Lisboa - Falar seja para e porque motivo for é, sem dúvida, um exercício extremamente desagradável quando o foco das nossas apreciações e/ou considerações estiver onde supostamente – por motivos óbvios nunca deveria se fixar. Quer queiramos quer não a verdade é que relativamente ao onto (ser humano), o que está sob a sua derme ou epiderme se quisermos faz dele incomparável face a todos outros indivíduos e comunidades que integram as mais diversas ordens de organismos ou seres vivos que povoam a superfície do nosso maravilhoso planeta. Porém, insofismável que é a realidade operada pela força cuja fonte aparente é a variedade de tons ou de cores da pele, leva-me a viajar na esfera do pensamento e das palavras com inconsolável tristeza.

Fonte: Club-k.net

PORQUÊ ÚNICO E INCOMPARÁVEL:

As únicas teorias (ou pelo menos as mais conhecidas teorias explicativas das origens da humanidade) a saber Teoria da Evolução e Criacionismo, opostas entre si, não obstante ambas concordam na singularidade do ser humano quer do ponto de vista da sua natureza quanto da capacidade desse para de um modo amplo percecionar o que lhe rodeia contrariamente a todas outras espécies com as quais partilha o adjetivo animal. O segredo que há muito foi descoberto para uns e revelado para outros, consiste na faculdade de integrar na sua reação aos estímulos sobretudo exteriores a informação proveniente dos órgãos de sentido para o cérebro a medida que aqueles a recolhem do exterior; daí o adjetivo racional para o ser humano.

UM SER CRIADO PARA UNS, EVOLUIDO PARA OUTROS:


Sobre esse tópico não nos interessa aqui debruçar-nos sobre as origens do ser humano na medida em que - à quem interessar tal assunto – certamente que a melhor maneira de o abordar é fazê-lo de forma livre e com a necessária abertura de espírito tratando-se de matéria inesgotável no mundo dos mortais. Interessa-nos, porém, fazer uma pequena incursão sobre a presumível detenção de capacidade e liberdade desse ser (humano) poder agir em conformidade com a sua identidade enquanto ser racional. Também não vamos aqui imergir na enormidade do complexo conhecimento científico até agora alcançado, contudo, vamos apenas permitir-nos constatar que – qualquer que seja a nossa conceção acerca das origens da humanidade -, todos estamos conscientes e de acordo que nem a nossa consciência nem a nossa vontade podem ser modificadas naturalmente por forças exteriores. Justamente, por assim ser é que, em democracia, se invoca como pilares e corolários desse sistema político, valores como os do respeito pela liberdade de consciência e de escolha perante a pluralidade de opções potenciais decorrente da própria natureza das coisas e dos direitos das pessoas assentes na sua dignidade. Ou seja, todos sabemos que unicamente a nossa liberdade de exteriorizar e nossa capacidade de materializar o que nos vai na alma podem ser condicionadas mas a sua força interior não obstante mantém-se intacta. É por isso que a privação dos direitos inerentes a dignidade da pessoa humana são causa de muito sofrimento que graça pelo mundo inteiro roubando-lhe a paz.

UM SER HISTÓRICO:


Até aqui tivemos a oportunidade de verificar alguns atributos da humanidade nomeadamente, o de ser racional, livre por natureza e capaz de fazer escolhas conducentes as respetivas decisões. Para tentarmos dar sentido a nossa reflexão importa referir em termos mais diretos – embora já de certa forma aflorada - a questão das emoções humanas nesse processo sem as quais o homem não era o que é. Daí que as componentes racional e emocional interagindo entre si traduzem a existência do homem como um ser não só inteligente mais também dominador. Na Bíblia Sagrada – repositório da fé cristã é dito sobre o homem relativamente aos outros seres “…e domine sobre… ” e por conseguinte, através dos tempos muitos do mundo da ciência têm afirmado que ao homem só a perspetiva da morte não é possível alterar. Ora essa impotência da humanidade em face da perspetiva da morte com que tem de defronta-se através da sua existência, têm impelido quase invariavelmente a humanidade a escrever a sua história de um modo que se tem revelado ser-lhe desfavorável.

OS AMIGOS PORTUGUESES:


Nos últimos dois anos, sem prejuízo de poder recuar muito mais no tempo, as diplomacias portuguesa e angolana reiteradamente, sobretudo a desse último estado, tem-se ocupado de fazer ressoar nos ouvidos dos angolanos em particular, o adjetivo amigo quando se refere ao povo angolano. Ao fazê-lo, têm invocado uma longa história de convivência entre ambos os povos a qual, na sua perspetiva é orgulho e motivo e firme sustentáculo de uma relação saudável e com tudo para ser uma relação promissora, próspera e mutuamente vantajosa. Volvidos cerca de 38 anos de libertação do povo angolano do jugo colonial, ouvir do outro lado do atlântico a proclamação de amizade dos portugueses para com os angolanos devia já soar a coisa banal. Porém, como pode soar à banal uma expressão que em mais de 38 anos só nesses últimos 5 anos vem sendo utilizada como que rajadas verbais. Ou seja, desde o tsunami financeiro que desencadeou outro económico de proporções largamente catastróficas ao nível económico estando Portugal no seu epicentro em termos das consequências a ele associadas, do outro lado do atlântico mais ao sul da península ibérica não cessam as vozes de enaltecimento do incremento das relações com o povo amigo (angolano).

AMIGOS-RELAÇÕES DE AFETO E CONFIANÇÃ!?


Falar de afeto e de confiança é tocar em matéria sensível grosso modo. Por natureza o ser humano reserva-se o direito de afeiçoar-se aqueles com os quais em termos identitários partilha profundas ou largas afinidades. Para tanto, será suficiente o facto de portugueses e angolanos coabitarem quinhentos anos em território angolano!? Depende…se essa coabitação foi pacífica e gratificante para ambos os povos. Confiança é um verbo manifestamente estranho a natureza humana como o óleo à água. A confiança não é de natureza espontânea exige intervenção da vontade conscientemente formada. A confiança não pressupõe a existência de afeto mas tem de assentar numa relação através da qual abrem-se as entradas de acesso ao conhecimento do suposto objeto da nossa confiança adotando-o ou afastando-o.

OS SINAIS QUE PAIRAM NO AR:


Como tive já a oportunidade de chamar a atenção para o caráter pontual das proclamações de amizade de portugueses para com angolanos, não me parece que exista na realidade uma relação de afeto e de confiança dos portugueses para com os angolanos – se não vejamos: Ao nível do relacionamento entre as entidades políticas e governativas de ambos os países, sucedem-se os incidentes nos quais são sempre as autoridades angolanas a queixar-se de determinadas atitudes e ações dos seus congéneres portugueses. Tais incidentes têm quase invariavelmente na sua base referência a atividades desenvolvidas por figuras do poder político angolano em território português. Reiteradas vezes os implicados do lado angolano alegam violação do direito internacional por imiscuidade ou ingerência em assunto internos; Reclamam desrespeito pela soberania da República de Angola e ameaçam com cortes de relações diplomáticas e económicas e, por sinal, desencadeiam algumas represálias contra os empresários portugueses a operar em Angola.

Do lado do hemisfério norte sobre tais incidentes, fala-se muito pouco em público mas trabalha-se exaustivamente nos bastidores porque não dá para arriscar perder para outros o el dourado do sudoeste africano. Pouco tempo depois verificam-se fabulosos resultados – o último que mais ressaltou foi o de conseguirem que os angolanos fossem chamados e tratados de um modo que enfim (…) não tenho coragem de repetir, e os portugueses fossem chamados de mentes brilhantes. Convidados a entrar até para a administração pública sem dúvida que a vitória nessa última querela entre ambos foi aparentemente retumbante para os portugueses.

O QUE SENTE O POVO ANGOLANO I:


As tricas dos governantes angolanos e portugueses não passariam disso se na realidade da vida e da dignidade dos angolanos não beliscassem os seus interesses económicos e sociais e não ferissem o seu orgulho enquanto povo soberano e independente.

A população de Angola aumentou nesses últimos anos em cerca de dois milhões em virtude da “debandada” dos portugueses para Angola provocada pela crise económica. Quando a guerra civil de Angola no sentido inverso provocou o mesmo efeito nem sequer chegámos a atingir a cifra dos vinte mil angolanos em Portugal. Esses números, porém, não mereceriam qualquer atenção especial se não testemunhássemos as atitudes de persona não grata que os portugueses têm revelado entre nós angolanos no nosso próprio país. Tamanha ousadia com que os portugueses tratam desrespeitosa e desdenhosamente os angolanos não tem outra conexão senão com a forma como quem diz ser presidente dos angolanos nos trata perante os portugueses. Ainda mais grave é saber que, os portugueses em Portugal – portanto, no seu país -, sem que nós os angolanos pratiquemos alguma ofensa contra eles e estando entretanto a mercê dos insultos racistas de que eles não se cansam de fazer, os portugueses são capazes - sem pena nem dó – são capazes de se congregar numa conspiração atroz com contornos altamente irracionais. Já alguém me tinha dito que a lei penal contra o racismo aparentemente não passa de um adorno legislativo em Portugal.

Quanto a isso deve estar ainda fresco nas memórias de muitos angolanos a reportagem da SIC – há menos de dois meses – sobre o caso da senhora angolana que foi ameaçada pelo bairro quase inteiro de morte caso ocupasse uma habitação municipal. Alguém me tinha confidenciado que em Portugal as leis contra o racismo têm aparentemente a mesma força e eficácia que as leis que proíbem de levar os animais a fazerem as suas necessidades na via pública. Ter o BI. Português não quer dizer nada na prática sendo que continuam a tratar-nos como intrusos e mendigos.

Na própria administração pública, sou exemplo disso, a minha chefe odeia-me sem lhe ter feito mal nenhum (a não ser o de ser angolano já que certa vez disse-me que ela e a família voltaram de Angola sem nada por terem perdido tudo o que tinham). Ela e os seus correligionários montaram um Processo Disciplinar contra mim sendo que tudo o que faço pela minha defesa se traduz num exercício pura perca de tempo e desperdício intelectual. Certamente que terei a oportunidade de mostrar a sociedade civil angolana a prova cabal da falta de escrúpulos de muita gente em Portugal os quais vivem na impunidade da lei mesmo quanto detêm poder e responsabilidades para a fazerem cumprir. O processo disciplinar contra mim instaurado do qual vergonhosamente resultou a aplicação de uma pena de suspensão de 80 dias representa o cumprimento parcial dos escopo que mal sabem esconder – que é o de demitirem-me do serviço. A própria instrutora do processo mais não é do que uma testemunha abominável quanto as outras e a própria participante na prossecução de tão infame objetivo. Toda essa novela dantesca (filme de terror) passa-se na autarquia mais importante de Portugal – a Câmara Municipal de Lisboa.

O QUE SENTE O POVO ANGOLANO II:


Em capítulo anterior tive a oportunidade de referir-me a apregoada amizade dos portugueses para com os angolanos e dos tópicos do afeto e da confiança. Referindo-me no capítulo anterior (parte I) sobre o que na realidade sente o povo angolano desse relacionamento, não representa de modo nenhum qualquer dificuldade o exercício de auscultação das emoções do povo angolano para com o povo português fruto das atitudes desses para com aqueles. Já muitos dos que regressaram da diáspora de Portugal chegaram em Angola dando um testemunho negativo da (In) cordialidade dos portugueses para com os imigrantes angolanos nesse particular. Contudo, diga-se de passagem que quando falo dos portugueses de modo algum estaria a referir-me a generalidade deles. Estou apenas a referir-me a uma grande franja da população portuguesa mas não a todos, dos quais muitos são titulares de cargos públicos porém, não obstante até agora não conseguiram vencer a incontinência e os impulsos racistas e xenófobos de que padecem, nem as autoridades se encarregaram de os “ajudar” nesse sentido. Resulta obviamente, que a amizade dita fraternal entre Portugal e Angola não passa de um estereótipo que oferece vantagens apenas aos de um dos lados (português) em detrimento dos do outro.

É tão simples como isso; Para os portugueses os angolanos continuam a ser uma estirpe inferior e propícia para dominar e extorquir-lhes as riquezas. Portugal e os portugueses racistas e xenófobos como aqueles que me têm perseguido e que ameaçaram de morte a nossa compatriota caso ocupasse a habitação municipal apesar de ter o BI. Português, a gente sem escrúpulos que não respeita os angolanos na sua própria terra devem despertar e perceber que é já tempo de as instituições portuguesas mudarem de atitude e agirem antes que seja tarde. Os portugueses precisam e devem apressar-se a transplantar para a esfera do seu relacionamento com o povo angolano valores eticamente apurados de modo a reflitirem a sua condição de seres racionais. Os angolanos aspiram legitimamente por uma relação racional, equilibrada e assente nos valores da reciprocidade. Nessa perspetiva não se cometa o erro de confundir uma nação com um homem porque os anos passam e com eles as gerações dos homens mas a terra, essa é entregue as novas gerações.


Um sábio e universal provérbio angolano: “O esperto apenas almoça mas não janta” Aos caros leitores e aos angolanos em especial um até breve,

Tito Silva