Luanda - O líder da UNITA não digeriu a derrota nas eleições gerais de 2012 e volta agora à carga de novo com o tema da fraude, passados praticamente sete meses da sua realização. Estamos recordados do recurso interposto na altura junto do Tribunal Constitucional e do veredicto que recaiu sobre o mesmo, de validação dos resultados eleitorais e atribuição da vitória, com maioria qualificada, ao MPLA.

Fonte: Jornal de Angola

Supunha-se encerrado o assunto e que a UNITA, como maior partido da oposição, se empenhasse em agir como tal, com ideias próprias, com programas pós eleições globais para que a sociedade e os eleitores em particular pudessem aquilatar que novas valências estão a ser propostas.


Mas, volta e meia, o que verificamos é que não há, na liderança de Isaías Samakuva, uma ruptura com o modo de estar anterior na política, o que parece demonstrar claramente a ausência ou incapacidade de apresentar à sociedade novas propostas de abordagem política. Em face disso, fica vincada a ideia de que Samakuva e o partido andam a reboque de agendas políticas ditadas de fora, tal é a similitude dos actos praticados que não admite outra leitura.


Quando esteve na moda a “primavera árabe” vimos como dirigentes da UNITA com cargos de responsabilidade no seu partido e a nível do país andaram por várias províncias a fazer campanha para que Angola também resvalasse para o caos. Quando começou a moda da rejeição dos resultados das eleições em alguns países africanos vimos também como a UNITA, muito antes mesmo de elas terem sido realizadas em Angola em 2012 – isto para não falar da ida às urnas em 1992 -, começou a agitar a bandeira da fraude.


Agora que veio de Portugal a moda da queixa-crime junto da PGR contra dignitários angolanos, Isaías Samakuva e a UNITA já tomaram assento no comboio que está em voga.


Embora Samakuva vez a outra diga que respeita a Constituição, em boa verdade os factos mostram precisamente o contrário e que o líder do maior partido da oposição não assume, nos momentos cruciais, o papel que lhe está reservado de ser também o garante da estabilidade política e de, por força desse estatuto, estar obrigado a dar passos positivos para que a democracia se consolide nos seus mais variados aspectos, mesmo na condição de a UNITA não ser a força política dominante. A democracia não se esgota com as eleições e muito menos se resume a vitórias eleitorais.


É consensual dizer-se que a Constituição é a bíblia do político, de tal sorte que se a desconhece, se não a domina, a sua actuação pode por vezes ser desastrosa. Para Samakuva isso pouco importa, mesmo quando tenha de fazer recurso a uma interpretação forçada dos preceitos constitucionais para tentar fazer valer junto dos correligionários os seus argumentos. E assim fica a impressão de que não lê com atenção o que diz a Constituição, por isso segue ao pé da letra o que os seus amigos portugueses fazem e lhe recomendam.


A Constituição angolana procurou dar um tratamento especial não à pessoa, mas ao cargo ou função de Presidente da República, dada a sua especial relevância para o Estado. Fruto disso estabeleceu não apenas garantias em termos de procedimentos que têm a ver com as imunidades processuais do Presidente da República, como também atribui a iniciativa processual a um órgão de soberania que, no caso, é a Assembleia Nacional. O nº 5 do art. 129º é elucidativo sobre a solução ao dispor na eventualidade de existência de um processo de responsabilização criminal da figura do Presidente da República. Está claro, em consonância com a alínea m) do artº 161 da Constituição, que o Presidente da República apenas pode ser processado se a Assembleia Nacional “promover o processo de acusação”. Trata-se de garantia processual excepcionalmente atribuída apenas ao Presidente da República, tendo em conta a sua condição de Chefe de Estado e de Chefe de Governo, ou seja, na qualidade de mais alto mandatário do país. O processo não é, por conseguinte, da competência da Procuradoria-Geral da República.


De resto, tendo o Tribunal Constitucional se pronunciado em tempo útil sobre muitos dos aspectos trazidos a público pela UNITA por altura da divulgação dos resultados das eleições de 2012, só se pode concluir que Isaías Samakuva e seus pares continuam a alinhar pela bitola da má-fé, não deixando antever que se espere do maior partido da oposição e do seu líder um posicionamento à altura das exigências que a construção da democracia e do Estado angolanos reclamam dos políticos e da sociedade em geral.


Se esse padrão de conduta (e de pensamento) se mantiver, é tão certo que da UNITA, tal como ela é, quase nenhum contributo à democracia poderemos contabilizar, como é verdade que teremos de esperar que no espectro político angolano surjam um líder e um partido da oposição com capacidade para entender quais os compromissos essenciais que são obrigados a respeitar.

*DG adjunto do Jornal de Angola