Luanda – No fim da II Guerra-mundial (1945) e no rescaldo da proclamação solene da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948, a União Soviética e a República Popular da China emergiram-se como Bastiões mais firmes do apoio incondicional à Luta dos Povos Africanos pela Independência.

Fonte: Club-k.net
No seio do Pan-africanismo surgiram, no então, duas Correntes Ideológicas principais: Pro-soviética e Pró-chinesa. Os Movimentos de Libertação e as Formações Políticas Africanas ficaram bastante influenciados pela Revolução Russa e pela Revolução Chinesa cujas Ideologias e Doutrinas Militares serviram de Conhecimentos técnicos ao processo prolongado e sinuoso da descolonização.

Como é do conhecimento geral, a Revolução Russa baseou-se na Luta Urbana, sob a Vanguarda da Classe Proletária, assente na Visão do Karl-Marx, do Friedrich Engels e do Nikolai Lenine – que fundiu-se no Estalinismo-Puro

Ao passo que, a Revolução Chinesa fez-se a partir do Campo, apoiando-se firmemente na Classe Camponesa, liderada por um núcleo de quadros intelectuais com a Visão do Sun Yat-Sen, Karl-Marx, Friedrich Engels, Nikolai Lenine, José Estaline – que sintetizou-se no Maoismo-Híbrido.

A UNITA, por exemplo, optou-se pela Revolução Chinesa cuja natureza sociológica e geopolítica correspondia a realidade angolana, do então, com uma Classe Operária insignificante e sem uma implantação firme nos Centros Urbanos. Nesta época, mais de 85% da população local viviam nas zonas rurais, com uma estrutura administrativa colonial dispersa, ténue ou mesmo inexistente nalgumas regiões do país.

Ao passo que, nas grandes cidades, como de Luanda, o sistema de serviços (PIDE) de segurança secreta do regime colonial português era bem estruturada, com uma rede de células clandestinas firmemente implantadas no Litoral e nas Linhas Ferroviárias do CFB, CFM e CFL.

Imbuindo da “doutrina soviete”, o MPLA defendia, de forma intransigente, a Luta Urbana, assente essencialmente no “funcionalismo proletário” ou no “elitismo-operário”. Na prática esta teoria tonara inviável. Pois que, a maior parte dos núcleos nacionalistas clandestinos nas grandes cidades ficaram desenraizados pela PIDE e desterrados nos Campos de Reclusão, como de Tarrafal e de São Nicolau. Isso, vinha obrigar mais tarde o MPLA a adoptar parcialmente a Teoria Maoista, da Guerra de Guerrilhas.

Nesta altura, em África, havia um Circulo Estudantil com uma rede de ligação estreita, que buscava partilhar em conjunto os conhecimentos revolucionários, como instrumentos de Luta contra a Colonização Europeia. Este Círculo de Jovens intelectual cedo se transformara no esteio de recrutamento de Quadros que vinha tomar rapidamente a Vanguarda da Luta pela Independência da África.

Lembro-me que, na altura do Liceu, em Lusaca, tínhamos acesso clandestino às Embaixadas da Rússia e da China. Para que não fôssemos detectados por Agentes Secretos das Potencias Ocidentais, na calada da noite, entravamos despercebidos pelas portas traseiras das Embaixadas acima referidas.

O Objectivo principal era buscar literaturas sobre a Revolução Russa, Chinesa e Vietnamita. Estas, sobretudo, tinham um impacto psicológico bastante enorme sobre as Potenciais Ocidentais, que sustentavam o Colonialismo Europeu em África.

Em 1975 e 1978, após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, em Portugal, participei nas duas Delegações diplomáticas da UNITA que visitaram a República Popular da China e a República Popular da Coreia do Norte, chefiadas respectivamente por General Samuel José Chiwale, Comandante Geral das FALA e por Comandante Waldemar Pires Chindondo, Chefe do Estado Maior General das FALA.

Nesta altura, além da experiência teórica, já estava política e militarmente temperado da Luta de Libertação Nacional, na Frente Leste do Moxico, como Comandante e Membro do Bureau Político do Comité Central da UNITA. A minha expectativa era muito grande para conhecer fisicamente a China, os seus Dirigentes e os lugares históricos da sua Revolução sob a Liderança lendária do Presidente Mao Tsé-Tung.

Tudo estava posta, em Pequim, para sermos recebidos pelo Presidente Mão Tsé-Tung. Infelizmente, a sua saúde tivera alterado significativamente no mesmo dia da audiência, apagando assim toda expectativa de vê-lo em pessoa.

Para já, nesta época, a Revolução Cultural era notória e parecia ter sido uma nuvem bem carregada que se pairava sobre as grandes conquistas deste Povo, que sempre mereceu a minha admiração e respeito. Na Cidade histórica de Yenan, o Quartel-general do Exercito Vermelho, Pós-Longa Marcha (1935), visitamos o Centro de Formação de Quadros e de Retificação Ideológica, relacionado com a Revolução Cultural.

Fiquei bastante desiludido pelo ambiente político ali reinante, que buscava a doutrinação e a lavagem de cérebro, num esforço enorme de terror, de domesticação e de escravização psicológica da consciência humana.

Sai deste Campo, de Reeducação Ideológica, bastante confuso e atrapalhado – fora de mim, chocado, ofendido, revoltado, embaraçado e retraído. A minha decepção era tão profunda e aparente de formas que, três dias depois, quando chegamos no Ruijin (onde se fundou o primeiro Estado Vermelho em 1931 e onde iniciou a Longa Marcha em Outubro de 1934) fui aproximado por um responsável político chinês que queria saber o motivo pelo qual me encontrava no estado deprimido desde que deixamos a Cidade de Yenan.

A partir daquela data iniciara uma revisão profunda da minha consciência mental, buscando uma nova Visão do Mundo, numa retrospectiva dos tempos da Juventude Estudantil e da Luta Armada na Frente Leste de Angola, que acabava de triunfar contra o Colonialismo Português.

Em Pequim, na segunda visita de 1978, após a digressão pelo País, fomos formalmente recebido no Palácio do Povo, por Deng Xiao-Ping, vítima da Revolução Cultural, já reabilitado, homem maisforte da Hierarquia do Partido Comunista Chinês, pós-morte do Presidente Mao Tsé-Tung, no dia 9 de Setembro de 1976.

Nesta audiência o Líder Chinês nos disse o seguinte:

“A China é o Estado Socialista, mas ela tem o desafio de tornar o seu Povo numa fonte principal e inesgotável do Rendimento Nacional. Para este efeito, é imperativo libertar o Povo Chinês, abrir as portas, modernizar o sistema, capacitar o povo, lança-lo no mercado internacional, interagir com outros povos do mundo, tirar o melhor de si, reforçar e ampliar o intercâmbio cultural, económico, comercial, financeiro, científico e tecnológico, para o Bem da Humanidade.”

Salientava dizendo: “O vosso País, Angola, reúne as melhores condições para desenvolver e aprofundar as relações amistosas e de cooperação bilateral com o Povo Chinês. Porém, a Guerra que vos divide em dois campos opostos não é uma Montanha insuperável, mas sim, é um Obstáculo por vencer, para que se alcance a autodeterminação e integrar-se livremente no Concerto das Nações.”

Na procura da verdade, descobri que o cerne da contradição entre Mao Tsé-Tung e Deng Xiao-Ping estava encoberto neste extracto síntese que acabei de citar. Isso veio reactivar a minha curiosidade, lançando novamente uma luz cintilante sobre a minha Consciência e a minha Visão sobre a Revolução Chinesa.

Entendi que, a libertação da consciência humana e a liberdade de interagir com outros povos são factores-determinantes da dignidade humana, do progresso e da justiça social. Nenhum Povo do Mundo pode sentir-se livre, alegre e realizado se a sua consciência estiver condicionada e domesticada.

O desenvolvimento de um País, no sentido global, está intrinsecamente ligado a Liberdade e a Equidade da distribuição do Rendimento Nacional. O direito ao trabalho e o acesso à riqueza do país não podem ser personalizados e servirem de instrumentos de domesticação e escravização da consciência humana.

O Presidente Mao Tsé-Tung, em toda sua Carreira Revolucionária que culminara com a Revolução Cultural, procurava transformar o Povo Chinês num rebanho de gado, retido no curral e forçado a obedecer restritamente ao seu Pensamento Único.

O Deng Xiao-Ping, pelo contrário, olhava para o Povo Chinês, tão numeroso, como uma matéria consciente, fonte de conhecimentos, de talentos, de trabalho, de produtividade e do Rendimento Nacional. Só que, esta “Visão Deng” torna-se rentável e útil se for contabilizada na sua totalidade e usufruir da riqueza nacional, na base do princípio de equidade e de igualdade de oportunidades.

Neste respeito, a China embora tivesse feito um salto grande qualitativo na transformação humana, mas ainda debate-se com grandes desafios nos domínios dos Direitos Humanos e da Justiça Social. O Povo Chinês ainda é constrangido da liberdade de consciência, ganha mal, trabalha em condições precárias e a boa parte do seu rendimento vai para o Cofre do Estado. O que não potencia a cidadania e não promove o bem-estar, per capita.

Por este motivo, a Revolução Chinesa nos oferece muitas Lições que devemos precaver e corrigir. Infelizmente, a Liderança do MPLA ainda está presa a Ideologia de reter e condicionar a actividade e a consciência dos Angolanos. Quando se “condiciona tudo à militância partidária,” por exemplo, estará justamente perante a Revolução Cultural Chinesa – em miniatura.

A “Visão Deng,” sintetizada acima, constitui o factor-decisivo do êxito que a China manifesta hoje em todos domínios, como alavanca da sua expansão ao Mundo. O ponto-crucial desta teoria é a libertação da consciência da Mulher e do Homem.
Não obstante, Mao Tsé-Tung é um marco imponente da Historia da Humanidade. Só pecou, de forma redundante, no lançamento da Revolução Cultural que foi um dos maiores Catástrofes que a Historia contemporânea já registrou.

Nesta senda, Nós, os Angolanos devemo-nos libertar da escravatura mental, que induz o Poder a valorizar o Cidadão Angolano na base partidária. Esta é a pior forma de opressão e de exploração do homem pelo homem, que tanto foi incutido na mente dos Angolanos durante o Socialismo do Partido Único.

Foi precisamente nesta base do desconhecimento e do desprezo dos Direitos do Homem conduziram a Actos de barbárie, em todo Mundo, que revolta a consciência da Humanidade, e que o advento de um Mundo em que os Seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi Proclamado, pelas Nações Unidas, como a mais Alta Aspiração do Homem.

Em suma, neste Mundo de diversidade de conceitos e de ideias, de interesses conflituosos, de desigualdades abismais, de aproximação entre os Povos do Mundo, da indefinição de Liderança Global, da existência de Potências e Economias Emergentes e da impotência das Nações Unidas, cada Povo deve libertar-se de si próprio e conquistar o seu espaço no Concerto da Nações – em plena Consciência, Liberdade, Igualdade e Justiça. Parafraseando, a caridade bem entendida começa por nós mesmos.

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