Luanda - Por vezes um simples e aparentemente insignificante acontecimento numa área remota, pode resultar em acontecimentos totalmente desastrosos para milhões de indivíduos que nunca tiveram nada a ver com os eventos iniciais. Por exemplo o assassinato do príncipe herdeiro do império Austro-húngaro, precipitou a Europa e não só na sinistra 1ª guerra mundial que ceifou cerca de cinco milhões de vidas humanas… (isso é apenas história?)

O crepúsculo

Após o 25 de Abril de 1974 que significou o alvorecer em Portugal, o uníssono grito de Ipiranga ecoou por Angola de Cabinda ao Cunene, do Lobito ao Luau, Enfim... A Liberdade e a Paz! Finalmente o que parecia ser o único factor desestabilizador (colono) sairia finalmente de cena (Angola) os irmãos angolanos desavindos e “alojados” em três movimentos (de libertação) políticos distintos iriam unir-se nos mesmos objectivos, em nome da paz e estabilidade da nação que iria surgir após o raiar do dia 11 de Novembro de 1975.

Movimentos de Libertação

Dos chamados movimentos de libertação (ML); FNLA, MPLA, UNITA (posicionei-os por ordem alfabética), o mais forte era inquestionavelmente a FNLA e o seu braço armado ELNA, coadjuvado por dissimuladas unidades especiais do exército de Mobutu. MPLA tinha um substancial apoio popular porem um titubeante poder de fogo, o seu braço armado (FAPLA) era maioritariamente composto por JOVENS na faixa etária dos 14-25 anos de idade, mal armados, mal uniformizados, mal alimentados e sobretudo mal preparados fisicamente, a UNITA estava no fim do “comboio” mas não era de todo o “miúdo” engonçado dos ML.

A FNLA (apoiada pelos EUA e pela China popular) na composição da sua fortaleza podia-se “ver” um substancial apoio das gentes ricas (pequena burguesia) da urbe, que desconfiavam das ligações comunistas do MPLA (apoiada preferencialmente pela URSS) e suas consequências pós independência, e não acreditavam no poder da UNITA (que dizia não estar ligado a nenhum ‘poder’ internacional). A imponente “casa do povo” na avenida Brasil, as dezenas de autocarros novos que transportavam as pessoas “for free” principalmente em Luanda, o uniforme luzidio, único e a constituição física do ELNA que desfilavam garbosos pela cidade, em novíssimos jeeps 4x4, encantou uma importante franja da sociedade angolana, com incidência em certas franjas da juventude, mau grado o novo vocábulo por eles ‘trazido’ como; “toké nabissó” e o célebre “quintal da jeep!”.

O ESTALAR DA FAGULHA

Porem repentinamente ou de forma concertada face a aparentemente incompreensível crescente apoio popular do MPLA, “um bando de miúdos famintos e magricelas” a FNLA apostou na violência para aterrorizar as populações e desincentivar os jovens a aderirem ao MPLA, com o intuito de baixar a popularidade deste.

Jovens eram aprisionados, espancados e barbaramente mortos só por serem militantes ou simplesmente simpatizantes do MPLA, lembro-me da jovem Adélia (15 anos) no bairro do Candombe velho na cidade de então Carmona (Uíge) cortaram-lhe os seios, por portar uma camisola do MPLA e do Veigas (ou Viegas) membro da então comissão directiva do MPLA barbaramente assassinado, cortaram-lhe a cabeça, espetado numa vara era mostrado qual ‘troféu de guerra’ pelas ruas de Carmona, como prova inequívoca da derrota do MPLA, tantos outros (a lista é enorme) que perderam a vida somente por simpatizarem com o M, com que resultado?!

Zaire e Uíge foram as primeiríssimas províncias, onde se produziu os choques mais violentos e virulentos da desenfreada “rivalidade” politica entre o MPLA e a FNLA, e ainda nos primórdios de 1975 (alguns meses depois do 25 de Abril) o MPLA foi obrigado a abandonar aquelas duas províncias, ante a incredulidade e passividade de todo o mundo em especial das unidades do exército português que ainda constituíam uma importante réstia do símbolo do poder colonial.

“Uma coisa curiosa” se verificava naqueles dias, quando o MPLA abandonou o Zaire e o Uíge, o exército português também o fez, deixando as localidades sob o controlo exclusivo da FNLA naltura coadjuvado por uma muito “indecisa” (?!) UNITA.

A BJR (Brigada Juvenil Revolucionaria) um segmento especial da JFNLA, que actuava a socapa e na secreta, infundia e difundia uma espécie de terror selectivo entre os jovens.

Ora toda esta maré de violência e terror, não ‘trouxe’ para os ideólogos da violência “Fénela” os objectivos por eles preconizados. Apesar do medo que a “situação” propagava entre os jovens, a maioria cerrou bravamente fileiras em torno do M e dos seus ideais. Aparentemente a então situação, tinha os contornos de uma luta desigual, era como  que David e Golias. Por isso a FNLA proclamava antecipadamente victória, e comportava-se com uma desmedida arrogância, como os “donos do País e da verdade”.

A TRANSFORMAÇÃO DO SORRISO EM ESGAR DE DOR

E assim estoirou a guerra, que durou cerca de 30 anos… Começar uma guerra “é a coisa mais fácil deste mundo, o DIFICIL mesmo é PARAR uma guerra!” pois é, quando todos nós pensávamos que a guerra iria terminar quando estivéssemos a cruzar sorridente, garbosos e vitoriosos a “chapa” etária dos vinte anos, terminou quando nos tornamos causídicos avós.

Afinal o grito de ‘Ipiranga’ mencionado no Génesis deste e da moderna história pré-independencia, transformou-se em paroxismo de DOR e substancial sofrimento como os Angolanos nunca tivera visto e antes ouvido.

A REIMPRESSÃO!

HOJE, vemos imperturbados e impotentes a reedição do “filme 1975!” o que parece ou se acha MAIS FORTE está agindo tal e qual a FNLA, esbraceja em comunicados “igualitos” (arrogantes e intimidatórios), espanca, prende, coarta ilegalmente direitos cívicos e mata indivíduos só por pertencerem ao partido ou organização politica rival (11 anos após o calar das armas), utiliza todo o seu arsenal e poderio para “assustar e atemorizar” as populações a não juntar-se a “organização concorrente”, a Policia e as FAA parecem ser o braço armado do “dito cujo” tal-qualmente foi o ELNA, os demais serviços de segurança no papel da BJR, asfixia qualquer actividade do “concorrente”, será que tal “serviço” está de facto a surtir os “efeitos” cogitados pelos cérebros brilhantes dos “camaradas ideólogos da contemporânea violência?”

Antes o inicio ou os indícios de guerra foram disseminados nas províncias do Zaire e Uíge com consequências trágicas na capital. HOJE vemos os mesmíssimos indícios a acontecer nas províncias do Huambo e Benguela e a influência em Luanda, com os mesmíssimos motivos e razões e… os mesmíssimos actores (muitos dos dirigentes da então FNLA estão hoje ‘abrigados’ na “consola” do MPLA).

KIKOLO

É inconcebível e inaceitáveis as mortes que se verificaram naquela localidade, refiro-me as vítimas militantes da UNITA assim como dos membros da polícia em serviço.

Quem foram os autores das mortes acima mencionados? URGE em nome da credibilidade da polícia e do bem-estar das populações de Angola, encontrar os assassínios e serem levados as barras dos tribunais, sejam quem forem.

Por outro lado é inaceitável a intervenção marcadamente política do porta-voz da polícia, um servidor público tomou visivelmente “partido” da situação, fez uma intervenção marcadamente politica e fez uma inexplicável, inadmissível chacota das acusações elaboradas pela UNITA. A referida identidade deveria infundir CONFIANÇA na população (não há população da UNITA e população do MPLA ou de qualquer outro partido), e assegurar que a corporação iria registar ou “tomar boa nota” das sugestões ou suspeitas e iria proceder as investigações imparciais, para se encontrar os “presumíveis assassinos”.

A-propósito é de estranhar e MUITO que todos os proferimentos da polícia até a presente data, foi apenas no sentido de se encontrar os autores do bárbaro acto que vitimou os policiais, parece que os “outros” mereceram a morte que tiveram, daqui a pouco vão declarar que os “outros” suicidaram-se cumprindo “ordens de cima!” só para chatear os “camaradas do MPLA”.

QUEM PRATICOU O CRIME; “LARGO DA FRESCURA”?

Afinal a suspeita de que a polícia alberga esquadrões da morte, ou que possui no seu seio elementos criminosos, NÃO È DE HOJE! É só lembrarmo-nos do caso largo da Frescura, Godzila & companhia limitada, caso Quim Ribeiro entre outros, afinal a polícia de qualquer país do mundo não é composta por indivíduos cem por cento PERFEITOS, íntegros e totalmente ‘ajuramentados’ com a lei, não é sacrilégio nenhum admitir que muitos ou alguns membros da policia (entre eles oficiais) têm actuações criminosas e marcadamente de cariz politico.

Numa outra intervenção de um alto responsável do MININT, mencionou completamente a-desproposito; “tomada do poder pela força” e na outra parte do seu discurso, citou; “temos forças suficientes!”, Deixando propositadamente entender que provavelmente a UNITA esta por detrás dos assassínios dos policiais… (a propagação gratuita do ódio) não foi assim em 1975?

Inclusive os canais de informação da “nossa praça” trataram com escárnio, desrespeito e completa injustiça o “caso Kikolo” um dos lados surgiu familiares (com os quais me solidarizo integralmente) esquecendo-se que as outras vitimas também deixaram familiares desolados com a “partida” inesperada e prematura dos seus respectivos entes-queridos, a chamada comunicação social, parece que decidiu que uns mereceram morrer, cujos familiares e amigos não têm NADA que se queixar e outros que têm que “custe o que custar” ser vingados e se exige JUSTIÇA (será?!)… Estamos nos aproximando da beirada do tenebroso abismo.

O ÒBITO AFRICANO

Na tradição africana, o morto é de TODA a comunidade, o óbito é sinal de tréguas entre os compadres desavindos, durante o óbito o manto da paz se estende na aldeia, todas as disputas são “temporariamente enterradas”, o contrário é alheio as tradições mais nobres de África e por outro lado o morto seja ele quem for merece um enterro decente, deve ser respeitado e os familiares consolados “morto bom e morto mau” não soa a justiça.

Uma coisa parece estar a desenhar-se no horizonte; o reacender irresponsável da violência! A experiencia dos factos e da história mostra-nos; “violência gera inegavelmente violência, e que uma vez produzida a fatal faúlha torna-se geralmente incontrolável!”

E o que é pior, quem sofrerá com “tudo isso” é o PG (povo em geral) ou PD (pé descalço), os “ordenantes” depois pôr-se-ão calmamente “ao fresco” como aconteceu com os então “Fénelas”, vimos e ouvimos os tais “barriga cheias de então” a embarcarem nas ‘calmuchas’ para o Canadá, ‘States’ e a Europa enquanto o PD era dizimado, escangalhado e submetido a indizível e desumano sofrimento. Anos depois, os “tais” voltaram ainda na maior das “calmuchas” lançaram todas as culpas no antigo líder, e com o ar mais bonacheirão deste e doutro mundo, integraram TODOS o amago central do MPLA, o anterior inimigo mortal…

Porque não vale a intenção inicial de 1975? Todas as forças politicas unirem-se nos seus objectivos para o bem-estar de Angola e dos angolanos?

Há RECONCILIAÇÃO NACIONAL de facto em Angola?

A implementação de uma DEMOCRACIA real, é a única garantia do estabelecimento de CONFIANÇA entre os actores políticos em particular e das populações em geral, a garantia da solidificação de uma PAZ Genuína. Paz é igual a Democracia e vice-versa!

Só a prática da Democracia real, trará a UNIDADE NACIONAL e o tão esperado amanhecer (despertar) da Pátria Angolana.

Isomar Pedro Gomes