca em circunstância alguma, criar seja o que for, qualquer coisa, muito menos Fundos.


A lei do OGE para o exercício económico de 2011, ao colocar à disposição do titular do Poder Executivo para gerir a reserva em análise, consignou receitas ao mesmo e em momento algum, conferiu poderes para a criação de fundos de qualquer natureza.


Se é verdade que o Presidente devia dar destino à reserva para os fins a que se destinaram a sua criação, não é menos verdade que, pelo facto da Assembleia Nacional não ter definido, nem ter regulamentado a forma como aquela reserva seria gerida, teria conferido por isso mesmo,ao Presidente da República, autorização para a criação do Fundo Petrolífero.


O Tribunal ao ter entendido que a criação do Fundo Petrolífero, seria uma forma de regulamentar o previsto no artº 6º, da Lei 26/10, de 28 de Dezembro, Lei do OGE/2011, com vista à sua concretização, errou quanto a nós, porque salvo melhor entendimento, um regulamento, é uma norma jurídica hierarquicamente subordinada à lei e não subordinante, cujo escopo, é o de assegurar a boa execução da norma jurídica hierarquicamente superior. É pois, a disposição legal que visa a concretização de regras legais de valor formal superior, tornando-as exequíveis.


Não nos parece que o Decreto Presidencial nº 48/11, de 9 de Março, que criou o Fundo Petrolífero, configura a forma de regulamento, uma vez que não indica expressamente a lei que visa regulamentar, ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua produção.


Destarte, o Decreto Presidencial “sub judice”, ao configurar a forma de Lei e não de Regulamento, e, por procurar justificar a sua existência com fundamento na alínea d) do artº 120º e do nº 1 do artº 125º da CRA, conjugado com o nº 3 do artº 6º da Lei 26/10, de 28 de Dezembro, viola competências que a Constituição da República de Angola, Reserva à Assembleia Nacional, bem assim ao princípio da separação e interdependência de funções, porquanto os normativos constitucionais e legais invocados, em momento algum, conferem competência ao Titular do Poder Executivo para criar Fundos. Cremos ter havido aqui um equívoco em termos de hermenêutica jurídica, porquanto, o poder regulamentar decorre da função administrativa ou executiva e exerce-se na concretização ou materialização de leis, e no caso em apreço, não está em causa a concretização ou a materialização da Lei nº 26/10, de 28 de Dezembro, mas de facto e de júri, da lei que estabelece as regras abstractas e genéricas que regem os estatutos dos fundos públicos, onde se inclui o Fundo Petrolífero, criado pelo Decreto Presidencial nº 48/11, de 11de Março. Pelo que, o Presidente da República enquanto gestor da reserva financeira petrolífera pretendendo criar condições que garantissem a materialização dos objectivos programáticos definidos na Lei nº 26/10, de 28 de Dezembro, de modo a não comprometer a própria eficácia do que esteve na base da criação da mencionada reserva financeira estratégica petrolífera, devia ter interpretado aquele diploma dentro de um sistema, concluindo que, para o efeito, em virtude de não existir nenhum diploma que estabeleça as bases gerais que regem os fundos públicos, teria de ir à Assembleia Nacional solicitar a devida autorização legislativa que o habilitasse a legislar sobre a matéria, como aliás se fez em relação às empresas e aos institutos públicos.


Deste modo, a criação do Fundo Petrolífero, não pode ter sido feita no quadro das funções executivas próprias do Presidente da República, na medida em que os poderes do Presidente da República, não se presumem (vide artº 117º CRA), não são ilimitadas, e, circunscrevem-se ao princípio do “numerus clausus” vertido no artº 120º da CRA, que repita-se, não confere ao Presidente poderes para a criação de fundos, pelo que só o poderia ter feito, por via dos poderes delegados por autorização expressa da Assembleia Nacional.


Ora, o Tribunal ao entender que as competências do Presidente da República para a criação de fundos autónomos decorre directamente da Constituição e não de qualquer Lei habilitante, entra em contradição e incorre em grave erro de interpretação.


A contradição radica no facto de ter sido através de Lei habilitante que foi criada a reserva financeira estratégica petrolífera, e, pretender-se que, com efeito directo daí decorrente, ter sido conferido ao Presidente poderes para a criação do Fundo Petrolífero, como aliás, vem de ser expresso nos fundamentos da sua criação, é definitivamente uma contradição absurda.O erro de interpretação, reside no facto de, ao longo de todo o normativo constante do artº 120º CRA, que atribui competências ao Presidente da República enquanto titular do Poder Executivo, não se vislumbrar qualquer termo que se assemelhe à criação de fundos, pois, definir, dirigir, estabelecer, solicitar, exercer, convocar e elaborar, não são sinónimos de criar. Além de que na administração indirecta, o Presidente da República, não tem poderes constitucionais originários para criar, só o podendo fazer mediante uma Lei habilitante da Assembleia Nacional. Ora, não havendo no normativo acima invocado, qualquer termo que se assemelhe ao termo criar, só se pode depreender que o Tribunal, enveredou pelo caminho sinuoso da interpretação conducente à existência de competência implícita, que abre portas ao livre arbítrio e ao abuso do poder, face aos excessos que ela permite ao seu titular.


O Tribunal ao afastar-se da interpretação conforme a Constituição (tendo em conta o espírito e a letra do texto original), descontextualizou a força normativa da Constituição, enquanto supraordenamento, ao qual todos os entes do Estado angolano estão vinculados, devendo respeito,força essa, de ondeadvém a validade das Leis e os demais actos do Estado desde que conformes a CRA.E, a interpretação conforme a Constituição, encontra respaldo nos princípios enformadores do Estado angolano, mormente; no princípio do Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos de entre outros, assenta no primado da Constituição e da Lei (vide artº 2º CRA), fundamentos que nos parece terem sido olvidados pelo Tribunal Constitucional.


Ensina Diogo Freitas do Amaral que «hodiernamente e fora dos regimes totalitários, a administração submete-se ao Direito». É ainda segundo Rosseau, corolário do princípio da separação de poderes, e, consequência da concepção da Lei como expressão da vontade geral, donde decorre o caracter de subordinação da Administração Pública à Lei.


Esta noção, constitui hoje um dos fundamentos e alicerces mais sólidos dos países democráticos (os órgãos e agentes da administração pública, estão subordinados à Constituição e à Lei), de onde se infere que toda a actividade administrativa e não apenas uma parte dela, deve subordinar-se à Lei (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 3ª Edição, Vol. I).


Ensina ainda Diogo Freitas do Amaral, que a Administração Pública, não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira, e muito menos de maneira arbitrária: tem de fazê-lo com um certo número de princípios e de regras, de onde pontifica designadamente e em especial, o princípio da legalidade (a administração pública, tem de prosseguir o interesse público em obediência à Lei).


III. Conclusão


Atentos ao que preceitua o nº 2 do artº 104º da CRA “O Orçamento Geral do Estado é unitário, estima o nível de receitas a obter e fixa os limites de despesas autorizadas, em cada ano fiscal, para todos os serviços, institutos públicos, fundos autónomos e segurança social, bem como para as autarquias locaise deve ser elaborado de modo a que todas as despesas nele previsto estejam financiadas.”, se pode inferir portanto, que o Fundo Petrolífero, enquanto fundo autónomo, só pode ser constituído por lei e não por regulamento, como vem de ser defendido pela decisão do Tribunal (vide nº 1, artº 3º, do Decreto nº 5/96, de 26 de Janeiro, que aprova os princípios relativos à organização, gestão e controlo dos fundos autónomos).Atentos ainda ao estipulado na alínea d) do artº 165º CRA, não restam dúvidas que é competência da Assembleia Nacional legislar sobre finanças públicas, podendo no entanto delegar poderes ao Presidente da República para legislar sobre a matéria, desde que, com a competente autorização legislativa [vide disposições combinadas da al. c), artº 161º e nº 2, artº 165º, ambos da CRA].


Se nos quisermos ater aos critérios de classificação alvitrados por Karl Loewenstein «a análise ontológica da concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do poder» que, indica a existência de três tipos de Constituições (normativas, nominais e semânticas), de onde: as primeiras são as que o processo do poder se adapta às normas constitucionais e a elas se submete; as segundas aquelas em que o poder não se adapta às normas constitucionais, pelo que ficam sem realidade existencial; as últimas são aquelas cuja realidade ontológica, não é senão a formalização da situação do poder político existente, em benefício exclusivo dos detentores de facto desse poder.


Destarte, o Tribunal ao ter cingido a sua apreciação ao pedido do recorrente, pela óptica da Constituição semântica, extravasou o critério da Constituição normativa, imanente à Constituição da República de Angola,abriu um grave precedente que vai permitir ao Titular do poder executivo, criar leis semânticas, em benefício exclusivo do seu interesse, ao arrepio da Constituição normativa ora vigente na República de Angola.Tendo privilegiado a Constituição semântica no rol da sua apreciação em detrimento da Constituição normativa, não nos restam dúvidas que se permitiu a invasão da esfera de competências alheias, com consequências graves para a segurança jurídico- constitucional, diminuindo “ipso facto”, o domínio de efectivação do controlo democrático do Executivo, ao se pretender deste modo limitar o âmbito de intervenção da Assembleia Nacional.


Feito em Luanda, aos 13 de Março de 2013

O CONSELHO PRESIDENCIAL DA CASA-CE