REF.ª: OM/  091  /2013
Lobito, 08 de Junho de 2013
 
C/c: Presidente da República de Angola – LUANDA
 
À Exma. Sra.
Relatora Especial para os Defensores de Direitos Humanos
Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
Att: Reine Alapini-Gansou
             
ASSUNTO: DENÚNCIA PÚBLICA

Os nossos melhores cumprimentos.

A OMUNGA é uma organização angolana não governamental sem fins lucrativos, de âmbito nacional que desenvolve actividades em prol dos Direitos Humanos

Tem o estatuto de observador da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. A sua sede está localizada no Lobito, B.º da Luz, Rua da Bolama, casa 2, Benguela, Angola.

1 – INFORMAÇÕES RECEBIDAS

A 27 de Maio fez um ano em que foi raptado o ex militar Alves Kamulingue, quando pretendia organizar uma manifestação com seus companheiros, em Luanda para reivindicar pelos seus subsídios. A 29 de Maio é raptado Isaias Kassule quando pretendia com outros colegas reivindicar pelo desaparecimento do seu companheiro Kamulingue. Continua-se a não verificar qualquer processo credível de investigação e de responsabilização em volta do desaparecimento destes dois cidadãos.

A 13 de Maio de 2013, um grupo de cidadãos endereça cartas  ao Governador Provincial de Luanda e ao Ministro do Interior a informar da intenção de realizarem uma vígilia a 27 de Maio de 2013 com o objectivo de honrar e lembrar “as milhares de vítimas do 27 de Maio de 1977, e recentemente os nossos irmãos Isaias Kassule e Alves Kamulingue que foram raptados numa data semelhante, mas no ano de 2012.” (em anexo)

Os organizadores utilizaram as redes sociais da internet para a sua divulgação.

A 25 de Maio de 2013, a OMUNGA emite um comunicado onde expressa a solidariedade para com os organizadores tomando em consideração o expresso nas  Recomendação para Angola do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas e nas Declarações da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Sra. Navi Pillay, aquando da visita a Angola. (http://www.omunga.org/text/omunga-apoia-vigilia-por-kamulingue-e-kassule-e-desenvolve-campanha-de-solidariedade-com-trabalhadores-do-shoprite/770)

O Governo Provincial de Luanda não apresentou, conforme obrigado por Lei, qualquer razão para que a referida vígilia pudesse ser impedida.

De acordo aos organizadores e publicado no blogue CENTRAL 7311 http://centralangola7311.net/2013/06/04/resenha-cronologica-da-vigilia-que-virou-manifestacao/

“No dia e hora marcada começaram a aparecer no largo os primeiros grupos de jovens. A polícia imediatamente interveio, mandando sair toda a gente do largo (incluindo pessoas que lá estavam a lazer) anunciando que este estaria interditado.

Mediante recusa de jovens que cumpriram escrupulosamente com as leis da República, a polícia usou da força.

Os jovens resistiram, entrelaçando os braços para formar uma corrente humana e deitaram-se no chão. Eram cerca de uma dezena e meia.
 
A polícia chamou então “reforços”. A brigada canina, equestre e inclusive um helicóptero com dois atiradores de metralhadora em punho e em posição de ataque sobrevoavam o largo.

Cercou o largo impedindo o acesso tanto pedonal como motorizado.

Isto causou grande alvoroço numa cidade já de si normalmente congestionada.

Assim, por reacção, se passou da intenção de realização de uma vigília para a configuração de manifestação anti-regime.

A multidão engrossou-se de estudantes e transeuntes que por ali transitavam regressando à casa e que não conseguiram ficar indiferentes ao que testemunhavam.

Várias testemunhas atestam que essa multidão se posicionou em defesa dos manifestantes, apupando a polícia.

A repressão continuou a subir de tom e assumiu contornos de extrema brutalidade com relatos de bastonadas e pisões.

Houve ainda o incidente de um jovem pisado no pé por um dos cavalos negligentemente dominado pelo agente da polícia montada.

Seguiram-se as detenções, à volta de uma dúzia delas.

Postos em liberdade de seguida, alguns dos jovens se reorganizaram para voltar ao largo e levar à cabo a vigília, em claro desafio ao bloqueio ilegítimo porém opulento da polícia.

O grupo de resistentes acabou por debandar após nova carga policial, tendo sido apanhado durante a fuga o jovem Emiliano Catumbela, detido no acto.

Mais tarde foi comunicado que estaria na DPIC e que pendia sobre ele a acusação de ofensas corporais, supostamente por ter arremessado pedras contra agentes da polícia que o perseguiam.

O comunicado referia ainda que seria ouvido na PGR na manhã seguinte, dia 28 de Maio.

O advogado do Emiliano, Salvador Freire (Mãos Livres), foi desinformado e impedido de ver o seu cliente durante os primeiros dias da detenção deste. Chegado à PGR lhe terá sido comunicado que o Emiliano nunca lá terá aportado e “ninguém” sabia onde ele estava. http://www.publico.pt/mundo/noticia/advogados-nao-sabem-onde-esta-detido-o-jovem-levado-pela-policia-na-vigilia-de-ha-dois-dias-em-luanda-1595863

O Emiliano terá sido transferido para a 19ª Esquadra ao Catinton, Município de Belas, sem que “ninguém” soubesse.

No dia 29 o Emiliano foi visitado por alguns companheiros que o descreveram como estando de bom humor, pedindo inclusive alguns artigos para os seus companheiros de cela.

Nesse mesmo dia, pelas 15 horas terá sido interrogado sem a presença do advogado a que tem direito.

No decorrer desse “interrogatório” terá visto a sua acusação evoluir de “ofensas corporais” para “tentativa de homicídio”.

O queixoso é o 2º Comandante da Divisão da Maianga, Eduardo António Nunes Diogo.

No dia 30 foi negada visita aos mesmos companheiros que lhe levavam comida e terão sido os seus colegas de cela que descreveram os maus tratos a que tinha sido sujeito.

Relataram que teria sido torturado ao ponto de ficar com o rosto completamente inflamado, sem conseguir abrir um dos olhos.

Foi apenas no dia 31 que o advogado, Salvador Freire, logrou em ver o Emiliano.

Ao longo do fim-de-semana, acompanhada pelo cognominado “Advogado do Povo”, David Mendes, a mãe do Emiliano pôde visitar o seu filho tendo acrescentado às anteriores acusações uma nova: “tentaram arrancar-lhe a unha com um alicate!”  http://makaangola.org/2013/06/02/comandante-bety-ordena-espancamentos-policia-militar-tortura-com-alicate/
 
A 27 de Maio de 2013, o partido MPLA (partido do Presidente da República), emite uma Declaração publicada nos órgãos de comunicação social públicos sob o título “MPLA condena aproveitamento político do 27 de Maio” http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2013/4/22/MPLA-condena-aproveitamento-politico-Maio,9538860e-0866-4a7a-8724-4a7da569e87a.html

Outros links relacionados com o assunto:
http://www.circuloangolano.com/?p=23297
http://www.voaportugues.com/content/partidos-levantam-caso-kuamulingue/1669280.html
http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/05/pelo-menos-oito-detidos-na-sequencia.html?spref=fb
http://makaangola.org/2013/05/28/policia-espanca-manifestantes-um-ferido-grave/
http://www.voaportugues.com/content/vigilia-reprimida-em-luanda/1669267.html?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=654621&tm=7&layout=121&visual=49
http://sicnoticias.sapo.pt/mundo/2013/05/27/policia-angolana-carrega-sobre-manifestantes-numa-vigilia-em-luanda
 
1 – VIOLAÇÕES

Tomando em consideração as informações recolhidas,

a)      O Governo Provincial de Luanda violou o Direito à manifestação ao impedir sem qualquer procedimento legal, a realização da Vígilia, baseando-se exclusivamente em propósitos políticos;

b)      O Governo Provincial de Luanda usou de força desproporcional e violenta;

c)      O Governo Provincial de Luanda utilizou métodos condenáveis como a detenção, tortura e criminalização judicial de cariz político dum organizador

2 – ANTECEDENTES

Human Rights Council - Fourteenth session (24 March 2010) Universal Periodic Review Report of the Working Group on the Universal Periodic Review* Angola
 
71. To step up its efforts to prevent arbitrary detentions, and to investigate all cases involving arbitrary arrest, detention and torture and bring to justice those responsible (Azerbaijan);
104. To pursue an open dialogue with human rights defenders, in particular in Cabinda, where, in the aftermath of the recent deplorable attack on the Togolese football team, human rights defenders are reportedly being detained without evidence as to their complicity (Norway);
105. To put in place and enforce measures to protect human rights defenders (Ireland);
106. To guarantee human rights defenders full legitimacy and protection, in accordance with the United Nations Declaration on Human Rights Defenders (Slovakia);
110. To respect the activities of civil society organizations, and to ensure that any action taken to regulate human rights organizations is not politically motivated, but based on legal provisions consistent with international human rights standards (United Kingdom);

Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos - Observações Finais sobre o Relatório Periódico Cumulativo (2º, 3º, 4º e 5º) da República de Angola 12ª Sessão Extraordinária 30 de Julho – 4 de Agosto de 2012, Argel, Argélia
 
XXXII. Adoptar medidas legislativas apropriadas visando a despenalização de infracções no âmbito da comunicação social, e garantir a liberdade de expressão e acesso à informação;

XXXIII. Adoptar medidas legislativas destinadas a garantir a liberdade de associação e assegurar a protecção de defensores dos direitos humanos;

Human Rights Committee Concluding observations on the initial report of Angola, adopted by the Committee at its 107th session (11 – 28 March 2013)

14.       The Committee is concerned by reports of arbitrary and extrajudicial killings by security forces in the State party, in particular those which occurred in the province of Huambo in 2010 as well as during the counterinsurgency against the Front for the Liberation of the Enclave of Cabinda in 2010. The Committee is also concerned at reports of cases of disappearances of protesters which occurred in Luanda between 2011 and 2012. The Committee is further concerned at the lack of concrete and comprehensive information on investigations, prosecutions, convictions and sanctions imposed on those responsible and at the reported impunity of security forces involved in such human rights violations (art. 6).

The State party should take practical steps to put an end to impunity by its security forces regarding arbitrary and extrajudicial killings and disappearances that occurred in its territory and should take appropriate measures to prevent their occurrence. The State party should systematically and effectively investigate, prosecute and if convicted, punish those responsible and provide adequate compensation to victims and their families, and inform the Committee accordingly. The State party should expand and enhance training programs on human rights, in particular, on the Covenant to its security forces.

15. The Committee is concerned at the absence of a definition of torture in the Penal Code which may lead to inadequate repression of the crime of torture. The Committee is also concerned at reports of torture and ill-treatment or excessive use of force by the police or security forces during arrests, in police stations and during interrogations as well as in other detention facilities. It is further concerned that there is no independent complaints authority to deal with such complaints which are currently only dealt with by a police force investigator (arts. 7 and 10).

The State party should adopt a definition of torture and explicitly prohibit torture in its Penal Code. The State party should also ensure that investigations of alleged misconduct by police officers and security forces are carried out by an independent authority. It should further ensure that law enforcement personnel receive training on the prevention and the investigation of torture and ill-treatment by integrating the Istanbul Protocol of 1999 (Manual on the Effective Investigation and Documentation of Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment) in all their training programmes. Allegations of torture and ill-treatment should be effectively investigated and the alleged perpetrators prosecuted and, if convicted, punished with sanctions commensurate with the seriousness of the crime, and victims should be adequately compensated.

 Discurso de abertura proferido pela Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, na conferência de imprensa durante a sua missão em Angola (Luanda, 24 de Abril de 2013)

Durante esta visita, levantei, com os Ministérios competentes, a questão dos casos não resolvidos de dois organizadores de uma manifestação de ex-militares que reivindicavam pensões não pagas, que desapareceram logo após uma manifestação em Maio de 2012.Fui assegurada pelo Ministro do Interior e pelo Gabinete do Procurador-Geral da República de que uma investigação foi iniciada e a mesma continua até agora. Espero que em breve a mesma trará à luz o que aconteceu com os dois homens e que todos os responsáveis ??por abusos, neste caso, sejam levados à justiça. É imperativo que sempre que existem denúncias de alegados abusos por parte das autoridades, que sejam levadas a cabo investigações credíveis e transparentes, e quando os abusos são confirmados, os seus autores sejam plenamente responsabilizados nos termos da lei.

3 – RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que a Sra. Relatora interceda junto do Presidente da República de Angola, no sentido de:
 
1 – O Estado angolano respeitar e cumprir com as recomendações e decisões dos diferentes organismos internacionais de Direitos Humanos;
 
2 – O Presidente da República pôr fim imediato ao impedimento e repressão das manifestações e da criminalização dos seus organizadores;
 
3 – O Presidente da República pedir desculpas às vítimas da repressão contra os manifestantes e à Nação, pela gravidade destas acções;
 
4 – O Presidente da República dê as devidas explicações públicas sobre o andamento do processo de investigação do desaprecimento de Isaias Kassule e Alves Kamulingue;
 
Recomendamos que a Sra. Relatora interceda junto do Procurador-geral da República, no sentido de:
 
1 – O Estado de Angola respeitar os compromissos internacionais assumidos sobre os direitos humanos, arquivando as acusações e pondo termo ao processo que condena Emiliano Catumbela.

Sem qualquer outro assunto de momento, aceitem as nossas cordiais saudações

 José António M. Patrocínio