Lisboa - Entre 1726 e 1732, um padre causou um conflito que dividiu a elite de Luanda, depois de ser nomeado para mestre-escola da Sé. Num artigo publicado na Revista de História Comparada da Universidade Federal do rio de Janeiro (UFRJ), Selma Pantoja revela a história de um padre que era mais que um padre e de uma elite portuguesa que se movia por interesses e tecia conspirações.

*JORGE SIMÕES
Fonte: Lusomomitor

Antes de ser Padre, João Teixeira de Carvalho era intermediário de negócios. Nascido em Benguela, o seu trabalho era mediar as relações entre o sertão (o interior do território onde pontuavam os povos autóctones) e o litoral, onde Portugal montara a sua estrutura social e comercial. Esta posição era de extrema importância para os negócios da zona, principalmente para o negócio dos escravos. Esta acaba por ser a principal razão pela qual ele se vê envolvido neste confuso episódio. Como explica Selma Pantola “Os conflitos em Luanda podem ser relacionados diretamente com os cargos nas fortalezas se lembramos a importância nas trajetórias dos comerciantes/militares de escravos em ocuparem os estratégicos postos dos então chamados presídios do sertão.

As fortalezas tinham a função de manter os fluxos do comércio entre sertão e litoral. Eram lugares de enriquecimento rápido, garantia de chegar rico a Luanda”.

A posição privilegiada de João Carvalho tornou-se ainda mais proeminente quando em 1706 foi investido como padre. No entanto a sua vida como membro do clero não seria fácil. Apesar da sua nova posição, nunca conseguiu fugir ao estigma e suspeição de ser um “cristão-novo”, ou seja um cristão convertido. Em Benguela foi acusado e preso por fazer negócios com estrangeiros. Defendeu-se das acusações mas viu-se obrigado a abandonar a sua terra natal, acabando por mudar-se para Luanda. Na capital do reino de Angola, a sua nomeação para o cargo de mestre-escola da Sé de Luanda, indicada pelo Bispo, criou um conflito que dividiu membros do clero e autoridades políticas. Um conflito e um esgrimir de argumentos que tem, por trás, interesses muito mais fortes alicerçados na guerra pelo controlo das fortalezas entre as elites: “O lugar de um “clero da terra” neste cenário seria completamente secundário, se não fosse ele um importante comerciante, em posição estratégica para o negócio de escravos entre o litoral e o sertão, como foi o caso do padre João Teixeira de Carvalho”.

Nos factos relatados pela investigadora, percebemos que membros do clero não apoiavam a decisão, contestando-a por João ser negro, não saber latim e ainda acusando-o de viver uma vida devassa e de comprar o Bispo e outras pessoas com ofertas. O governador de Angola também se opôs à nomeação e entrou em guerra aberta com o Bispo, que contava com o apoio do influente e rico Coronel António Fonseca Coutinho e de algumas ordens religiosas.

Num enredo cheio de intrigas, acusações sem factos, reunião de documentos contra e a favor e cartas ao Rei, a investigadora relata-nos o ambiente agitado da época: “O governador acusava o padre João de subornar o bispo, ouvidor e coronel com presentes, garantindo assim o apoio dessas autoridades em Luanda. Enquanto do outro lado, o bispo e o juiz de fora alimentavam os ataques contra os aliados do governador, alegando que este último morava nas casas de Manoel Matoso de Andrade, servindo-se dessa família poderosa para seu conforto”

A luta foi violenta e, se por um lado o governador se recusava a pagar ao padre João e não reconhecia a sua nomeação, por outro o Bispo castigava os cónegos que se opunham ao novo mestre-escola.

Devido à sua posição privilegiada no negócio dos escravos, João foi protegido e acusado injustamente. Em 1730, mesmo contra a última recomendação do Rei de Portugal que defendia que não havia argumentos para expulsar João de Angola, o governador expulsa o Padre benguelense para o Rio de Janeiro, com acusações infundadas de feitiçaria pelo meio. À chegada ao Brasil, João consegue escapar às autoridades e refugia-se no convento do Carmo, de onde escreve ao rei defendendo-se de todas as acusações.

Em Agosto de 1732 o Rei ordena que seja devolvido o cargo de mestre-escola na Sé de Luanda a João Teixeira de Carvalho, decisão que foi acatada muito mais pacificamente do que a anterior e põe o ponto final em 6 anos de conflito aberto dentro do clero e da elite política. Uma vitória para o padre de Benguela mas certamente uma conquista para os interesses de uma das partes, na busca do enriquecimento e controlo do comércio escravo.