Luanda - “O preto nunca pode ter razão, quanto mais reclamar direitos”; ”o preto é sempre um inimigo e é potencialmente, um alvo à abater. Um alvo à abater tanto mais rápido e com maior ira e furor, sem pena nem dó, quanto mais ele julgar-se sujeito de direitos como um de nós (português de gema) ” “Quem diria que um dos povos cuja história e tradição de imigração é das maiores e mais significativas do mundo se comportaria dessa forma!” Podem dizer-me, por favor, quantos dos filhos desse povo estarão a trabalhar em Angola nesse preciso momento?


Fonte: Club-k.net

Andando e caminhando pelas ruas de Luanda, contemplando a paisagem, de repente algo atravessou-me cortando-me a vista. Desfeita, a minha visão caiu sobre um grupo de jovens encostados num muro de meia altura. Nas mãos de cada um, uma garrafinha de vidro cujo rótulo deixa a pensar quantos paralelos e mares terá o seu conteúdo percorrido até chegar aquelas vigorosas e desocupadas mãos. Entre si trocam conversa mas nada de esperançoso se pode ali divisar. Tento recompor e controlar o meu olhar mas ele foge para outro lado, e permanece profundamente perturbado o meu espírito; de saber que o frenético gesto de levar à boca o gargalo daquela garrafa queima-lhes o tempo, as horas e as energias arrebatando-lhes do horizonte um futuro digno das ilusões que a riqueza da terra promete oferecer. Alguns passos adiante, olho, vejo outros jovens “deambulando” pela rua. Em longa passada, passam o seu pregão. Nas mãos, levam coisas e coisas. Forçados pelas necessidades, carregam no espírito, uma grande vontade de convencer quem passa que lhes possa deixar alguns míseros kwanzas em troca de um daqueles objetos. Exaustos, muitas vezes desejosos de repousarem às pernas e de navegarem por águas tranquilas em busca de descanso e conforto para as suas almas, quantas vezes a sorte e o destino viram-lhes às costas. Mas essa vocação de cortarem a cidade à pé, passando o seu pregão de uma ponta a outra, sete dias da semana, é partilhada e vivida com a mamã que também anda algures - quiçá com um Bebé nas costas. O sol abrasador, é o companheiro da jornada, e dele, desejando, quem escapará? Desde o nascente ao ocaso não se esconde nem retira. Sacrificada é aquela gente por aqueles outrora seus irmãos, agora seus senhores. Sim. Seus senhores porque fazem do povo o que lhes apraz e desviam os ouvidos dos gemidos dos seus irmãos. Os que exalçam a sua voz e clamam justiça são silenciados com os ferrolhos da mais crapulosa imaginação. Sofredor é esse povo! Por isso, de uma coisa me não posso esquecer: É que enquanto caminho, e levanto o meu pé, tenho de desafiar a lei da gravidade retendo-o no ar para garantir que não retiro a refeição de ninguém. Há por ali panos e lonas estendidas para oferecer a quem passa qualquer coisa que dê um tostão para enganar a lombriga. A minha caminhada não é longa, todavia, nos lugares por onde passo, em muitos, cada metro quadrado tem de ser repartido entre o transeunte, o vendedor e as suas “bugigangas”. E no entanto, eu e eles olhamos à nossa volta, e no horizonte… mais uma grua! O que será? Pensaram em nós e estão a construir qualquer coisa para nós!? Vamos ter uma escola como aquelas que mostram na televisão!? Vamos ter um novo hospital, ou um centro médico limpo com médicos e remédios…será!? Ou é nesse prédio que vamos trabalhar!?


PASSEANDO PELO MESMO LUGAR:

Impotente, o génio existencial obrigando-me, lá vou eu. As rotinas arrebatam-me, e logo me encontro nos lugares por onde já tinha passado. Vejo coisas familiares e observo novos padrões. São as mesmas, as pessoas que preenchem a paisagem com as suas atividades. Dilaceradas pela pobreza num velho mundo novo, o que é velho e antigo lhes pertence mas o novo e recente pertencem à outros. Agora, aquele lugar é belo e aprazível; aquele lugar oferece coisas novas e agradáveis aos olhos, por isso, num instante, perplexo fico e nada compreendo. Como que lançado de uma falésia, de repente descubro-me na obscenidade da escuridão de um vale, qual garganta, sem compaixão nem pena quer engolir-me sem que nada de mim reste. Então pergunto-me: Como pode um lugar mudar se nas pessoas e por elas nada mudou? Não foram os seus irmãos que quiseram transformar e trazer um ar novo por estas paragens? Cambaleando e caindo, em trambolhões prossigo, porém, antes de despenhar no fundo do vale…uau! Param as cambalhotas e logo percebo uma coisa. Aquelas pessoas que por ali andam não mudaram com o lugar porque foram rejeitadas e excluídas pelos seus irmãos. Elas, decerto quereriam mudar a sua vida juntamente com a vida daquele lugar; Quereriam fazer parte dele e nele confundir-se. Porém, aquele lugar foi preparado para outros cuja planta do pé nunca conhecera. Marginalizados e excluídos ainda assim eles lá permanecem porque quem a isso deu lugar não se envergonha de (à luz do sol) tê-los e tratar-lhes como seus vizinhos afastados e desconhecidos.

FRUSTRADOS OU EXCLUIDOS?

Porventura existirão múltiplas formas de distinguir os conceitos de frustração e de exclusão. Nesse caso particular, a melhor maneira que se nos oferece será certamente a de saber entre ambos os conceitos, qual deles poderá gerar tipicamente, uma situação que leva alguém a vender todos os dias na rua ou a entregar-se a uma vida “boémia”.


Naquelas circunstâncias vender na rua negociando artigos, bens ou objetos próprios será no mínimo uma atitude de sobrevivência. Quem tem de lutar pela sobrevivência são os marginalizados e os esquecidos desse mundo. É difícil conceber que alguém vá para a rua vender por causa de qualquer frustração. A não ser que vá vender objetos alheios para vingar-se do proprietário, ou algo do género que lhe tenha causado a frustração. A frustração poderá levar alguém a entregar-se ao álcool mas, ela (a frustração), tem uma génese geralmente metafísica. Talvez um abalo mental ou psicológico ou uma pequena perturbação emocional. Logo, sem considerar a autoexclusão dificilmente se conceberá que a exclusão possa vir da frustração. Aliás, a frustração é de um modo geral um estado psíquico-emocional, sendo por sua vez a exclusão uma condição de afastamento direta ou indiretamente imposto, de modo a privar alguém do seu direito ou da sua integração face a determinada circunstância. O contrário, porém, é pacífico e colhe consenso sendo um dado adquirido. Ou seja; A condição de excluído pode desencadear a frustração. Logo, as considerações do presidente Eduardo dos Santos - senhor dos angolanos - pois tem sido essa a sua postura perante o povo, ao referir-se aos jovens manifestantes como frustrados, mais do que falso e inconveniente é uma ofensa grosseira e profundamente infame contra o povo angolano. A verdade é que os jovens angolanos não são indivíduos nem pessoas frustradas, mas sim, e essa é que é a verdade das verdades, como todas gerações de angolanos também os jovens são pessoas excluídas e marginalizadas pelo tipo de sociedade que ele (Eduardo dos Santos e o MPLA), há 38 anos vem promovendo. Se se trata, de facto, de indivíduos frustrados, então porque não deixá-los manifestarem-se à vontade para que todos possamos convergir com V. Exa. nessa sua visão? Não é visível nem se pode vislumbrar nas atuais circunstâncias da sociedade angolana, qualquer estado de demência geral da nação ou do povo que justifique que V. Exa. Sr. Presidente (senhor dos angolanos), tenha de mandar sistematicamente, as forças de “segurança” fazerem tudo e mais alguma coisa a fim de evitarem que a população dê ouvidos a jovens frustrados. Ou será que o senhor vê Angola como um país de inimputáveis carecidos de tamanha proteção…!? 


EXCLUIDOS EM ANGOLA E EM PORTUGAL:

O Problema com que a maioria dos angolanos se debate sendo transversal a todas gerações, é na realidade, o drama da exclusão. A exclusão é em termos contemporâneos o maior traço identitário da nação angolana. Esse fenómeno sociopolítico e económico tem acompanhado e marcado indelevelmente, a história do povo angolano desde há quinhentos anos atrás. Senhor presidente! Convidamos-lhe a reconhecer à título de exemplo, que nada haverá de mais grave do que construir uma sociedade dita próspera, que quase de forma automática, entre outras coisas e bens, rejeita oferecer aos seus cidadãos uma educação condigna, um sistema de saúde funcional, água potável, saneamento básico, energia elétrica, transportes, habitação condigna e um emprego dignificante. Como que forasteiros e expatriados na sua própria terra, os angolanos enfrentam graves dificuldades para penetrarem e se manterem no mercado de trabalho.


Recentemente, o afoito senhor deles (Presidente Eduardo dos Santos) convidou de uma maneira muito especial os portugueses a irem trabalhar para a função pública em Angola. É sabido que são os portugueses quem oferecem ao regime angolano quase todo tipo de assessoria técnica dominando, até no seio do aparelho da justiça que é um distinto pilar da soberania de qualquer estado. No dia-a-dia, porém, trabalhando lado a lado com o angolano que enverga as mesmas capacidades, competências e qualificações (sendo que muitos desses angolanos se formaram nas academias portuguesas, em Portugal), o português ganha injustificadamente, três a cinco vezes mais do que o próprio filho da terra. Resulta daí potencial e, inevitavelmente que, o português que trabalha em Angola – por inerências dos rendimentos que aufere do serviço prestado ao estado angolano -, reúne maior capacidade em termos de recursos económicos para que dentro ou fora de Angola, possa oferecer uma educação de maior gabarito aos seus filhos face aos colegas angolanos. Esta situação, tanto quanto sabemos e podemos prever, se agudizará tanto mais quantos mais portugueses adquirirem a nacionalidade angolana, o que é certamente uma inevitabilidade. Ou seja, muitos desses portugueses e os seus filhos virão a naturalizar-se angolanos.


É óbvio que por esse andar da carruagem está mais do que gravado em tábuas de pedra, que, no futuro próximo e à médio prazo, garantida e seguramente, nós angolanos continuaremos a ser serviçais dos portugueses dentro da nossa própria terra, pois eles serão angolanos de pleno direito apesar de, juntamente com os seus filhos, terem o coração em Portugal. Coração em Portugal- pátria mãe -, pés em Angola – pátria do pão e do enriquecimento fácil. Se nisto houver qualquer dúvida então, desde agora, e já, pergunte-se quem há-de oferecer melhores condições intelectualmente falando, para suceder ou substituir os portugueses nos cargos e nas funções que ocupam ou desempenham atualmente em setores e pontos chaves da vida da sociedade angolana tal como ela se apresenta hoje? Quem nos pode garantir que depois deles, não serão os filhos deles a ocupar os mesmos postos com as mesmas regalias e privilégios? Para que essa ameaça não venha a concretizar-se, quando é que devemos-mos lançar à luta e ao combate? “O futuro está sempre mais perto do que longe” - disse o sábio desconhecido poeta. “O futuro faz-se hoje. Não se pode impassivelmente, esperar pelo amanhã porquanto já lá estaremos e o que for, – irremediavelmente será”. Em Portugal nunca um angolano viu-se afortunado com tais privilégios, nem sequer se coloca essa hipótese. Pelo contrário, a exemplo disso pergunte-se a uns quantos angolanos anónimos que por cá andam entre os quais se encontra o Sr. Tomé. O Sr. Tomé que alegadamente, trabalhava numa empresa localizada na zona da Expo – em Lisboa -, há dois anos foi posto no olho da rua. Isto aconteceu alegadamente, só porque ele (Sr. Tomé), cansado de sofrer tantas injustiças e injúrias e de ouvir declararem-lhe, vezes sem conta, a cor da sua pele da qual muito se orgulha -, a dada altura o Sr. Tomé resolveu confrontar as hierarquias da empresa com o problema da violação sistemática dos seus direitos nomeadamente, o direito a ter um salário de acordo com a sua categoria e qualificações profissionais e o direito à formação como todos outros colegas beneficiavam. Elementos menos qualificados, portanto, de categorias inferiores à dele, auferiam, alegadamente, salários cujo valor era quase o dobro do salário auferido por ele.


Inclusivamente, a senhora da bilheteira – vendedora de bilhetes, ganhava, alegadamente, acima do valor auferido pelo senhor Tomé que exercia funções de técnico de manutenção, de eletricista e manobrador mecânico. A partir de então, o seu local de trabalho foi alegadamente, transformado num teatro de hostilidades a sua pessoa onde o desassossego tomou conta do Sr. Tomé. A Chefia estando alegadamente, determinada nesse seu desiderato, manteve-se constante na sua postura hostil ao Sr. Tomé (incitando, inclusivamente pessoas contra ele) até que um dia o notificou da instauração de um processo disciplinar o qual culminou em despedimento por justa causa no mesmo dia da sua instauração. Ao que parece, tratou-se alegadamente, de um processo disciplinar sumaríssimo que é algo que não nos parece legal em Portugal. Tendo ao abrigo da lei requerido proteção jurídica ao estado com vista a litigância em tribunal, o Sr. Tomé teve alegadamente, de debater-se com situações estranhas e anómalas que ameaçavam o deferimento do seu pedido. Não desistindo, com grande esforço e diligência ultrapassou alegadamente, os obstáculos em causa. Porém, a quem alegadamente competia reclamar e demonstrar em tribunal a sua inocência (do Sr. Tomé) e o seu urdido despedimento, não o fez. No momento em que a cópia da sentença veio parar-lhe à mão (do Sr. Tomé), o Sr. Tomé verificou alegadamente, que a sua advogada omitiu na Petição Inicial uma quantidade substancial de factos relevantes e essenciais à uma esclarecida e justa decisão da causa; inclusivamente, a sua advogada foi, alegadamente, omissa na prova documental reputada fundamental e essencial, sendo que alegadamente, a partir desse momento o senhor Tomé percebeu porque é que perdera a ação na primeira instância do tribunal administrativo. Essa saga vai ainda longe do fim e os seus contornos são verdadeiramente medonhos. A Ordem dos Advogados (Conselho Distrital de Lisboa) nomeou-lhe alegadamente, mediante reclamação e pedido de substituição de advogado (à requerimento do Sr. Tomé), outro advogado para interpor recurso para o Tribunal da Relação, porém, os sinais que vão surgindo no horizonte são alegadamente, sinais extremamente desesperantes.


O Sr. Tomé garantiu-me que – tal como eu penso fazer – oportunamente, trará ao conhecimento do público a prova do que foi aqui dito relativamente ao alcance e a profundidade da descriminação e perseguição (assédio) de que tem sido vítima aqui em Portugal. Uma única esperança lhe resta: Que se repita o julgamento (e que se cumpra a lei para assegurar a sua finalidade - de realizar a justiça), pois alegadamente, a gravação do julgamento só é percetível no que toca os depoimento da parte contrária, porém, em tudo que respeita os depoimentos da parte do Sr. Tomé, nada se consegue ouvir senão ruídos ensurdecedores. Ou seja, reparem que no meu caso particular enquanto funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, a maior e a mais importante autarquia de Portugal, há já dez anos, nunca a minha chefe autorizou-me a frequentar uma formação no âmbito do Programa Anual de Formação (PAF) da Câmara Municipal de Lisboa. Contudo, do meu ponto de vista mais grave será o facto de, nos últimos meses, ter-me apercebido e ter a firme convicção, de que esse gesto da minha chefe goza de um grande apoio e de uma enorme simpatia no seio de muitos titulares de importantes órgãos (da hierarquia administrativa e política) daquela autarquia. O que a minha chefe tem de vantagem comparativa face à mim, nesse caso particular, não é – nem pouco mais ou menos – alguma influência poderosa junto daquelas pessoas.


O que ela tem na realidade e quanto baste para infernizar-me a vida é tão-somente a solidariedade rácica. Está claro que o lema ali é “o preto nunca pode ter razão, quanto mais reclamar direitos”; ”o preto é sempre um inimigo e é potencialmente, um alvo à abater. Um alvo à abater tanto mais rápido e com maior furor, sem pena nem dó, quanto mais ele julgar-se sujeito de direitos como um de nós”. Sendo caso disso, se alguém tiver a mínima dúvida é uma questão de consultar o processo nº43/2012 PDI e, tendo competência (aproveito o ensejo para lançar aqui o repto), mandar instaurar um processo de inquérito para o qual ofereço a minha total colaboração, o que porventura seria excessivo para se verificar que falo verdade e apenas verdade. Essa é sem dúvida uma arma de exclusão contra mim usada com a finalidade de – contornar a ordem natural das coisas -, de modo a que nem de perto nem de longe possa reunir condições de competir com os colegas brancos (portugueses de gema e de raça – como eles dizem) em igualdades de circunstâncias e de oportunidade. É uma forma lenta, insidiosa e dissimulada de arrumar e de apagar o preto afastando-o do seu (deles) galho o qual – por força de complexos evidentes - não desejam partilhar com estranhos muito menos com pretos angolanos. Quem diria que um dos povos cuja história e tradição de imigração é das maiores e mais significativas do mundo, se comportaria dessa forma! “Cada macaco no seu galho” - dizem eles reiteradas vezes no mesmo dia. A continuarmos assim o espetro do futuro é extremamente sombrio para o povo angolano. Ou seja, como se não bastasse a desvantagem face a posteridade da nomenclatura angolana, também os filhos dos portugueses ocuparão e tirar-nos-ão o emprego porque representarão (em teoria) a classe dos angolanos mais qualificados e mais capacitados. Esse é apenas um breve recorte do retrato das relações assimétricas entre portugueses e angolanos.

Para reflexão:

Quereremos nós angolanos de nascimento, de raiz, tronco e frutos, de pleno direito (autóctones), em plé no século 21 sujeitar-nos a um temerário, abjeto, pérfido e excessivamente maléfico projeto pós secular de colonização, pelo mesmo colonizador do passado remoto e recente? Se a resposta for negativa exigirá ação certamente!


Aos caros leitores e aos angolanos em especial, o meu até breve!