Luanda - A província do Zaire é fronteiriça e as suas populações apresentam as questões de trans-nacionalidade, e as relações Angola-Congo Kinsâsa sempre foram delicadas.Politicamente, a liderança desta província angolana deve cautelar uma relação de cooperação baseada na boa vizinhança.

Fonte: Facebook

Ciente de que do Norte de Angola pode surgir a destabilização de Angola, há necessidade de uma “elite política” diversificada, coerente e uma liderança forte. Economicamente, será preciso criar empregos para os jovens e garantir-lhes o espírito patriótico com a sua plena participação. Culturalmente, o desafio é enorme. Somos de opinião que dever-se-á criar: (i) empresariado cultural, para profissionalização dos produtos culturais (música, teatro, etc.); (ii) empresariado académico (proliferar os académicos, dentro da filosofia capitalista da renumeração e evitar exploração humana); (iii) suportes culturais públicos e privados que dinamizam o desenvolvimento humano, etc. É preciso uma grande visão para concretizar isto tudo, e localmente é difícil encontrar alguma idealização, planificação e cronograma de execução de excelência.


No programa do governo vigente, consta “Mbânz’a Kôngo como Património da Humanidade”. Mas parece-me que, quer o Governo provincial, quer o ministério da Cultura, as visões são muito limitadas. Agora, não sei se é mesmo falta de visão ou as imposições políticas. Mas, com este projecto, a província do Zaire resolvia os três problemas acima mencionados. Vamos tentar mostrar isto.


“Mbânz’a Kôngo: Património da Humanidade” (adiante MbKPH) é na verdade uma visão que:
(1) No plano cultural significa: (i) definir e reunir a “elite cultural” da região e criar um diálogo permanente com a “elite cultural nacional”, fomentado assim “cross-culture diversity” definidor das “novas nações/Estado-nação”. Ter estatística de quantos quadros da Cultura que existem e programar a sua distribuição perante os desafios; (ii) MbKPH precisa de técnicos na área, de uma Direcção da Cultura local competente, da capacidade académica enorme e desafiadora e, sobretudo, de uma “mainmise” sistemática e metrificada do Governo local; (iii) MbKPH significa fazer da cidade um “produto rentável” com o seu “branding”.


(2) No plano económico: (i) existem quatro potências na província do Zaire. A primeira é “Capital humano” que infelizmente é muito secundarizado e empobrecido pelo próprio governo local (o que é grave, pois urgentemente precisa de ser resolvido). A segunda é “minerais”: temos a exploração do gás, do petróleo, etc. Mas, será que não há outras? A terceira é “agricultura”. Desde a alta antiguidade a região favorece a agricultura, a força camponesa com uma vontade do trabalho “vital”. Porque não pensar na “indústria da agricultura”? A Quarta é “histórica”. MbKPH é um potencial suporte do turismo cultural, mas requer quadros de qualidade, instituições académicas produtivas, e o respeito pelo Homem a ser cultivado pelos programas inclusivos do governo local. Mbânz’a Kôngo não pertence apenas aos Angolanos. Se por um lado algumas repúblicas vizinhas estão ligadas, por outro existe uma herança humana enorme quer na Europa, quer nas Américas.


(3) Politicamente: (i) definir a substância geopolítica da província (para a política externa de Angola), as forças sociais e seus líderes locais. Sendo Zaire uma província sensível (como as outras fronteiriças) e estratégica pela sua posição geoestratégica, a área política deverá: (a) ser coerentemente estruturada, competente academicamente e de grande criatividade e visão da nação/integridade territorial; (b) optar a “diplomacia” como fonte de actuação quer localmente, quer nas outras regiões setentrionais; (c) evitar os atropelos na sua actuação; (ii) mapear a “elite política” local, conhecer as capacidades e competência de cada integrante desta elite (independentemente das cores partidárias), medir e estruturar os problemas vigentes, para depois traçar o plano de acção.


No primeiro trimestre de 2013, a administração do Zaire foi relativamente boa no plano nacional: (i) a abertura Nacional do ano académico teve lugar no Soyo, e o número dos estudantes aumentou; (ii) foram encontradas as ruínas que definirão os trabalhos da escavação para MbKPH com a presença da UNESCO; (iii) etc. No plano local, as coisas não parecem animadoras: (i) a “política das festas” não vislumbrou a realidade social local (Marco Aurélio); (ii) a ausência de um “aparelho tecnocientífico” na compreensão e solubilidade teórica das grandes questões locais ilustra o estilo de um “governo” doméstico, onde as afecções são maior em relação as competências; (iii) etc.


Os desafios da província do Zaire são enormes, e voltamos ao MbKPH para ilustrá-los.
Como em Luanda, o chefe de Estado José Eduardo dos Santos advogou que MbKPH significa resgatar a História, mas sobretudo criar condições humanas e sociais com a construção das novas centralidades. O actual governador publicou – recentemente – um livro técnico sobre a construção civil, o que já um passo bom. Mas, Mbânz’a Kôngo precisa de mais visões. Três perguntas fundamentais:


1) Onde construir e como construir? Especialistas devem aconselhar. Os antropólogos ou sociólogos deverão estudar os novos “Axi mundi” da pluralidade populacional, sua história. Os arqueólogos determinarão onde exumar as velhas cidades, e os arquitectos desenharão – numa lógica contínua – qual será as projecções das novas centralidades, tendo em conta as potencialidades do país e os desafios deste na região, em África e no mundo. Nada de pressa! Nem improvisar construções que enriquecem ilicitamente os dirigentes (como já se apresentou em Luanda, por exemplo). Sustentamos a responsabilização para evitar remanescentes irresponsabilidades impunes. Onde colocar as memórias angolanas no MbKPH? O Decreto presidencial sobre as figuras históricas é uma visão da integridade sociocultural para o futuro, e as propostas escultóricas devem ser apresentadas a sociedade. Parece que haverá estátuas de Dom Afonso Iº, de Dom António Iº e mais um rei em Mbânz’a Kôngo. Mas ninguém quer no ministério da Cultura quer no Governo Provincial discutiu a ideia com os especialistas! As autoridades tradicionais e sociedade civil não especializada receberam algumas explicações, mas “coitados”! Não tiveram voz, senão agradecer. Não concordamos que a Nação se construa desta forma neo-despótica! Todas forças devem participar, sobretudo a “elite” daquela área. Onde construir as estátuas? Por quê deve ser lá e não nos outros sítios? Será que se sabe as origens natalícias destes reis? Para já Dom Afonso Iº não é oriundo de Mbânz’a Kôngo: sabia disto? Não será que, a posterior, venhamos a demolir, mais uma vez, como se fez com a soberana “Mwêne Ñzîng’a Mbândi em Luanda? É preciso que haja participação de toda “elite” na construção de Angola, caso queiramos esta Angola como “Estado-nação”.


2) Qual visão patriótica e integralista se quer dar? As injustiças sociais constituem uma patologia social por evitar, e muitos angolanos ainda se sentem excluídos. É importante ter os dados demográficos das populações locais e criar, nestas centralidades, empregos relacionados aos seus perfis, ou promover instituições académicas que possam responder as novas demandas das centralidades. Para uma província fronteiriça, poderá fomentar imigração de mão-de-obra barata estrangeira. Dever-se-á qualificar o “Capital humano” que se possui; valorizá-lo e rentabilizá-lo na edificação do “Estado-nação”. MbKPH só poderá ser modelo para o resto de Angola, e ele não pode se limitar aos caprichos individualistas. MbKPH significa: (i) fazer escavações, construir cidades e fomentar o turismo cultural, (ii) criar condições locais para que as populações desenvolvam e constituírem reservas humanas e culturais face aos desafios actuais, (iii) criar as instituições académicas de qualidade, centros de pesquisas funcionais e úteis aos problemas locais, (iv) criar os produtos de rentabilização a partir do “Capital humano”, (v) planificar uma “nova” Mbânz’a Kôngo daqui a 20 ou 50 anos, o que requer inteligência, vontade e visão.


3) Que futuro se quer para os habitantes? Mbânz’a Kôngo actual não me parece cidade no rigor do termo, nos dias de hoje: a maioria vive nos meios rurais. A sua demografia é preocupante. Das minhas humildes recolhas, eis o quadro: 44% de crianças (0 a 15 anos); 27% é jovem (16-30 anos); e 18% são adultos (mais de 30 anos até 50) e 11% (mais de 50 anos). Embora estes dados não forem exaustivos, ele apresenta um quadro desolador, caso traduzirmos as realidades sociais de Mbânz’a Kôngo. Dos 44% das crianças, 18% da primeira Infância, e existe uma única instituição (mal concebida, infelizmente) e que, mesmo funcionando, não consegue resgatar inúmeras crianças que são forçadas a seguir suas mães nas lavras (nas costas) ou nas caças ou pescas. 10% dos quais devem frequentar a escola, apenas 4% têm acesso a escolaridade. Dos 16% que devem frequentar o ensino médio, 11% tem cobertura escolar. Os jovens: 2,4% é analfabeto; 6,3% têm ensino primário; 11% frequenta o ensino médio; 3% o ensino superior. A maioria está sem emprego, e sustenta seus estudos senão com bolsa interna, é com “biscates”. “Aqui respeita-se mais C4 Pedro do que Ricardo Lemvo. Quanto mais eu que não tem estudos”, nos confidenciou um jovem músico local que se vê excluído. Os antigos combatentes (assim se chamam localmente os que têm mais de 50 anos): 2,8% têm emprego, 4% sustentam pequenos comércios (exemplo seguido por muitos jovens), e o resto não tem emprego. A escolaridade é deplorável, salvo alguns que buscaram suas formações nas repúblicas vizinhas ou de outros cantos de África ou mesmo da Europa. Ora, se vamos construir cidades, será para todos os angolanos, e os locais deverão ser a razão estereotipada desta cidade. Que futuro para eles?


Vou resumir a minha reflexão. A província do Zaire (que tem vários municípios, embora focamos apenas Mbânz’a Kôngo) enfrenta vários desafios. Ao limitarmo-nos sobre MbKPH, tentamos aqui lembrar o que, a priori, localmente se precisa ter desde o “Capital humano” até os suportes da realização. De modo igual, impera mapear os problemas e buscar metodologias da sua resolução, definir as prioridades e a sua estratégica consequência de outros problemas vindouros: dependerá da coesão e dinâmica política, económica e sociocultural. E no fim, cremos que as visões como MbKPH tende a fortalecer a nação (Estado-nação), por isto, dever-se-á evitar toda atitude exclusivista que se verifica desde a super-estrutura provincial até ao humilde camponês. Importa definir a tecnocracia, a competências, a intelectualidade e disponibilidade como factor do desenvolvimento individual: esta será a forma mais simples de termos uma nação inclusiva. Mas também, para isto, dever-se-á criar condições e oportunidades par as populações acedam as condições de competição. Que o melhor ganha!