Lisboa – As eleições de há um ano em Angola não amenizaram o "clima de intimidação e vigilância", alimentado pela "paranoia" do regime face a uma eventual réplica da "primavera árabe", observa a investigadora Lisa Rimli.

Fonte: Lusa
A perita da organização internacional Human Rights Watch conversou com a Lusa em Lisboa, refletindo sobre as mudanças em Angola no último ano, após a reeleição de José Eduardo dos Santos, que lidera o país há mais de 30 anos.

O resultado da votação de 2012 "de certeza que deu que pensar ao partido no poder", pela "enorme taxa de abstenção" e "pior resultado" em Luanda, a capital, mas esta "experiência traumática" não resultou numa mudança no exercício do poder.

Por outro lado, antes das eleições, o Governo abrandou "medidas muito impopulares", como as "demolições forçadas", sobretudo de casas dos mais pobres, e as "perseguições às vendedoras de rua", que "são tratadas como gado".

Porém, essas medidas "voltaram a ser implementadas" logo a seguir às eleições, acompanhadas por "muita violência e aparato militar" e criando "um clima de tensão social muito grande", descreve a perita.

Portanto, o regime não mudou "absolutamente" nada, resume a perita, preocupada por, 11 anos depois da guerra civil, o Orçamento do Estado, que entrou em vigor em Fevereiro, contemplar "um aumento nas despesas de defesa", o que mostra "as prioridades do Governo".

Isto porque "desde a primavera árabe que se instalou uma paranóia, um medo dentro do Governo de que uma coisa semelhante poderia acontecer em Angola e que as potências ocidentais poderiam até apoiar", analisa, realçando que esta "percepção" explica "toda a vaga de repressão contra manifestações, mesmo que sejam pequenas".

São "poucos protestos" que têm acontecido em Angola por causa do "grande investimento na vigilância" e também pela busca de "outras vias" por parte dos manifestantes. "Praticamente já não existe o direito de manifestação em Angola. É preciso pensar também nisso. Será que vale a pena sair à rua para ser preso, para ser vítima de violência? E qual é o impacto disso?", indaga.

Por outro lado, sublinha, a contestação não se resume aos jovens e "é cada vez maior" dentro das empresas e mesmo do aparelho do Estado. A sociedade civil tem apresentado queixas na Procuradoria-Geral da República "contra dirigentes", por corrupção e peculato por exemplo, o que "é uma coisa completamente nova", exemplifica.

O Governo - que responde com queixas por difamação - "tem cada vez mais dificuldades em gerir esta contestação". Além do mais, o processo de sucessão de José Eduardo dos Santos "é uma grande incógnita", porque "não parece estar a correr muito bem", observa.

Muitos direitos sociais e económicos continuam por garantir no país, nomeadamente o acesso e a qualidade da habitação, o que se traduz numa "tensão social muito grande", diz, notando "um grande nervosismo em relação à população pobre, porque não está a ser feito nada para melhorar a situação dos pobres".

O regime angolano manifesta uma "tolerância relativa" face a organizações internacionais como a Human Rights Watch. Por um lado, abre as portas aos peritos, porque "tem uma grande preocupação com a imagem internacional"; por outro, estes sofrem "imensos constrangimentos, em termos de vigilância e ameaças".

Lisa Rimli, que chegou a ser detida da última vez que visitou Angola, em Abril, está actualmente em Lisboa. Angola está "muito presente" em Portugal e "é importante observar um pouco isso", justifica. "Portugal precisa de Angola, por motivos económicos, mas corre muitos riscos também por causa disso", alerta.