Washington -  Alguns círculos cá no Ocidente têm vindo a mostrar ultimamente um certo interesse em culturas internacionais, com destaque para o kuduro, ao ponto de ser considerado sinónimo da cultura popular angolana. Escritores, analistas, músicos, artistas e o público em geral mostram-se cada vez mais encantados com o kuduro. O famoso cómico Americano, Jamie Foxx, fala até do kuduro num dos seus espetáculos.

Fonte: SA

Porém, para alguns de nós, na diáspora angolana, o kuduro é um estilo de música que nos inquieta – para uns até dá vergonha. Sentimos uma certa aversão pela agressividade das suas líricas sexuais; pelo seu materialismo ostensivo; pela sua celebração de um certo hedonismo ou, ainda, pela sua inutilidade. Ficamos sem saber, o que leva tanta gente cá no Ocidente a gostar tanto do kuduro e de certos artistas (que nunca iríamos convidar para um almoço) mas que chegam a encher os salões.  


Tentei pôr de lado os meus preconceitos durante dois dias e passei a escutar e  ver clipes do kuduro na youtube. Cheguei à conclusão que, musicalmente, o kuduro tem pouco de valor, já que me fartei de ouvir os mesmos ritmos. Tentei, também, seguir várias entrevistas das vedetas do kuduro e, confesso, que as achei chatas, incultas e imbuídas de um infantilismo caricato. Gastei segmentos de quinze minutos da minha vida a ouvir os «bifes» entre a Própria Lixa e a Fofando. No fim, a  Fofando diz: «Tudo bem, porque a Própria Lixa é minha brother!» E o apresentador do programa, Sebem, diz: «Mas vocês são mesmo brothers!». Confesso que tive imensas dificuldades para entender as gírias destes artistas que representam Angola. Insisto que esta é uma opinião muito pessoal – ancorada nas minhas experiências. Prefiro mil vezes ouvir a Irmã Sofia (a cantora de música gospel) a cantar para os seus milhares de fãs no Waku Kungo ou, então, num dos seus concertos, completamente animada e rodeada de fãs, na sua maioria senhoras, em Portugal, França ou na Holanda.


Em todo caso, aceito, como já disse, que o kuduro tem o seu valor – mas muito valor mesmo. Cá no Ocidente, suspeito que parte do atraccão do kuduro tem a ver com certas noções da sexualidade do negro ou do africano. No show do cómico Americano Jamie Foxx, a quem já me referi atrás, ele conta que foi para a África onde, numa discoteca, começaram a tocar o kuduro.  Uma menina, presumivelmente angolana, desfaz o pano da sua cintura e, de repente, desafia-lhe a dançar.  O nosso herói, claro, nem hesita e nem falha. A menina do kuduro é atraente, núbil e sexualmente disponível. Da mesma forma que os artistas da música rap, muitas das vezes, esfregam a suas partes privadas, as artistas do kuduro vão sempre apontando para as suas partes intimas. No concerto para celebrar dez anos de paz em Angola, a Própria Lixa faz uma rotina de dança que inclui o gesto que mostra o pùblico a cueca encarnada que usava, na altura (podem ir ver isto na youtube). O público adorou.

 

Numa entrevista com o mestre Sebem, a Gata Agressiva diz, em determinada ocasião, que: «Tudo isto é meu!» mexendo sugestivamente os seus seios. Não só: esta artista vira e começa a mexer as suas nádegas; ele é tão hábil que cada meio da sua nádega pode vibrar de formas diferentes. Não me lembro das líricas ou da música da Gata Agressiva; só me lembro da ambidextria do seu bumbum . Havia clipes que passaram na televisão angolana e que estão na youtube, mas que não podia vê-los em minha casa, por questões de pudor, visto que tenho esposa e filhas. Tinha que ir perto de um McDonald para apanhar o wifi gratuito (felizmente, conduzo um carro com vidros fumados) para o que, francamente, em certas partes do mundo, passaria por pornografia. Num clipe, que também passou na televisão, as dançarinas simulavam o acto sexual e a um certo momento começavam a fazer gesto masturbatórios- dando prazer, claro, a um homem imaginário! Para muitos no estrangeiro, ver Africanos sem inibições, é bastante excitante.  E depois há a Titica que, parece se distinguir não pela sua música mas pelo um grito teatral sexualmente exagerado em que, efectuando a pose de uma mulher altamente excitada dos filmes pornográficos, ela grita: «Haaaaai, Dj Victor, assuma!» Na última edição da revista «Arise», que trata de cultura africana, há um artigo que, entre outras coisas, se debruça sobre a sexualidade no kuduro.


Os artistas masculinos no Kuduro celebram, também, uma certa masculinidade; eles são os melhores e grifam bem. A Fofando, numa das suas canções diz, «Me respeita só, Dulce Cabana!». Ao tentar analisar o kuduro e a sua atracão lembrei-me de uma obra interessantíssima da académica Jamaicana Donna P Hope entitulado «Inna di Dancehall» ou, «No Salão da Dança».  Nos anos 90 surgiu na Jamaica o fenómeno de musica do «dance hall» com artistas (homens e mulheres) que tinham líricas altamente explicitas. As mulheres iam para estes locais, em trajes chocantes, a dançavam lascivamente. Havia gente que estava triste que os pais que tinham produzido o Bob, com as suas líricas tão profundas, tinham agora cantores e cantoras que se gabavam que podiam mesmo durar toda a noite sem descansar. Da Jamaica, surgiu, então artistas como o Shaba Ranks, com a sua canção «Mr Loverman» e Rainhas do Dance Hall, como a Lady Saw, Patra e Carlene.  Na altura, eu vivia em Londres (onde existe uma vasta comunidade Jamaicana). Membros mais velhos da diáspora Jamaicana estavam completamente escandalizados com a música e os espetáculos desta juventude.


A Donna Hope diz que o Dance Hall, e o descaramento da sua cultura, tinha muito a ver com a necessidade de haver um espaço para uma determinada faixa etária da sociedade Jamaicana poder articular as suas experiências. Talvez o Pai Gasolina, Gata Agressiva, Dia e Noite Própria Lixa tenham articulado uma Angola, na qualmuito de nós não  temos acesso.  A Donna Hope diz que a Dance Hall fez com que muitos artistas de origem humilde passassem a ser internacionalmente conhecidos – e passassem a ter algum dinheiro; a um certo momento, estimava-se que a cultura da Dance Hall trazia para a nação Jamaicana mais de 160 milhões de dólares Americanos por ano.  Será, que o mesmo argumento pode ser feito a volta do kuduro?


Aceito que o kuduro reflecte uma faixa da sociedade Angolana – mas, também, o facto é que as personagens do kuduro são construções. Aquelas artistas no palco a dançar lascivamente em privado podem, até, ser completamente acanhadas. A jovem que rebola perante a câmara e aponta aos seus órgãos privados gritando: Fogareiro eeheh!» na realidade, pode, ate, ser alguém que aprecia uma carta de amor, flores, passeios para o Malange e boa conversa antes de comer funge com caxuxu.   O Jamie Foxx, se vier para a Angola real, duvido se ele encontrará uma nossa compatriota que vai querer prontamente deitar-se com ele.  Mas posso estar completamente errado. É que, como muitos da diáspora angolana, também vivo numa Angola imaginária. O Kuduro poderá mesmo ser a nossa realidade. E isto entristece-me!