Uíge - Há 30 anos que a comuna do Béu não recebia um governante. Manuel Quarta Punza, antigo governador provincial do Uíge, foi o último a pisar aquela parcela do território nacional em 1982, altura em que a estrada que liga a comuna à sede municipal de Maquela do Zombo ficou cortada.

Fonte: Jornal de Angola

Ao longo de três décadas, entrar ou sair da comuna por via terrestre apenas era possível a caminhar. A população local percorria cerca de 62 quilómetros a pé até Maquela, em busca de melhores condições de vida.


As obras de reabilitação da via Maquela/Béu apenas tiveram início no ano passado e, hoje, mais de 50 quilómetros já estão devidamente terraplanados, o que torna possível ir ao Béu de automóvel, a partir da sede municipal, numa viagem que demora hora e meia sem dificuldades de maior.


Entre cânticos e danças, a população acenou à longa caravana em que seguia o governador provincial do Uíge, Paulo Pombolo, em direcção à sede comunal do Béu, para presidir ao acto provincial alusivo às festividades do 4 de Abril, Dia da Paz em Angola.


A população local nunca tinha visto tantas viaturas a circular naquela estrada de uma só vez. Durante o percurso, mais velhos e crianças exprimiam satisfação e admiração. Saltavam, acenavam os braços e gritavam “bem-vindos” e “viva a Paz”. Colocavam as mãos atrás da cabeça e mexiam o corpo de um lado para o outro. Era a satisfação. As crianças e jovens rasgavam as ruas das aldeias para acompanhar a caravana.


O governador parou na aldeia Quidia, onde foi recebido num verdadeiro ambiente de festa. Na localidade, Paulo Pombolo procedeu à colocação da primeira pedra para a construção de um posto de saúde e, depois, prosseguiu viagem. 


A população do Béu acredita a­gora num futuro promissor. A presença de um governador na localidade devolveu o sorriso aos seus habitantes. No meio da confusão, no bom sentido, Paulo Pombolo anunciou a construção de um edifício para o funcionamento dos serviços de apoio à administração local, de um sistema de captação e abastecimento de água potável e um mercado para a promoção do comércio rural. Além disso, prometeu a construção de 12 salas de aulas para permitir que mais alunos sejam inseridos no sistema normal do ensino, no próximo ano. O início das obras de reabilitação e ampliação do centro de saúde local está previsto para os próximos dias.


“Com a melhoria da estrada, as populações vão poder circular com mais facilidade e de forma cómoda. Antes, a população levava três dias para chegar até ao Béu, mas hoje o percurso é feito em apenas hora e meia. Tudo isso são acções que foram feitas graças à Paz alcançada em 2002”, disse Paulo Pombolo, que entregou aos responsáveis da Administração Comunal bens alimentares, roupa usada, electrodomésticos, instrumentos agrícolas e chapas de zinco para serem distribuídos à população local.


O fim do medo


A Paz é um bem precioso. Transformou as vidas e moldou os corações da população do Béu. O medo afastou-se de todos como uma gazela assustada. Na comuna, a população vive hoje uma nova Era, dos passeios sem receio, dos jogos de futebol num campo rodeado de capim alto e do namoro às escondidas no meio do matagal.


Trabalham nos campos agrícolas com a esperança de verem, cada vez mais, aumentados os níveis de produtividade. Com a reabilitação das vias, os produtos já não apodrecem por falta de escoamento. Os camponeses choram de alegria, porque o inimigo já não destrói os campos cultivados. E a banana, mandioca, abacaxi, amendoim começam agora a atingir melhores preços, facto que tem vindo a contribuir para a melhoria de vida das populações locais.


Os comerciantes estão cada vez mais confiantes. Fretam camiões e camiões, carregando-os de mercadorias. São as viaturas que percorrem o país, cujos destinos, em tempo de guerra, eram inimagináveis. A Paz ofereceu aos angolanos do Béu a autonomia de sonhar e acreditar num futuro melhor.


Conseguida a 4 de Abril de 2002, a Paz permitiu que toda a população começasse a viver num clima de liberdade e arregaçasse as mangas para reconstruir a localidade. Já lá vão 11 anos.
As mulheres do Béu já não são forçadas a dar à luz no meio da mata, por causa das perseguições que se viviam em tempo de guerra. Os doentes em estado grave já não são levados em tipóias nem em cadeiras de fita.


O governador Pombolo levou uma ambulância para facilitar o transporte dos pacientes das residências para o posto de saúde local. Com a construção de escolas, devidamente apetrechadas com carteiras e quadros modernos, os alunos vão deixar de estudar debaixo das árvores ou ao relento.


O programa de ensino de adultos também já chegou à comuna do Béu e oferece, agora, aos mais velhos, a oportunidade que nunca tiveram para aprenderem a ler e a escrever.


Vida larga em liberdade


As antenas parabólicas enfeitam os tectos das casas de adobe cru, de pau a pique e capim. Hoje, no Béu, devido ao sinal da Rádio Nacional de Angola, as conversas sobre os intensos combates que ocorriam um pouco por todo o país, e que resultavam em muitas mortes, foram substituídos pelos comentários sobre o crescimento do país, nomeações de novos governantes, jogos de futebol, casos de violência doméstica, entre outras situações que não põem em causa o clima de Paz que se vive no país. Nas varandas das casas, nos quintais, ruas, jangos e debaixo das árvores, jovens e kotas, de calções, chinelas, tronco nu ou coberto de “parte os cornos”, tomam maruvo e lunguila para desparasitar o organismo.


Depois do trabalho, os agricultores locais desfrutam do merecido repouso sempre que é possível. Homens, mulheres e crianças tomam banho nos rios Nzumba Nkueno e Nzadi completamente descontraídos e num verdadeiro ambiente de alegria. Já não há medo de serem surpreendidos por quem quer que seja. Nas margens dos rios, saboreiam catatos, jissombe frito, macasquila de moamba de jinguba, nfúmbua, funji de bombó, peixe bagre fumado, cacusso, pargo ou uma apetitosa tuqueia grelhada. A Paz permite ainda que, depois de comerem, cada um faça a digestão comodamente sem pensar no passado que devastou a localidade, em particular, e o país, em geral, durante mais de três décadas.


As meninas do Béu já usam tissagens humanas e deixaram de andar descalças. As chinelas havaianas chegam à localidade sem grandes dificuldades. As mini-saias, bermudas, colãs e blusas de alça já fazem parte do dia-a-dia destas jovens.  Os rapazes aprumam-se com as famosas calças jeans e de linho. Os fatos de marca Mario de Lucia, Indecent, Mensuits e Giorgio Armani, e camisolas e camisas de marca chegam à buala através dos balões de fardo, que os comerciantes da sede municipal de Maquela do Zombo levam à localidade para serem comercializados. 


Agora, já ninguém tem medo de exibir a bandeira ou vestir as camisolas com as cores deste ou daquele partido. As igrejas, apesar das diferenças doutrinais, transmitem a mesma mensagem com vista à unificação da população local. A Paz trouxe o fim do sofrimento e a tranquilidade necessária para que cada um dos beuenses possa começar o processo de reconstrução da sua vida do ponto de vista material, económico e social. É preciso reconhecer que Angola é grande pela sua dimensão territorial e, sobretudo, pela grandeza da consciência da sua população, que conseguiu pôr fim ao conflito armado, sem quaisquer intervenções externas.