Luanda - Os Procuradores da PGR formularam acusações contra Domingos da Cruz com base de Crimes contra a Segurança de Estado (Lei n° 7/78)" que foi revogada em 2010. Na sequência desta gravíssima contradição "legal"  o juiz Salomão Filipe "mandou" arquivar no dia 7 de Setembro do corrente ano o processo número 6716-09 porque a acusação de "instigação à desobediência colectiva" não tinha punho legal para enquadrar o artigo de opinião de Domingos da Cruz publicado em 2009 no Jornal Folha 8 com o título “Quando a guerra é necessária e urgente”.

Fonte: Club-k.net

"É uma pena afirmar isto, mas sinto-me mais seguro no Brasil do que em Angola"

"Não há dúvidas que a decisão favorável a mim é fruto da pressão da sociedade civil jovem e da média nacional e internacional", argumentou Domingos da Cruz numa curtíssima conversa que transcrevemos a seguir:

Club-k - A Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado (Lei n° 7/78) foi revogada em 2010. Mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) tentou enquadrar a acusação de "instigação à desobediência colectiva" numa lei que não consta na legislação em vigor. O que esteve na realidade nos bastidores/motivação desta acusação?
Domingos da Cruz - A razão por detrás da acusação é bastante clara: é política. Pelo que se pode afirmar que o processo é político-jurídico-ideológico do poder hegemónico. O Poder quer calar-me!

Vários jornalistas, activistas e singulares em Angola, têm processos na GPR, de certa forma relacionado a instigação à desobediência colectiva. Analistas adiantam que não será novidade se o governo voltar a enquadrar a (Lei n° 7/78) para ter punho legal nas referidas acusações. Que leitura faz desta hipótese?
Enquanto este grupo dominante manter-se no poder toda barbárie é possível. Deste regime não espero o bem desinteressado, por isso, mais do que uma hipótese sem brecha de que se realize, há mais possibilidades de reenquadrarem esta selvageria jurídico-política para a continuidade dos seus propósitos: roubar, matar e destruir para manter o poder.

A decisão final do juiz Salomão Filipe em arquivar o caso "improcedente" foi com bases jurídicas, políticas ou a pressão feita pelas múltiplas organizações sem fins lucrativos a nível nacional e internacional?
( …)  Não há dúvidas que a decisão favorável a mim é fruto da pressão da sociedade civil jovem e da mídia nacional e internacional.

A audiência foi uma sessão forçada. Tal audiência aconteceu porque afirmei publicamente que se não encerrassem o caso eu não voltaria mais no tribunal. (Tal posição foi partilhada pelo meu advogado). A minha posição configurou um xeque-mate para o poder político que encomendou a acusação. Explico: xeque-mate porque, sendo a acusação baseada numa lei revogada, não havia crime. Estávamos diante de uma acusação ancorada sobre o nada, assente no vazio. Assim, é suposto que não seriam capazes de julgar-me à revelia.  Caso julgassem à revelia, condenariam a que pena? Não restava outra hipótese racional, se não realizar a audiência e encerrar o romance político-jurídico! Apesar de que à luz da racionalidade jurídica, a única solução passaria pelo arquivamento do processo, mas à luz da lógica ilógica do autoritarismo poderiam condenar-me.  Estes bárbaros são capazes de tudo! 
 
O caso levou quase 3 anos. E, acredito que quer mental como fisicamente o terá afectado. Ainda assim, acha que será benéfico em pensar na segunda edição do livro que esteve na tónica deste processo: “Quando a guerra é necessária e urgente” ou teremos um Domingos da Cruz  (…) mais pacifista nas próximas obras literárias?
Eu sou um pacifista minimalista. Certamente o livro será reeditado e continuarei a escrever segundo os valores nos quais acredito. Sou um intelectual da esquerda democrática, por isso, continuarei histórico-crítico, sempre que as circunstâncias solicitarem e exigirem. Além do mais, não consigo entender uma pessoa que não seja crítico, no sentido de pensador que propõe novos caminhos. Para mim, a crítica tem um carácter antropológico e ontológico em potência, só que deve ser trabalhada por meio de uma educação libertadora na família, na escola e noutras esferas epistémicas.

Acho muito interessante e oportuna esta questão, porque poderei tentar esclarecer a concepção de guerra sobre a qual o livro e o artigo adoptaram. Tal esclarecimento já fiz algumas vezes na rádio Despertar. Como sabe a palavra guerra é polissémica. Tal polissemia permite-nos usá-la com bastante elasticidade. Antes da revolução na África do norte, era exactamente sobre estas manifestações de massas em dimensão vulcânica sobre a qual correspondem a guerra que o artigo e mais tarde o livro defendem. Lembro-me de ter afirmado que tal guerra deverá ser feita pelo povo em legítima defesa. Não pode ser uma guerra protagonizada por uma facção militar para que não haja bodes expiatórios. Como todos sabemos, só o poder hegemónico compra e vende armas, por isso, só este grupo pode fazer guerra bélica. As armas que o povo tem são: a fragilidade dos seus corpos humanos, o serem detentores do poder que foi sequestrado pela fraude eleitoral e a razão para lutar, uma vez que o autoritarismo roubou seus direitos, em definitiva, a sua dignidade.  
 
Como última questão, sente-se mas seguro em Angola ou ou no Brasil país que tem visitado regularmente?
É uma pena afirmar isto, mas sinto-me mais seguro no Brasil do que em Angola. Não posso deixar de afirmar também que o Brasil é um país profundamente racista, mas o racismo não é promovido pelo Estado. Esta é a única ameaça que sinto quando estou na terra de Lula.