Luanda – A 27 de Maio de 1977, o MPLA reprimiu violentamente uma insurreição desarmada das massas em Luanda que pretendiam protestar contra as más políticas do governo do Presidente António Agostinho Neto. A insurreição – que teve como epicentro a Rádio Nacional de Angola (RNA) – aconteceu numa sexta-feira e foi co-liderada por Bernardo Alves Baptista “Nito Alves” (Ministro da Administração Interna), José Jacinto da Silva Vieira Dias Van Dúnem “Zé Van Dúnem” (Comissário Politico das FAPLA), Sita Valles (esposa de Ze Van Dúnem e dirigente do MPLA) e  João Jacob Caetano “Monstro Imortal” (Chefe do Estado Maior das Forcas Armadas Populares de Libertação de Angola - FAPLA).

Fonte: Club-k.net

Estima-se em cerca de 80 mil intelectuais e quadros angolanos indígenas herdados da colonização portuguesa foram dizimados na sequência do genocídio que se estendeu em todo o território nacional.

O antigo Presidente Senegalês, Leopold Sedar Senghor que recusou apertar a mão de Agostinho Neto na Cimeira da OUA (Organização da Unidade Africana) em Monróvia, capital da Libéria, por estar suja de sangue dos inocentes filhos de Angola falou em cerca de um milhão de mortos resultantes desta purga.

Muitos consideram o genocídio de 27 de Maio como sendo uma purga racista de quadros de angolanos negros autóctones pelos brancos e mestiços dirigida por Lúcio Lara, então segundo homem na hierarquia do MPLA; Onambwe, Director-adjunto da DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola); Henriques Teles Carreira, ministro da Defesa; Hermínio Escórcio, Director do Gabinete do Presidente Agostinho Neto; Rui Monteiro, ministro da informação, entre outros.

“Por estranho que possa parecer, as atrocidades cometidas no Chile de Pinochet assumem modestas proporções, se comparadas com o que se passou na Angola de 1977. Militantes e simpatizantes, amigos e familiares dos ‘purgados’, dezenas de milhar de pessoas, homens e mulheres, velhos e novos, passaram por cadeias e campos de concentração. E muitos foram mortos após aterradores interrogatórios ou em fuzilamentos sumários, sem nunca terem sido julgados e sem se saber sequer onde repousam as suas ossadas”, [Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, Purga em Angola, Edições ASA, 2007]

36 anos depois, o MPLA que sempre recusou reconhecer o genocídio de 27 de Maio (de 1977) surpreendeu tudo e todos com uma declaração sobre a efeméride em que condena os que considera fazerem um aproveitamento político do acontecimento.

 “O MPLA, acredita, que a atitude marcada por um elevado grau de imaturidade de alguns dos seus militantes e a incipiente organização e funcionamento das instituições e excessos de zelo dos seus principais agentes, contribuíram decisivamente naquela altura para os factos ocorridos”, lê-se no documento.

A declaração reflecte o cinismo, a insensibilidade, o desprezo e a falta de respeito por parte do MPLA pelas vidas humanas dizimadas na referida purga. São lágrimas de crocodilo do MPLA, por enganar os fracos e ignorantes.

Como o crime não prescreve, os genocídios nomeadamente de 27 de Maio de 1977, de Pica-Pau contra os jovens da UNITA, do Dondo (Kwanza Norte) contra os guerrilheiro das FALA (então braço armado do Galo negro), das caças as bruxas pós-eleitorais de 1992 contra os maninhos e seus apoiantes das etnias ovimbundu e kikongo e da “Sexta-feira Sangrenta” contra os cidadãos de etnia Kikongo são casos que merecem serem levados ao conhecimento do Tribunal Internacional (TPI) da Haia, Holanda, para apreciação e julgamento.

Para ter uma ideia sobre a amplitude e a gravidade de o que aconteceu na purga de 27 de Maio, eis a seguir um episódio contado por um dos presos sobreviventes que conseguiu misteriosamente reunir os dados e reconstruir esta historia fúnebre.

“HOLOCAUSTO em Angola
Uma noite no Ministério da Defesa:
Fuzilamento de 30 oficiais das FAPLA

Era uma dessas noites pos-27 de Maio (de 1977). No Ministério da Defesa encontravam-se Onambwe, Director nacional adjunto da DISA, e Dimuca, que chefiava as investigações gerais da Comissão Militar de Inquérito. Também lá estava o conhecido torturador Carlos Jorge.
A noite eh enviada uma ordem para a sede da DISA: “Preparar viaturas para missão muito importaste na Barra do Cuanza”. Da sede da DISA seguem cinco jipes para o Ministério da Defesa. Entram pelas traseiras que dão para o edifício da Missão Militar Soviética. Ai aguardam. A chefia pertence ao futuro capitão Tino. As viaturas levam bidões de gasolina e os soldados estão armados com automáticas akas. Desta missão toma parte Moisés, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa, cuja família era oriunda da Guine-Bissau, e que me informou de grande parte destes acontecimentos.
Onambwe e Dimuca vêem ah porta confirmar que tudo está como foi pedido. Dirigem-se a uma das salas do rés-do-chão do edifício onde esteve a antiga Companhia de Comando do QG português. As portas abrem-se. Dentro estão cerca de trinta (30) oficiais descalços, de mãos amarradas atrás das costas e em roupa interior. Todos eles apresentam ferimentos graves. Há caras tão inchadas que já não eh possível ver os seus olhos. O “espectáculo” surpreende os próprios agentes da DISA.
Como se poderá adivinhar, eram militares acusados de terem participar no golpe de 27 de Maio. A selecção para o fuzilamento era da responsabilidade de Carmelino Pereira. 
Mas tal correspondia ah política do MPLA: o extermínio de toda a oficialidade de Luanda e da 1.ª Região Militar foi a maneira de garantir que nenhum dos traidores escapasse. Isto apesar de os oficiais terem insistido na sua inocência e esclarecido que apenas cumpriram ordens superiores.
Não esquecer, em relação a estes factos, que Neto havia, precisamente, anunciado que não seria justo “utilizar o processo habitual”  e que, portanto, iria ser ditada uma sentença adequada. Estes processos sumários foram, por conseguinte, sancionados ao mais alto nível.
Pelas 22 horas, são prontamente deslocados para as viaturas. O cheiro a gasolina anuncia a morte. Eles têm agora a certeza de que vão morrer. Solta-se, então, o seu desespero e um coro de choro e gritos invade aquela noite: “Deixem-nos, ao menos, despedir das nossas famílias… das nossas mulheres…dos nossos filhos”. Entre os gritos ouvem-se os nomes das mulheres, dos filhos. Já as viaturas haviam passado o plano marginal do muro alto do Ministério e ainda se ouviam estas vozes do desespero. Alguns agentes da DISA choram, entre os quais o próprio Moisés que partira com muita renitência. Os 70 Km que separam Luanda do local escolhido na Barra do Cuanza foram desgastantes: o choro, as suplicas, os gritos. O rosto dos militares que os acompanhavam exprimia a sua estupefacção e o seu silencio não iludia o constrangimento e a inominável repulsa que os habitava. Tenha-se presente que muitos eram subordinados daqueles oficiais prisioneiros. Ontem, eram disciplinados valentes chefes militares; hoje, condenados que choram como crianças. Um dos militares tinha mesmo um primo entre os condenados, facto que ilustra bem a arbitrariedade desta execução.
Em São Paulo, no pos-27 de Maio, as noites que eram vandalizadas por vozes de chamamento traziam um medo impronunciável. Não só porque esses horizonte pendia sobre a cabeça de quase todos, mas também porque, na organização destas procissões de condenados, reinava frequentemente a arbitrariedade. Pense-se nos casos em que as vitimas foram levadas e assassinadas por engano, ou naqueles outros casos em que, sobrando espaço nas viaturas, os carrascos regressavam às celas para, a olho, seleccionar mais algumas vitimas (eh viva em mim a memoria do sucedido com o Augusto Inglês, preso no 27 de Maio, que foi levado para a ambulância da morte em vez de um tal José Inglês, acabando por ser salvo in extremis daquela confusão).

Por vezes o requinte era tal que alguns algozes vinha para São Paulo contar com pormenor o que se tinha passado nos fuzilamentos. Refira-se um exemplo. Kapakala e mais dezasseis condenados foram fuzilados por ordem do Tribunal. Ora, no dia seguinte, aquele mesmo que tinha ordenado o fuzilamento estava em São Paulo a contar como tudo se tinha passado perante o horror no rosto dos ouvintes – diziam que esse metido era do agrado dos dirigentes máximos do MPLA.

Na Barra do Kwanza

Chegam, por fim, ao local destinado. Eh noite cerrada. Uma clareira perto da estrada. Uma barraca de apoio aos militares que guardam esta zona, e tudo o mais eh deserto. Os prisioneiros são descidos das viaturas e a gasolina descarregada. As viaturas são dispostas de forma a iluminarem o sitio indicado pelo guarda militar local. Este policiamento local e permanente justificava-se pela frequência destas execuções.

Tino levava instruções para fazer sofrer os condenados até aos limites da sua imaginação e experiencia. E, de facto. Tino revelou-se um notável executor de tais instruções. Este, eh, sem duvida, um dos testemunhos mais eloquentes da violência arbitraria e brutal que o MPLA fez perpetuar no território angolano.
Com o pelotão de execução já alinhado, dirige a palavra aos condenados, como se de um julgamento se tratasse:
- Camaradas, houve um golpe em Luanda. Determino que vocês, aqui perante mim, digam a verdade – e acrescenta – Quem não disser a verdade será imediatamente abatido!
De seguida aponta para o primeiro e pergunta:
- Fizeste parte do levantamento?
- Camarada, eu fazia parte da 9.a Brigada … - responde este com a voz inundada de medo.
- Camarada, eu não tomei parte em nada – afirma o segundo.
- Ah! Não tomaste parte! Muito bem! – Ordem que este oficial seja colocado de costas para o mar e grita:
- Fuzilar!
Os militares dispara. O barulho é ensurdecedor (por isso procuram um local como este, descampado, com uma única testemunha isenta, o oceano). O terror aumenta no rosto dos oficiais. O corpo fuzilado cai no chão trespassado de balas. Sob as ordens de Tino o corpo eh  regado com gasolina e incendiado. Arde como um archote e incha como se de um balão  se tratasse. Por fim rebenta, ardendo ate ficar reduzido a cinza. O arrependimento estampa-se no rosto dos próprios militares da DISA. Mas o aviso está feito:
- Digam a verdade, caso contrario vai já acontecer o mesmo – vocifera Tino.
Seria difícil imaginar um processo de execução mais violento, sádico e, sobretudo, mais eficaz na fermentação do medo na consciência daquelas  vitimas seleccionadas para este “abate”. A noite, a completa irracionalidade do interrogatório, os tiros, o sangue, a gasolina… adensaram o terror, fazendo desta antecâmara da morte um verdadeiro inferno. De facto, diante de tudo aquilo que viram e ouviram, todos optaram  por confessar o que lhes era pedido. Porem, quando o ultimo se acusou, logo recomeçou a execução; a morte tinha sido adiada por poucos minutos. Foram mortos um a um, para que cada um fosse obrigado a ver na morte dos companheiros, preludio da sua própria. No fim, depois dos “ritos” da bala, seguiu-se o banho de gasolina e a respectiva cremação dos corpos num autentico gesto de ostentação do horror. A pá lançou os últimos resíduos ao mar, selando o destino trágico desta geração angolana de oficiais e procurando calar qualquer evidencia que denunciasse estes fuzilamentos.
Por agora tinha acabado, mas no dia seguinte a sessão continuou. Moisés, entre outros elementos da DISA, tentaria esquivar-se a este serviço certamente por acharem que aquelas modalidades de fuzilamento se revestiam de uma desumanidade insuportável”. [BOTELHO, Américo Cardoso, HOLOCAUSTO em Angola, pp. 92-95, Nova Veja, 2007”].

O mais confrangedor é que os assassinos, os carrascos de 27 de Maio andam a solta, passeando livremente em Angola e no mundo e muitos deles fazem parte dos governos sucessivos tanto de Agostinho Neto como de José Eduardo dos Santos, sem serem inquietados por ninguém.

Depois da leitura deste texto, chega-se a conclusão de que os angolanos são ovelhas criadas pelos predadores como Leões, onças, tigres, jibóias, hienas e lobos.