A pobreza é um fenómeno antigo. As idades Antiga e Média foram todas muito marcadas pela pobreza também porque eram épocas menos produtivas. A modernidade apresenta-se pela sua capacidade tecnológica como a era da abundância. Pela primeira vez, na sua história, o Homem foi capaz de produzir em quantidade e qualidade o suficiente para as suas necessidades. No entanto, continua a haver uma grande massa de pessoas excluídas do bem-estar.  

A exclusão provoca a degradação do homem, estimula à sua marginalização, divide o mundo entre os que são participes do sucesso do desenvolvimento científico e tecnológico alcançados, entre os que desfrutam das vantagens do consumo e aqueles que nada têm e se escondem porque relegados para as sarjetas das grandes avenidas do mundo.

Parece ser já um dado incontroverso o facto de que a pobreza não está mais associada a preguiça de uns, a incapacidade de outros, a identidade de alguns mas a uma muito desigual distribuição da riqueza produzida. A curva de progressão da riqueza é cada vez maior mas, lamentavelmente, também a curva de progressão da pobreza aumenta. Daí que se fale no “paradoxo da abundância”.

No nosso país, a pobreza deve ser tida como uma vergonha nacional. Temos um país extremamente rico e uma população muito pobre. O que denota o facto de que o forte crescimento económico que o país tem registado, numa media de 20%, nos últimos cinco anos, tem uma fraca incidência social (Relatório Económico de Angola).

Angola tem uma população estimada em 18,5 milhões de habitantes, sendo cerca de 12,5 milhões pobres porque vive com cerca de 1,7 dólares americanos por dia, numa situação de serviços básicos diminutos, de baixos indicadores sociais e de fraco funcionamento do sistema de direitos. A pobreza no país está associada a vulnerabilidade estrutural das famílias, à doença e a um fraco acesso a serviços básicos. 

O contexto geral de Angola diferencia diversas formas de pobreza e, sobretudo, uma diferença entre a pobreza no meio urbano e no meio rural. Hoje, a maior parte das pessoas vive nas cidades (65%), sendo a pobreza das famílias aí estimada em 57%, enquanto que no meio rural atinge 94% dos agregados. Aqui, “as famílias mais vulneráveis dependem normalmente de actividades agrícolas e do cultivo de alimentos para a sua sobrevivência, porque têm acesso limitado a terras de cultivo e a outros inputs agrícolas, porque têm acesso limitado a escolas e serviços médicos e água potável e, frequentemente são excluídos das decisões que os afectam, e apenas uma minoria tem conhecimentos sobre VIH/SIDA” (FAS, Pobreza, Vulnerabilidade e exclusão social em Angola pós conflito). Esta vulnerabilidade é agravada por outras variáveis estruturais, específicas e imprevisíveis (factores naturais e agro-ecológicos), embora seja diferente de região para região, em função dos hábitos e costumes, da organização comunitária, da organização social e económica e da composição demográfica da população.


Estes factores, pelos quais se manifesta a pobreza, têm um impacto directo na vida quotidiana das populações, pois é através do acesso à água potável, à educação, à saúde, ao crédito, à cultura, aos meios de produção e trabalho, à habitação, às necessidades inerentes à dignidade da pessoa humana que se joga o futuro das sociedades, a construção de uma Nação solidária e harmoniosa, onde cada um possa encontrar o seu lugar e ter um sentimento de pertença, onde nenhuma pessoa, nenhuma camada social se sinta excluída.


A situação social do país pode também ser ilustrada pelos indicadores do desenvolvimento humano do país em relação às infra-estruturas básicas, ao mercado de trabalho, à saúde e nutrição, à educação, às características dos agregados familiares, à urbanização e ao direito à cidadania, num contexto, não só de reduzido acesso a serviços básicos mas também de fraco funcionamento do Estado de Direito. Perante o contínuo crescimento da riqueza nacional (real e potencial) agrava-se o “paradoxo de Angola” de ser um país rico (muito rico) com uma população muito pobre. O que faz do combate à pobreza, de facto, não só um desafio crucial das políticas públicas dos anos vindouros mas também uma razão de mobilização de vários actores sociais.

O Governo estabeleceu, a partir de meados de 2004, uma estratégia de desenvolvimento baseada, por um lado, na estabilização macroeconómica, na correcção das distorções da economia, no controlo e redução da inflação, e, por outro lado, no combate à pobreza.

A estratégia de redução da inflação e a subida em flecha do preço do petróleo, reforçou os resultados positivos no domínio da estabilização macroeconómica, enquanto que a Estratégia de Combate à Pobreza que nunca foi assumida como um guia de acção governativa, foi abandonada e os baixos níveis dos indicadores sociais persistem. No entanto, a ECP tinha como propósito concreto (em consonância com os ODM’s), reduzir para metade a população pobre e reduzir a mortalidade infantil (que é de 260/ano, por mil nascimentos). 

Da conjuntura que motivou a Estratégia de Combate à Pobreza, então associada ao programa de estabilização económica, reinserção social, reabilitação e reconstrução nacional, resta, para bem do país, o Fundo de Acção Social (FAS), financiado pelo Banco Mundial. 

Mas o país continua a registrar não somente uma forte desigualdade social mas também grandes assimetrias regionais. A capital do país concentra cerca de um quarto da população (mais de 4 milhões de habitantes) e representa 75% da indústria, 65% do comércio e 90% da actividade financeira e bancária. Para além de que o crescimento económico continua concentrado em dois sectores de enclave: o petróleo e os diamantes.

O PIB agrícola e da industria transformadora não representam mais do que 12-15% do PIB total (mesmo se agora revelam uma maior dinâmica) a questão da terra e da sua distribuição para o aproveitamento da actividade agropecuária continua a priviligiar um grupo restrito ligado ao poder. Por outro lado, os investimentos na agricultura têm privilegiado a agricultura empresarial que abarca um universo reduzido de familias, em detrimento da agricultura familiar que representa 1,5 milhões de familias. Vamos ver que enquadramento estas vão ter com a onda do agro-negócio.

Todos este factores conjugados que caracterizam o crescimento económico de enclave são responsáveis pelas reduzidas oportunidades de emprego e de rendimento, o que não contribui para a redução da pobreza e, nomeadamente da pobreza urbana extrema. O desemprego permanece alto devido, não só à fraca capacidade da economia em criar empregos, porque a economia de enclave requerer mão-de-obra qualificada e é estruturalmente incapaz de produzir emprego em quantidade, mas também porque o plano de obras infra-estruturais está a ser desenvolvido com recurso à mão-de-obra expatriada, incluindo a mão-de-obra não-qualificada. Um outro factor é o fraco investimento na qualificação da mão-de-obra nacional, traduzida pela fraca taxa de escolarização bruta combinada (25,6%) e pelas despesas públicas com a educação 2,6%  do PIB.

Por isto, é facto incontestável que o forte crescimento económico tem uma fraca incidência social e largas camadas da população continuam em situação de pobreza e de pobreza extrema. Não há dúvida de que o considerável crescimento do PIB per capita beneficiou sobretudo as classes mais abastadas (isto é traduzido pelo aumento do indice de Gini) e a política clientelar de criação de uma burguesia nacional restrita que será, segundo os seus mentores, uma vez consolidada, o motor do desenvolvimento.

Neste contexto, o mercado informal aparece como um sector de recurso para a sobrevivência dos pobres urbanos, particularmente no pequeno comércio informal retalhista. Mas, também aqui há uma grande pressão porque os rendimentos estão cada vez mais dificultados pela concorrência do cada vez maior número de participantes nesse mercado e de um programa do Estado de estabelecimento de uma nova rede de comércio de retalho que os exclui.

A tentação é pois a de criminalizar este tipo de actividade e de a combater com medidas de polícia (e não de política). O que se traduz no combate aos pobres, em vez da pobreza.
 

* Cientista Político
Fonte: AGORA