Lobito - Em respeito ao prinícpio do segredo da justiça não tenho por hábito comentar os pareceres de outros sobre questões submetidas a juízo. Há, todavia, um caso de interesse nacional, que me obriga abrir uma excepção por ser determinante para a afirmação efectiva do Estado de Direito em Angola. Trata-se das questões subjacentes à Participação da UNITA ao Digníssimo Procurador Geral da República (PGR) sobre a responsabilização criminal do Presidente da República.

Fonte: Club-k.net

ImageAlgumas vozes vieram a público comentar sobre a legitimidade da participação, sobre a entidade a quem ela deve ser dirigida e sobre a oportunidade de tal Participação, visto que já se passaram mais de seis meses desde que os alegados crimes terão sido cometidos.

O que mais me chamou a atenção nessas vozes é que ninguém pôs em causa a hipótese de que os alegados crimes não terão sido praticados. Parece que já sabem que tais crimes foram mesmo praticados e aceitam-nos como factos consumados que não podem ser impugnados. Tais vozes questionaram apenas a forma e não a substância. 

Por se tratar de uma questão transcendente sobre o exercício da soberania popular e relativamente a qual não deve haver equívocos, resolvi participar no debate para esclarecer as questões ora suscitadas .


I- Sobre a Entidade a Quem Deve Ser Dirigida a Participação


A UNITA interpôs a Participação, em linguagem vulgar, Queixa-crime, contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos e seus comparticipantes junto do Procurador Geral da República, porque o PGR é o titular da fiscalização genérica da legalidade e é o titular da Acção Penal.


Ser titular da fiscalização genérica da legalidade, significa que o PGR, independentemente da participação de alguém, deve agir contra qualquer acto de ilegalidade ou injustiça de que tenha conhecimento. 


Ser titular da Acção Penal, significa que o PGR deve accionar o respectivo procedimento criminal sempre que tenha conhecimento oficioso, ou por participação de alguém, de indícios de crime.


O PGR rege-se pelos princípios da legalidade e da objectividade, nos termos do número 2 do artº 185º da Constituição da República de Angola. Assim, competirá ao PGR o seguinte:

a) Declarar-se incompetente em relação ao Presidente da República, remetendo a Participação ao órgão ou entidade que julgar competente;

b) Accionar o processo crime contra os comparticipantes indiciados pelos actos eleitorais fraudulentos declarados puníveis pela Constituição e pela lei penal;


O que ficou dito é o que se infere do parágrafo segundo do artigo 160º do Código do Processo Penal, que estabelece o seguinte:


“Se a participação for dada ao juíz ou ao agente do Ministério Público de juizo incompetente para conhecer da infracção, não deixará de ser recebida, mas será logo remetida ao tribunal competente, sem prejuízo  do disposto no parágrafo único do artigo 171º.


O Parágrafo único do artigo 171º dispõe: “se o juiz se julgar incompetente para conhecer da infracção, procederá às deligências urgentes e, em seguida, mandará remeter o processo ao tribunal competente”.


A referência a Juíz deve ser entendida como “juiz de instrução”. Entre nós, quem exerce as competências do juiz de instrução é o Procurador Geral da República.


Não se deve confundir Participação de crimes com Iniciativa de processo de responsabilização criminal ou de destituição do Presidente da República. Qualquer pessoa tem legitimidade para participar crimes de que tenha conhecimento, conforme dispõe o artigo 160º do Código do Processo Penal. É o que fez a UNITA.


Tomar a iniciativa para desencadear um processo de responsabilização criminal ou de destituição do Presidente da República, pressupõe que se tenha conhecimento dos factos, oficiosamente ou por denúncia. A participação da UNITA é uma denúncia de crimes, ou uma “Queixa-crime”; e não uma iniciativa de um processo de responsabilização criminal e de destituição do Presidente da República.


Tal iniciativa cabe à Assembleia Nacional, nos termos do artigo 129º da Constituição. Os Deputados podem e devem, por dever de ofício, tomar tal iniciativa na sequência da participação da UNITA. A Participação, no caso, precede à Iniciativa. Não a substitui.

Sobre os Prazos de Prescrição do Procedimento Criminal

Relativamente ao argumento segundo o qual, o Tribunal Constitucional já decidiu em definitivo sobre as questões eleitorais e nada justifica levantar-se agora a questão, importa referir o seguinte:


O Tribunal Constitucional proferiu Acórdãos sobre o Recurso de Contencioso Eleitoral. Porém, ainda não proferiu Acórdão sobre o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, que foi interposto há mais de cento e vinte dias. Portanto, a questão da inconstitucionalidade do processo eleitoral ainda não está resolvida.


Todavia, mesmo que estivesse resolvida, e quando for resolvida, os actos que constituem crimes, não são da competência do Tribunal Constitucional, porque inconstitucionalidade é diferente de crime.


A inconstitucionalidade é participada ao Tribunal Constitucional. O crime é participado à Procuradoria Geral da República.


Os prazos de extinção da responsabilidade criminal são estabelecidos pelo artigo 125º do Código Penal, que diz o seguinte:

§2º: “O procedimento criminal prescreve passados quinze anos, se ao crime for aplicável pena maior...”.


Pena maior significa pena de prisão superior a dois anos. No caso dos crimes alegados pela UNITA contra o Presidente da República, a pena prevista é superior a dois anos de prisão. Logo, a Participação da UNITA foi feita dentro do prazo prescrito na Lei.


E esta participação é independente de qualquer decisão, anterior ou posterior, sobre a inconstitucionalidade dos actos do Presidente da República.


É importante que todos os cidadãos entendam que no Estado de Direito, ninguém está acima da lei. Que o Presidente da República, não é “Deus” nem “Rei”. É um cidadão normal, falível, investido num cargo público sujeito à responsabilidade criminal, nos termos da Constituição.  

Jorge Vitorino
-Jurisconsulto-