Luanda - O então governador provincial de Luanda, José Maria Ferraz dos Santos compareceu, nesta segunda-feira, 20, à 4º Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda (TPL) para prestar declarações sobre o assassinato da jovem Eurídice Cândido, de 30 anos, com quem tem uma filha de quatro anos.


Fonte: O País

Segundo uma fonte que assistiu à sessão, o depoente negou que as residências sociais erguidas na comuna do Zango estavam sob a responsabilidade do GPL na altura em que dirigia os destinos da cidade, quando o juiz-presidente, Adriano Baptista, o questionou do facto, no intuito de obter alguma informação que sustentasse a tese de que o depoente havia sido o mandante do crime, como consta nos autos de pronúncia lidos na primeira sessão de julgamento.


O declarante terá explicado que na época, o governador provincial não tinha qualquer influência tanto no processo de construção como no de distribuição das casas do Zango, por estarem sob a tutela do Gabinete Técnico de Reconversão Urbana, que responde directamente à Presidência da República.
A interpelação baseava-se no facto de, no processo instruído pelos peritos da DNIC, constar que o suposto mandatado do ex-governador aliciara os autores do assassinato com a promessa de que receberiam cinco residências naquela localidade, para além de 25 mil dólares.


Ao ser questionado se o seu irmão, Florindo Ferraz dos Santos, vulgo Filó, teria condições financeiras para desembolsar a soma monetária acima referida e como era a sua relação com a malograda, Zé Maria terá dito que não eram próximos e que o seu irmão vivia no exterior do país há vários anos. 

 
Indagado ainda se tinha conhecimento sobre os móvitos que levaram o seu irmão a ser detido pelos efectivos da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), o ex-GPL terá respondido que o Filó estava a ser vítima de uma cabala criada com o intuito de o afastarem das funções que exercia, tendo em conta a forma como estava a combater o descaminho de avultadas somas monetárias dos cofres do Estado.


Para sustentar esta tese, segundo a nossa fonte, o depoente terá assegurado ao tribunal que durante o período em que ocupava o cadeirão do Palácio da Mutamba, o departamento de finanças registara um crescimento na arrecadação de receitas de cerca de 200 milhões de dólares por ano para mais de 860 milhões de dólares em apenas oito meses. De acordo com a fonte que vimos citando, o então governador terá alegado crer, profundamente, que as pessoas que beneficiavam das fontes de descaminho dos fundos públicos por si eliminadas tiveram todo o interesse em “mover o céu e a terra” para apeá-lo do cargo e não mediram esforços para tal, tendo vitimado a mãe da sua filha.


Zé Maria terá respondido que a sua relação com a vítima era meramente formal por ela ser mãe da sua filha, quando o juiz Adriano Baptista, tentando descortinar os motivos que poderiam ter lavado a cometer o crime, o terá indagado como era sua relação com a vítima.


“Ele disse que, como pai, sentia-se no direito de prestar toda assistência à criança e que isso era o motivo que o mantinha em contacto com a vítima”, contou a nossa fonte.


O juiz-presidente tê-lo-á também questionado sobre o caracter da mãe da sua filha ao que J.M.F dos Santos, por sua vez, terá reconfirmado as informações que constam no acto de pronúncia, segundo as quais a ex-funcionária da direcção de Créditos a Particulares e Negócios do Banco de Fomento Angola (BFA), era uma pessoa ambiciosa que gostava muito de dinheiro.


Falsas ameaças?

À pergunta do magistrado judicial, se alguma vez ameaçara a jovem Eurídice Cândido de morte, tendo em conta as mensagens telefónicas e de correio electrónico que encontradas nos bens entregues pela família da vítima aos investigadores que conduziram o processo, o depoente terá negado taxativamente e sustentado que caso isso tivesse acontecido ela teria apresentado queixa à Esquadra de Polícia mais próxima.


O depoente terá desmentido as informações que constam nos autos, segundo as quais, Eurídice Cândido fora morta por tê-lo chantageado com ameaças de tornar públicas informações comprometedoras a seu respeito, caso J.M. dos Santos não lhe desse dinheiro com frequência, em troca do seu silêncio.


No que diz respeito a este assunto, o pai da malograda, Alfredo Lídio Cândido, revelou, em entrevista ao nosso confrade A Capital, que ela recebera muitas ameaças de morte por parte do antigo governador e que só não agira para por cobro àquela situação porque a própria lhe suplicara que não o fizesse.


“A minha filha mostrava-me várias mensagens, nas quais, por exemplo, dizia: ‘se não ficares comigo, não ficas com mais ninguém’; ou ainda: ‘eu tirei-te da lama, encontrei-te na desgraça’ e coisas do género. Eram várias ameaças que ele fazia. (…) Todas essas ameaças, que estão no telefone e nos computadores dela, entregámos à Polícia”, disse Alfredo Cândido.


O patriarca da família Cândido contrariou a descrição do caracter da jovem nos autos, dizendo que ela tinha personalidade, era muito inteligente e, no quesito formação, tinha até uma pós graduação feita no exterior do país, não descartando a possibilidade dela ter os seus defeitos. O pai da vítima não descartou ainda as suspeitas de que a sua filha estivesse a usar informações comprometedoras sobre o governante, do seu conhecimento, em troca de alguma soma monetária para manter-se em silêncio, contrariamente ao que consta no auto de pronúncia, lido na primeira sessão de julgamento, realizada a 30 de Novembro.  

 
Alfredo Cândido afirmou ainda que considerava ser bastante complicado afirmar se a malograda estava ou não a praticar este acto indecoroso, porque só o Zé Maria estava em condições de fazê-lo, e como a sua filha estava morta não tinha como defendê-la.


Declarante mais aguardado

A presença de Zé Maria no tribunal ocorreu algum tempo depois de a instância de acusação ter supostamente requerido, por diversas vezes, que fosse notificado a comparecer em juízo, na condição de décima pessoa da lista de depoentes arroladas pelo Ministério Público, mas que depois terá sido afastado por motivos que até agora se desconhece.


De acordo com uma fonte do TPL, o político ter-se-á manifestado disponível a depor assim que terá recebido a notificação, na semana passada, numa altura em que os advogados de acusação e os familiares da vítima suspeitavam que ele estivesse a ser protegido pelos juízes que dirigem o processo.


Na lista de declarantes constam o nome de 45 indivíduos, entre os quais o de José Maria dos Santos e da sua ex-esposa, Teresa Cristina dos Santos e Santos. Deste número o tribunal já terá ouvido cerca de 20 e descartado alguns, com o consentimento dos advogados dos dois lados por considerarem que os seus depoimentos em nada poderiam ajudar na descoberta da verdade material.


Os familiares da vítima e os advogados de defesa mostraram-se surpreendidos, noutra ocasião, pelo facto de o juiz-presidente, Adriano Baptista, ter alterado, de um momento para o outro, a ordem numérica que habitual seguia para notificar os declarantes, ao saltar para nome do ex-governador, o décimo, sem ter dado supostamente uma explicação. Apesar disso, o processo segue os trâmites legais e, pela forma como o mesmo está a ser conduzido, tudo indica que terá o seu desfecho muito em breve.

 
A instância de acusação, constituída pelos juristas Bruce Manzambi Filipe e Correia Vicente Pongolola, requerera, no primeiro dia de audiência, isto é, a 30 de Novembro, a inclusão do antigo governador provincial de Luanda, José Maria Ferraz dos Santos, entre os arguidos, por considerar haver indícios suficientes que o apontavam como o mandante do homicídio.


Os ilustres causídicos argumentam que Filó, por estar na condição de desempregado, não tinha condições financeiras para pagar 25 mil dólares aos executores nem de oferecer casas no Zango, conforme é acusado de ter prometido.