Luanda - «-O teu cantil? Estás em desespero…», troça o instrutor, que dera um litro do precioso líquido ao instruendo para durar dois dias. A cena, que ocorreu recentemente num exercício de treino da Polícia de Guarda Fronteira, faz parte do vídeo que se publica em anexo e que mostra um brutal exercício de treino no terreno da Polícia Guarda Fronteira.


* Rudolfo Zacarias Sarko
Fonte: Club-k.net

O exercício, com a duração de oito dias, integrou a formação, no terreno, de algumas dezenas de futuros efectivos que têm como função assegurar a integridade das fronteiras angolanas, prevenindo a imigração ilegal, mas sempre guiados por uma visão humanista e respeitadora da dignidade humana.


Porém, perante as imagens que vemos, é impossível não perguntar: que pingo de humanidade restará a um jovem que é alvo de chacota pelos seus superiores, perante os seus camaradas, sem água para beber, após dois dias de treino duríssimo? Ou que saúde restará para proteger as fronteiras de Angola ao desgraçado que, inanimado, recebe chapadas de um superior para acordar da sua exaustão?


Se for pelo exemplo, estes futuros efectivos da Polícia Guarda Fronteira nada mais serão que matéria humana embrutecida e desmotivada, sem qualquer vontade de exercem com dignidade e profissionalismo as suas funções. Em vez de proteger fronteiras, estes homens jovens tentarão proteger apenas o seu estatuto, se o chegarem a ter, do de quem é temido, e não respeitado. E tudo, fruto de um comportamento totalmente desajustado por parte dos instrutores, que representa um vexame para a instituição que servem, a Polícia Nacional, mas também um motivo de desprestígio profundo para o próprio Ministério do Interior, que a tutela.


Mas de algum modo, as imagens chocantes que o leitor pode visionar não o devem surpreender. Afinal, têm sido frequentes, recentemente os casos de abuso de autoridade, como no caso da cadeia de Viana, que recentemente vieram a lume. Ou, mais antigas as imagens de um grupo de reclusos, também de Viana, espancados por polícias, guardas e bombeiros.


O ministério que tutela estas forças militares não pode encarar de ânimo-leve a responsabilidade de treinar e ensinar a defender a integridade pátria com este tipo de atitude. Para que serve o dinheiro que escorre do Orçamento Geral de Estado para a sua tutela? Para água e formação de boa conduta, certamente que não… Para alimentar círculos viciosos de crueldade, aparentemente sim.


Crueldade essa, que motiva algumas das críticas daqueles que acusam as autoridades de abuso pela violência física… Crueldade que lhes poderá dar motivos para, até, depois de repugnados por tudo isto, se juntarem à meia-dúzia de insurgentes que tentam minar a estabilidade do país… O que levou a que a situação retratada no vídeo aconteça é resultado de uma irresponsabilidade inadmissível, indesculpável, e que não pode mais repetir-se!


Por outro lado, há outra questão que emerge ao termos acesso a este vídeo, como, em que condições e com a permissão de que chefia, chegam a público imagens que, só pela sua recolha, violam o segredo de Estado e expõem algo que, mais do que resolvido internamente, deveria ser prevenido, também no interior das instituições?


Ainda faltam alguns meses para as cheias, em algumas regiões do nosso país. Mas a torrente de lama e de vergonha que, com actuações como a que analisamos, já cobre o nome dos responsáveis do Ministério do Interior, é tão espessa que quanto chegarem as chuvas, ninguém notará a diferença.