Luanda - O cidadão, que em vida respondeu pelo nome de João António Domingos, 36 anos, não teve sequer tempo de se despedir da sua família nem compreender o que se estava a passar, no calar da noite de Quarta-feira, quando um dos bandidos que invadiram a sua casa decidiu perturbar o seu sono e lhe golpear com uma faca no pescoço.

Fonte: O País
Segundo conta a esposa, Rosária de Jesus, os três bandidos chegaram com a intenção de roubar dinheiro – que a família não tem – e, principalmente, de violar as três jovens, uma vez que todos eles estavam vestidos apenas de boxers (cuecas de homem com o formato de um calção). Mas, “infelizmente, um deles não se controlou e decidiu matar o João, sem mais, nem menos”, disse a condoída esposa.

Enquanto a vítima dava os últimos suspiros, Rosária não pôde fazer nada, porque tinha a pistola apontada à cabeça e, simultaneamente, no quarto das meninas, ouvia choros das duas filhas que estavam a ser violadas sexualmente.

Rosária não parava de dizer que não tinham dinheiro, inclusive, tentou negociar com os gatunos para ver se levassem o televisor e a botija, mas estes responderam-lhe que “não somos gatunos de mobília, nós roubamos dinheiro, se não tiver vamos matar todos e só vai ficar uma pessoa para contar a história”.

Os três indivíduos estavam armados com duas pistolas e uma arma do tipo AKM, além da faca que um deles, que parecia ser o líder do grupo, trazia. Manietaram a mãe, três filhos e dois netos num canto da sala e em seguida ameaçavam matar o filho mais velho e a neta – esta por resistir à violação. “Violaram as duas miúdas, fizeram e desfizeram, só depois é que procuraram saber se eu e o falecido trabalhávamos. Eu lhes disse que sou lavadeira e que a pessoa que mataram era pedreiro. Perguntaram se tínhamos moto, eu lhes disse que não temos. Mesmo assim não paravam de perguntar onde está o dinheiro, senão iriam matar mais”, disse ela, que em seguida deu graças a Deus por estarem todos vivos.

BAIRRO ESQUECIDO, BANDIDOS FOLGADOS

Os meliantes, sem pressa de abandonarem o local, agiram como se estivessem em casa e ninguém iria os deter, uma vez que, além da vizinhança não ter ouvido nada, a esquadra da polícia fica muito distante daquela zona. Deste modo, o assalto que começou às 23 horas, foi até às 2h da manhã, porque os assaltantes tiveram tempo de saborear o funje com kizaka que restou do jantar e tomar um ‘duche’. Enquanto comiam, um deles reclamava o gosto estranho que tinha a comida, segundo nos conta Rosária de Jesus, já que a kizaka foi feita sem óleo, por falta de dinheiro.

Aquele facto fez o trio concluir que acabavam de cometer um erro, pois a família que decidiram assaltar não tinha mesmo dinheiro.

“Comeram, fizeram digestão, tiraram água numa bacia e começaram a banhar no quintal. Ficaram muito tempo. Eu lhes disse que não tenho dinheiro nem mesmo para comprar óleo, aliás, se tivesse não deixaria matar o meu marido e violar as minhas filhas”, disse ela, que depois dos assaltantes abandonarem a casa, gritou por socorro, os vizinhos apareceram e tentaram ligar à polícia, mas não deu certo (o número não chamava).

A nossa interlocutora conta ainda que vive naquele bairro há um ano, nem ela nem os filhos conhecem os assaltantes, mas está em condições de reconhecê-los, uma vez que eles não cobriram o rosto, enquanto estavam em acção. “Este bairro está mal, é muito isolado e há dias mataram um jovem. A Polícia não passa aqui. Você é assaltado e a Polícia nem sequer aparece. Hoje a Polícia apareceu por intermédio do irmão do falecido (que é polícia), senão não viria ninguém”, lamentou ela, mostrando a tristeza no rosto.

“Eles não me aguentaram"

São as palavras da neta mais velha da dona Rosária, que por sinal tem o mesmo nome, que estava acordada quando os meliantes arrombaram a porta. A menina, que mostrou resistência aos violadores, conta que estava a assistir novela e “assim que entraram, a primeira pessoa que lhe apontaram a pistola foi o menino (outro neto) que assistia comigo. Dois deles foram ao quarto e violaram. Eles não me aguentaram, queriam matar-me”, disse. Lembra que nenhum deles citou o nome do outro, tratavam-se todos por “wi ou oiê” e que o jovem que estava com a faca era o mais nervoso. A imagem de sangue a escorrer no chão e do lençol da cama do avô avermelhado não saem da sua cabeça. “Quando o jovem da faca cortou o pulso do avô, não demorou, lhe picou no pescoço. O sangue escorria tipo torneira”, recordou ela.

Rosária de Jesus (neta), diferente de Micaela Constância e Lurdes Filomena (as duas filhas violadas), mostrou-se corajosa e disse que vai ultrapassar este trauma. Já a Micaela não conseguiu sequer falar uma palavra para o nosso jornal e mostrou que precisa de acompanhamento psicológico.

“Não estou a me sentir bem, ainda continuo a sangrar. Eles chegaram no nosso quarto, nos mandaram ficar de pé, pediram os telefones, ameaçaram-nos e começaram a violar-nos. Cada um pegou uma de nós.

É a primeira vez que isto acontece.

Ainda não fomos ao hospital porque a Polícia pediu para esperarmos até às 14 horas, porque vamos depor.

O hospital fica muito distante, fica no Luanda Sul, só vamos lá amanhã (sexta-feira) ”, disse Lurdes Filomena, umas das vítimas de violação.

Para finalizar, importa realçar que o nosso jornal OPAÍS procurou contactar o posto de polícia mais próximo, que se encontra na rua da Paz, mas a comandante disse não ter autorização para se pronunciar, tendo em seguida aconselhado que fossemos pedir autorização ao Comando Provincial de Luanda. João Domingos António, a vítima, acabava que completar 36 anos de idade, um dia antes da sua morte. Deixou cinco filhos e dois netos. O enterro será na cidade do Sumbe, Cuanza-Sul, sua terra natal.