Luanda - A triste notícia correu célere como, aliás, correm todas as notícias relacionadas com os infortúnios: morreu vítima de doença, na terça-feira, 08, em Lisboa, Carlos Morgado, antigo médico pessoal de Jonas Savimbi.

Fonte: SA

De seu nome completo Carlos Jorge Viegas Morgado faleceu aos 59 anos. Consta que a sua morte terá sido originada por um cancro que o corroía, tendo em meados deste ano viajado para a capital portuguesa em busca de tratamento médico e aconchego familiar. Nos últimos anos, ele levava praticamente uma vida discreta, dividida entre uma apagada militância na Convergência Ampla de Salvação de Angola- Coligação Eleitoral (CASA-CE), o partido de Abel Chivukuvuku, e a docência universitária na UMA (Universidade Metodista de Angola).


Uma das suas últimas aparições públicas registou-se há mais de dois anos, aquando da constituição desta força política, onde viria a exercer as funções de secretário para a Administração, Finanças e Património.


Ironia da história: os destinos políticos de Carlos Morgado e Abel Chivukuvuku começaram por cruzar-se na UNITA, na qual ambos militavam desde a juventude, mas que viriam a abandonar anos mais tarde por desavenças com o actual líder do partido Isaías Samakuva.


Morgado, um médico formado na cidade portuguesa do Porto, fazia parte da chamada «tribo branca» da UNITA, sendo um dos poucos indivíduos de tez «clara» a abraçar o Projecto do Mungai. Mas essa condição não impediu que Jonas Savimbi confiasse nele a sua saúde pessoal. Durante vários anos foi um dos homens de maior confiança do líder histórico do Galo Negro, até à sua morte em Fevereiro de 2002. Como resultado das suas relações de cumplicidade com o ex-líder da rebelião angolana, Morgado foi alvo de uma série de acusações, entretanto nunca provadas, de ter procedido ao castramento de elementos afectos à guarda pessoal de Jonas Savimbi, de forma a torná-los sexualmente inúteis.


As razões que levaram Morgado a afeiçoar-se ao líder do Galo Negro, ao ponto de submeter-se às condições difíceis que se vivia nas matas inóspitas do antigo quartel-general da Jamba, permanecem no segredo dos deuses e poderão mesmo nunca ser desvendadas. Durante as escaramuças, que se seguiram as conturbadas eleições legislativas e presidenciais de 1992, Morgado chegou a ser preso em Luanda, à semelhança de outros membros da sua antiga formação política. Sobreviveu à cadeia e manteve-se sempre fiel a Jonas Savimbi.

Em rota de colisão com Samakuva

Quando, no princípio de 2005, Carlos Morgado bateu com a porta pedindo a sua demissão da direcção da UNITA ninguém previa que um dia ele viesse a juntar-se a Abel Chivukuvuku para formar a actual CASA-CE.

Mas, o seu gesto era um sinal de desagrado com a forma como Isaías Samakuva vinha a conduzir o barco da UNITA. Naquela altura, o Semanário Angolense, numa peça subscrita pelo jornalista Severino Carlos, dizia que Morgado teria enveredado por uma espécie de «resistência passiva», já que deixara praticamente de participar nas grandes reuniões dos órgãos de cúpula do Galo Negro. Em 16 de Fevereiro daquele ano, ou seja, três anos após a morte de Savimbi, Morgado fizera chegar uma carta pessoal a Isaías Samakuva, na qual dizia as suas razões ao mesmo tempo que colocava o seu lugar à disposição do líder do Galo Negro.

Deixando transparecer uma certa fidelidade canina a Jonas Savimbi, ele falava de uma UNITA transvertida sob liderança de Samakuva, que, segundo Morgado, estava muito afastada dos princípios e ideais do Mungai.

Na missiva, criticava factos tais como a intriga cultivada pela «entourage» de Samakuva, o desprezo aos quadros mais competentes e dinâmicos, e a negligência em relação à situação dos antigos combatentes, desmobilizados, mutilados e viúvas do Galo Negro. Ele também considerava que a UNITA estava a alienar o papel de líder da oposição, e que as estruturas do partido, além de não serem respeitadas, são preenchidas com base em critérios como o oportunismo e o amiguismo. Na óptica do articulista, a ruptura com Samakuva era até certo ponto previsível, já que Morgado tinha sido um aliado circunstancial do actual líder da Unita. À altura da morte de Jonas Savimbi, Morgado, seu antigo médico-pessoal, encontrava-se em Lisboa, sendo o verdadeiro «patrão» das estruturas semi-clandestinas do Galo Negro em terras lusas, embora esse lugar podia ser exercido por outras figuras que lá se encontravam há mais tempo.

Dizia-se que ao permanecer com Samakuva, fê-lo de certo modo contrariado. Apesar de médico, Morgado sempre teve mais inclinação para a política activa, facto testemunhado no passado pelas suas intervenções, discursos e declarações tonitruantes que agastaram o MPLA em Luanda. Mas Samakuva não lhe dera esse espaço político, acantonando-o no posto de secretário para a Saúde e Ambiente no Comité Permanente. Não era lá muito bem o que Morgado pretendia. Em consequência, o antigo médico pessoal de Savimbi foi murchando, murchando, murchando. Murchou ainda mais quando viu que nem aquilo que podia ser um lenitivo para a sua lenta hemorragia (o posto de ministro da Saúde no GURN) lhe foi dado – neste caso, não já por culpa de Samakuva, mas por obra de um inimigo ainda mais figadal como é o MPLA.

Em relação a este último assunto, sabe-se que em pelo menos duas ocasiões viu o seu nome chumbado pelo partido governante quando o foi indicado para ocupar a pasta de ministro da Saúde. Em vida, Carlos Morgado terá deixado como sua «marca registada» o facto de os seus discursos comportarem uma série de «ruídos», num português fortemente mesclado com a pronúncia da língua nacional umbundu.