Luanda -     Terminou hoje, dia 28 de Março de 2013, a Conferência sobre a Cultura da Paz em África, organizada em Luanda, pela União Africana, a UNESCO e o Governo angolano. Esta conferência torna-se particularmente importante para Angola pelo facto de celebrar no próximo dia 4 de Abril, onze anos dos Acordos de Paz. E, não menos relevante, é o facto de Angola continuar a viver um contexto de várias transições nomeadamente de uma cultura de guerra para paz, de uma economia centralizada para economia do mercado e de um regime de partido-Estado autoritário para Estado Democrático de Direito.
          
Fonte: Club-k.net

O respeito pelos direitos e liberdades fundamentais é condição para construção de uma Cultura de Paz e de desenvolvimento sustentável. Por isso, a educação em direitos humanos é um instrumento importante para transformar as pessoas emcidadãos sujeitos de direitos, capazes de exercê-los incluindo a defesa do direito à qualidade de vida e a viver num meio ambiente sustentável.

 

      A educação em direitos humanos visa promover valores, novas atitudes e comportamentos capazes de gerar relações humanas mais justas, pacíficas, solidárias com a geração futura, baseada na igualdade, na aceitação da diversidade, no diálogo constante e confiança mútua entre os membros da sociedade. Estes valores são fundamentais para planear e implementar estratégias de desenvolvimento sustentável, quer em Angola quer em África.


      Por isso, para que haja Cultura de Paz é necessário que haja educação em geral e educação em direitos humanos, em particular. A educaçãodeve contribuir para fortalecer o respeito pelos direitos humanos, aprofundar e promover o exercício das liberdades fundamentais e ‘empoderar’ as pessoas para participar de uma sociedade livre.


            Pois para Amartya Sen «desenvolvimento deve ser visto como processo de expansão da liberdade de que as pessoas desfrutam». Há uma relação de complementariedade entre educação, saúde, liberdades democráticas, combate à pobreza, a paz e o desenvolvimento sustentável. (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, São Paulo: Companhia das Letras, 2010).


      Por esta razão, olhando para o actual contexto angolano, torna-se necessário promover a educação em direitos humanos e para cidadania, a educação para paz e para o desenvolvimento.

 

      A educação para Cultura da Paz poderá começar pela compreensão de que ela não é só a simples ausência de guerra ou conflito armado, mas também a construção de uma cultura de debate e de consenso social para rejeição a cultura da violência, dos seus elementos e agentes (educar para o nunca mais a violência!) e a promoção dos direitos humanos.


            Para uma proposta pedagógica de educação para paz, o professor Guimarães ensina: « Assim, a educação para a paz contribui para o entendimento dessa cultura de violência que nos é imposta, fornecendo instrumental para perceber como a violência e o militarismo atuam em diversos canais, como por exemplo, nos meios de comunicação social, brinquedos e jogos de guerra, mas também em práticas escolares, como por exemplo, a chamada, resíduo da revista militar e da inspeção da tropa! Trata-se de desfazer a ilusão e o messianismo da violência [...]. É possível aprofundar esse processo de crítica de cultura de violência, detalhando três temas e procedimentos que não podem estar ausentes da discursividade da educação para paz: a dessacralização do militarismo, o desvelamento das relações guerra e género e o conhecimento do processo de reprodução do inimigo ». (GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para paz: sentidos e dilemas. 2.ed. Caxias do Sul: Educs, p.273).


      O professor Guimarães explica que o militarismo manifesta-se num conjunto de atitudes e práticas sociais que consideram os seres humanosviolentos, agressivos e competitivos por natureza, passando a guerra a ser considerada como atividade social normal e a ‘ lei da força e do mais forte’ como elemento agregador da ordem social. E exemplifica alguns processos de socialização do militarismo como o fabrico de armas, moralização através daexaltação de virtudes guerreiras e o acesso de crianças a brinquedos de guerra.


      No caso de Angola, por exemplo, a exposição constante de armas de fogo de alto calibre nas ruas por agentes da polícia e das forças armadas e o culto a obediência a “  ordem do chefe”, o domínio da lei do mais forte e não da força da lei, podem ser considerados manifestações da presença da cultura da violência e do militarismo.

 

      Por sua vez, o processo de produção do inimigo se fundamenta no preconceito e nos estereótipos que produz em relação a outro grupo social, que é o inimigo de quem devemos, a todo o momento, nos defender e desconfiar das suas ações. São ainda exemplos de processos de produção do inimigo, trabalhar e levar ao extremo os medos existentes nas pessoas causados pelas diferenças,pelas experiências de danos físicos causados no passado ou os estereótipos que são impostos pelos meios de comunicação social diante dos que são diferentes, ensina Guimarães.


      No contexto de Angola, é recorrente o recurso ao processo de produção do inimigo. Por exemplo, muitas vezes, quando se fala em alternância do poder, manifestação pública, o governo alega que os cidadãos ou políticos querem “voltar a fazer confusão e fazer guerra” incutindo medo aos cidadãos. Outro exemplo de produção do inimigo, é o estereótipo construído em relação a quem é do Sul, muitas vezes, subalternizado a quem é do Norte (são exemplos, as expressões os sulanos... são assim...os do norte não são assim...); os da UNITA querem a guerra e o MPLA não, “ aqueles mataram, nós salvamos”; “ aqueles são confucionistas, nós somos pela paz”...

 

      Este discurso é uma falsificação ou manipulação da realidade. É produção de um falso inimigo.


      Na nossa modesta opinião, se depender da vontade dos angolanos já não há condições objetivas para voltarmos à guerra. E, se tivermos que voltar a guerra, esta só terá de partir de quem objetivamente detém o controlo da economia do país, das forças armadas, dos meios de comunicação social, dos serviços de segurança e de informação. Assim, defendem as teorias da Ciência da Guerra.


            Por isso, a Cultura da Paz requer aceitação do outro nas suas diferenças culturais, políticas, sexuais, étnicas; capacidade de compreendê-lo, debater democraticamente e estabelecer consensos, rejeição a cultura da violência, na promoção da cidadania e dos direitos humanos. E não no controlo da sociedade pelos serviços de informação e segurança, pela repressão policial a quem pensa e exerce cidadania livre e não imposta.


            A educação em direitos humanos, para cidadania e para uma Cultura de Paz é também um dos instrumentos principais para promover e enraizar os valores, comportamentos de modo a induzir mudanças. Por isso, urge criar em Angola o ensino formal dos Direitos Humanos e da Cidadania.


            Adélia Cortina considera que educar para cidadania é educar nos valores cívicos ou, dito de outro modo, nos valores que compõem uma ética cívica nomeadamente aliberdade, a igualdade, a solidariedade, o respeito ativo e o diálogo, ou melhor, a disposição para resolver os problemas comuns pelo diálogo. (CORTINA, Adélia. Cidadãos do Mundo, para uma Teoria da Cidadania. Loyola: São Paulo, 2005, p.171-181).


           Esta perspectiva de educar em direitos humanos e para cidadania é perfeitamente necessária e aplicável no atual contexto de Angola porque depois de 27 anos de guerra civil, marcada pela cultura da violência, intolerância e perseguição, o medo de debater as causas de tantos anos de autoritarismo e violência com receio de abalar a ordem e a paz vigentes é cada vez mais frequente, nas escolas, nas famílias e noutros espaços sociais. Esta realidade é suportada através da instrumentalização dos meios de comunicação social estatal com a imposição da cultura do medo e do regresso à violência do passado.


            As novas gerações já não podem adoptar essa postura. Devem romper com a linha discursiva e o comportamento político da geração passada. Para tal é necessária a educação para uma verdadeira Cultura de Paz.


            Por isso, defendemos: sem educação para os direitos, liberdades fundamentais e para cidadania, não há Cultura da Paz, nem desenvolvimento sustentável.
 

António Ventura