Luanda – No passado mês de Julho nasceu na vila de Catete, município de Icolo e Bengo, (num encontro realizado no Centro Cultural Dr. Agostinho Neto), uma organização de carácter “cívico”, que pretende de acordo com a publicidade (publicada no Jornal de Angola do dia 6 de Julho de 2013), reunir e congregar todas as associações municipais de angolanas, à União das Associações Municipais de Angola, sob a sigla AMANGOLA.

Fonte: Club-k.net
Quanto ao surgimento da instituição em si, bem como o fim que ela compromete-se em atingir nada tenho a declarar, até porque associações do género são bem-vindas.

O que me inquieta é a sigla que se decidiu adoptar para designar a referida associação, uma vez que, a História de Angola registou já uma organização política cujo manifesto que antecedeu a sua fundação assim se denominava.

É precisamente neste sentido que decidi realizar este exercício, que aliás acho necessário para a compreensão do contexto e das nuances que nortearam o surgimento do terceiro movimento de libertação de Angola.

Preferi destacar o contributo que apesar de ainda não serem o desejado, chegaram até nós graças a publicação de memórias de alguns nacionalistas e de entrevistas. Há pessoas que, de forma activa, participaram e viveram os acontecimentos que antecederam o surgimento de mais uma organização política que se propunha lutar para o alcance da independência de Angola.

Fundação e afirmação de um Movimento

O AMANGOLA foi um documento lançado a 11 de Dezembro de 1964, por alguns nacionalistas angolanos que tinham abandonado a União do Povo de Angola (UPA), que mais tarde passou a ser denominado Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA)/Governo da República de Angola no exílio em Kinshasa e principalmente a base militar deste movimento de libertação nacional (FNLA) e se tinham refugiado no Congo-Brazzaville, isto é, mais propriamente em Doulisi, onde beneficiaram do apoio do MPLA e governo desse país africano, na altura liderado por Massamba Debat.

Com o apoio do MPLA, agruparam-se e tornaram públicas as razões pelas quais haviam abandonado a UPA/FNLA/GRAE, mostrando o seu descontentamento relativamente à forma como Holden Roberto estava a dirigir a revolução neste movimento de libertação nacional de Angola.

São várias as fontes que fazem referência ao lançamento deste manifesto, que considero ser de suma importância para o surgimento do “terceiro” movimento de libertação à União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA).

Importa aqui destacar a opinião de alguns nacionalistas angolanos que participaram, de forma directa e indirecta, no lançamento deste documento bem como o parecer de certos autores do mesmo. Pretendo aqui alargar o debate em torno da importância deste Manifesto para a História política de Angola.

João Paulo Guerra, a respeito do lançamento deste documento diz o seguinte: “Jonas Savimbi tinha seguidores e adeptos entre as bases guerrilheiras da UPA, e na sequência do seu afastamento, 50 desses homens, tendo a cabeça o Chefe do Estado Maior do [Exercito de Libertação Nacional de Angola] ELNA Joseph Kalundungu, revoltaram-se em Agosto de 1964, na base de Kinkuzu, posto em fuga os revoltosos procuraram apoio junto de Savimbi, tentando alcançar o Congo-Brazzaville.

Savimbi e alguns dos seus fiéis, entre os quais Joseph Kalundungu, Jacob Inácio e José Liahuca sob escreveram em Brazzaville, em 11 de Dezembro de 1964, um documento intitulado Amigos do Manifesto Angolano (AMANGOLA), condenando as acções ‘antipatrióticas’, ‘divisionistas’, ‘fratricidas’ de Holden Roberto contra o [Movimento Popular de Libertação de Angola] MPLA.”, in Guerra. Savimbi; vida e obra. Bertrand, Lisboa. 2002.pp. 38-39.

A respeito deste assunto, Holden Roberto tinha uma outra opinião que ajuda-nos a compreender as intenções de Jonas Savimbi e dos seus fiéis seguidores: “Em 1964, para meu grande espanto, Savimbi sai e volta para o MPLA. Não houve justificação nenhuma. Disse que a luta não andava, que a luta não estava a andar e que queria acelerar a luta. Aderiu ao MPLA. No MPLA, não sei o que foi que aconteceu: ele queria acelerar a luta. Ele queria ser vice-presidente, o Neto não quis. Saiu e foi formar a UNITA para acelerar a lutar de libertação em Angola”. Holden Roberto (Entrevista a Jaime Drummond e Hélder Barber. Angola; Contributo para História recente de Angola. 1ª. ed., Dos autores, Luanda, 1999, pp.25-26.).

Sobre estas negociações efectuadas entre a direcção do MPLA e Jonas Savimbi, Lúcio Lara afirma: “Um belo dia recebemos uma mensagem dele, uma mensagem que até me parece oral de Kinshasa, nós estávamos em Brazzaville e ele [Savimbi] estava em Kinshasa a dizer, ‘Eu estou muito atrapalhado, aqui há muito tribalismo’, ‘eu e alguns humbundus queremo-nos safar, queremos fugir daqui, o MPLA que ponha à nossa disposição as canoas’.

Nós tínhamos canoas para atravessar o rio [Zaire] e então dissemos que sim senhor. Mandámos as canoas e vieram montes. […], muito mais de uma dezena. Estava já do nosso lado, […], o célebre Dr. Lyauca, […]. Eles atravessaram, e a ideia que nos tinha dado o próprio Savimbi é que eles iam integrar o nosso grupo e então nós mandamos pôr aqui esse grupo em Cabinda. O Savimbi não passou na canoa, sem a gente saber se quer.

Tinha conseguido safar-se de avião para Suíça e da Suíça para Brazzaville. Esteve connosco […] em Dolisi […], a negociar. Ele punha o problema de entrar para o MPLA se nós lhe déssemos o cargo de Chefe das Relações Exteriores, mas você tem que fazer uma rodagem no seio para a gente ver as suas capacidades’.

Ele ‘disse-nos logo que ou era Chefe das Relações Exteriores ou ia-se embora’. E nós dissemos-lhes; ‘há a impressão que você está sempre a denunciar que o GRAE e a UPA estão feitos com a [Central de Inteligência Americana] CIA. Ao menos ponha isso em público e conseguimos convencê-lo”.

“O Savimbi, portanto, fez essa denúncia. Mas, depois fundou aquilo a que ele chamou Amigos do Manifesto Angolano (AMANGOLA) e que não eram mais do que os tais Humbundus que ele tinha mandado e outros Humbundus que haviam em Brazzaville e Ponta Negra.” Lúcio Lara (Em entrevista feita por Drumond e Barber, op.cit.1999, p.48).

O nacionalista angolano, envolvido directamente no lançamento deste manifesto e ex-chefe do Estado Maior do ELNA, recentemente afirmou, como foi recebido pelo presidente Dr. António Agostinho Neto do MPLA em Brazzaville.

“Recebeu-me e falou comigo. Recebeu-me muito bem. E depois disse: ‘Camarada Kalundungu, não devem andar assim receosos porque militaram na FNLA, porque se a FNLA ganhasse também não podia fechar as portas ao MPLA. Porque mesmo se o MPLA ganhar não poderá fechar as portas à FNLA, porque nós todos somos angolanos. Nenhum angolano fecha a porta a outro angolano”.

“Estava presente o camarada Júlio Baião que me acompanhava, e, claro o próprio [do MPLA Dr. António Agostinho Neto]. Éramos três pessoas”.

“Falou só de generalidades. Pareceu-me que já tinha a ideia de que todos aqueles que saiam da UPA/FNLA chegados a Brazzaville não teriam outra saída ou previsão senão entrarem no MPLA”. Joseph Kalundungu (Em entrevista à Jorge Valentim, 26 de Abril de 2005.). Esperança. 1ª. ed., Nzila, Luanda, 2005, pp. 262-263.

Quanto ao encontro com Jonas Savimbi a pois este ter deixado o Cairo, Joseph Kalundungu afirma: “Encontrámo-nos após terem passado três semanas. Explicou-nos porquê que fez a declaração do Cairo. Mais adiante, disse que o mundo estava a criticar-nos dizendo que éramos bandidos e chamando-nos todos os nomes feios”.

“Assim tínhamos de fazer algo que mostrasse o nosso projecto. Tivemos de fazer o AMANGOLA – Amigos do Manifesto Angolano. Aí, explicámos a nossa saída da FNLA, porque o senhor Holden não era competente para dirigir a revolução”.

“O MPLA tinha aceite a feitura do manifesto AMANGOLA, a ponto de deixar que fosse feito no seu escritório do comité. Deram-nos papéis. Quando acabámos o senhor Lúcio Lara deu uma vista de olho, o Dr. Agostinho Neto também leu o manifesto”.

“Quando os dois conversavam, fazendo-se perguntas, o senhor Lara disse que ‘pessoas que escrevem desta maneira tem a intenção de fundar um Movimento’, mas o Dr. Agostinho Neto disse que ‘não era possível porque já existiam duas forças, uma terceira força não poderia ter existência’. Joseph Kalundungu em entrevista a Jorge Valentim. Ibid. 2005,p. 263.

Penso poder afirmar que o AMANGOLA é um manifesto produzido por Jonas Savimbi e outros nacionalistas angolanos dissidentes da UPA/FNLA/GRAE, resultado das exigências feitas pela direcção do MPLA a Jonas Savimbi para integrar este movimento de libertação nacional de Angola.

Porque Savimbi, por esta altura em Brazzaville, estava a negociar a sua inclusão no seio do MPLA, assim como outros nacionalistas que consigo tinham abandonado à UPA/FNLA/GRAE.

Por sua vez o MPLA, pretendia aproveitar-se de Savimbi para fazer desacreditar e desmoralizar ainda mais o líder da UPA/FNLA/GRAE, a nível internacional e principalmente do continente africano, uma vez que, por esta altura (1964), a UPA/FNLA/GRAE era o movimento que contava com o apoio da maioria dos países que constituíam a O.U.A.

Sendo assim, é possível que o AMANGOLA, numa primeira fase tenha funcionado como um documento produzido para desmoralizar a luta armada de libertação nacional levada a cabo pela UPA/FNLA/GRAE.

“Lembre-se que a FNLA era o primeiro partido reconhecido pela [Organização de Unidade Africana] O.U.A., partido reconhecido como aquele que conduzia uma luta de libertação séria e em 1964 quando o Dr. Savimbi se retira da FNLA, a partir dali, quer as nações que ajudavam a FNLA naquela altura, quer as organizações internacionais como a própria O.U.A. pôs o empenho da FNLA na luta de libertação nacional em dúvida e criaram-se muitos problemas mesmo a aproximação que seria possível no nosso entender entre o MPLA e a FNLA se o Dr. Savimbi não tivesse surgido, foi já muito difícil”. Lucas Ngonda (Debate Radiofónico., LAC, 2002,p.25.).

Posteriormente, Jonas Savimbi não conseguindo entrar em acordo com a direcção do MPLA, decidiu levar a sua luta, sendo então o manifesto AMANGOLA como o projecto precursor do seu futuro movimento de libertação, este só viria a ser um facto consumado apenas dois anos depois.

De acordo com Lucas Ngonda, nacionalista angolano afecto à FNLA, o Dr. Savimbi dentro desta organização, por essa altura, dava sempre a entender nas suas intervenções: “[…] de que os dirigentes políticos não deviam ficar só no exterior, mas conduzir a luta no interior do país e foi sempre esta a tónica que ele conduziu e portanto, […] Era uma ideia fixa que tinha neste aspecto”. Lucas Ngonda (Debate Radiofónico., LAC,1ª. ed., Luanda, Nzila, 2002, p.41.).

Estas ideias ganham forma numa primeira fase com o lançamento do Manifesto AMANGOLA. Como se pode notar na afirmação de um outro destacado nacionalista angolano pertencente ao MPLA.

“Pouco antes da abertura da Frente Leste fundou-se a UNITA, em Março de 1966. Savimbi começou por lançar um manifesto a que chamou Amigos do Manifesto Angolano. Em seguida foi para a Tanzânia, a Zâmbia e o Katanga onde mobilizou gente fundando então a UNITA, que só mais tarde se tornou conhecida por ter atacado praticamente sem armas, a 25 de Dezembro de 1966, a povoação de Teixeira de Sousa, hoje Luau.” Iko Carreira (Memórias, 1ª.ed., Nzila, Luanda, 2005,p.91.).

Quero aqui destacar a importância do estudo e divulgação da história política de Angola, para acautelarmos anacronismos ou prováveis deturpações resultantes da ausência parcial ou total de conhecimentos de nós mesmos, como povo e como nação. Favorecendo deste modo a elevação da nossa auto-estima e do patriotismo.