Brasil - O “fenômeno midiático” se torna ainda mais complexo quando analisado à luz dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais, o direito de expressão e de opinião pública. Esse foi o desafio enfrentado por Domingos da Cruz em A Liberdade de Imprensa em Angola: obstáculos e desafios no processo de democratização. Na introdução está assentada a polêmica a ser enfrentada: “A pesquisa orienta-se pela confirmação ou infirmação da seguinte hipótese: a mídia pública angolana é um dos empecilhos para a democratização do espaço público angolano”. O percurso passa pelo conceitual (capítulo I), avança pelo judicialização internacional dos direitos humanos (capítulo II) e se particulariza na “liberdade de expressão e de imprensa em Angola” (capítulo III).

Fonte: Club-k.net

Na busca de uma concepção teórica para a compreensão do que inundou o mundo contemporâneo como democracia liberal, Domingos Cruz vai ao encontro de dois grandes pensadores europeus, um inglês do século XIX e outro italiano do século XX. Pode-se destacar a concepção de democracia liberal concebidas por Norberto Bobbio e John Stuart Mill.


Liberdade de expressão, liberdade de imprensa e democracia foram, de fato, as grandes musas de Norberto Bobbio, um pensador que não media esforços para dialogar com a cultura política do socialismo, especialmente a vertente comunista. Nesse diálogo, aparece uma boa regra para países etnicamente complexos, como Angola e Brasil: “Nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições”. Há também a formulação axiomática bobbiana: “Na democracia liberal a fragmentação de visões de mundo se sobrepõe ao coletivismo”. Depois, o pensamento avança para a assertiva de que o Estado é um mal necessário que deve ser aturado, “o seu fim é a subjugação do Estado à pessoa”.


Norberto Bobbio livre (liberal) ou desacorrentado (social-democrata)?


No extraordinário livro Nem com Marx, nem contra Marx penso que Norberto Bobbio facilita um pouco o caminho conceitual. As ideias de Marx seriam o oposto das que supostamente inspiraram Estados ditatoriais em África. Se Marx foi um pensador libertário e, “até mesmo individualista”, então sua doutrina poderia ser lida como não sendo a “inversão da grande tradição liberal, mas sua única possível realização”. Diante disso, o que se poderia perguntar é se, no “socialismo realizado” em Angola, não teria acontecido o avesso da tese de Bobbio: o primado dos deveres sobre os direitos? Bobbio, do interior de seu grande humanismo era um “bom eurocêntrico”, ele teria dificuldades em perceber uma democracia liberal fora da Europa. Mas Bobbio, que fundamenta a concepção de democracia liberal de Domingos da Cruz, não aceita plenamente a natureza intrínseca de seu próprio liberalismo.
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Mas o novo pode nascer a cada ano que passa. É a essa “gestação nas entranhas do futuro” que se deve observar a proposta de Domingos da Cruz na instigante indagação sobre “o que fazer?” A pesquisa propõe uma pedagogia para liberdade de expressão e de imprensa: “Esta proposta pedagógica guia-se pelos princípios da educação em direitos humanos e incorpora as categorias da democracia liberal. A aplicação do processo de aprendizagem deve ter como sustentáculo base a cultura bantu, a fim de evitar o transplante epistemológico totalmente estranho à realidade angolana”.

* Professor dos Programas de Pós-Graduação em História (PPGH) e Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPDHs) da Universidade Federal da Paraíba (Nordeste/Brasil). Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI/UFPB).