Luanda - O fim da parceria estratégica entre Angola e Portugal tem polarizado (ou polarizou) por esses dias o debate sobre o estado presente, e o que se vislumbra do futuro das relações entre os dois estados. Daí que o especto que tem sido (por muitos) amplamente salientado no debate e na análise do fim da parceria estratégica – em paralelo com o comportamento das elites de ambos os estados -, é dos motivos reais (que pelo menos de um dos lados) animaram tanto a prossecução do compromisso em si quanto as suas dinâmicas.


Fonte: Club-k.net

Vista (a parceria estratégica), por muitos como o principal barómetro de avaliação da tendência que vai marcando as relações entre Angola e Portugal num horizonte à médio e ao longo prazo, a atitude do presidente de Angola caiu como um balde de água fria. Não deixou dúvidas quanto a remota possibilidade de o projeto poder vingar (pelo menos) na vigência do seu magistério presidencial e do regime político que dirige e controla. É pouco provável senão mesmo improvável, que com Eduardo dos Santos se possa tocar para frente e conseguir um projeto dessa índole, sendo que tal, no limite, requer seriedade e proficuidade. Todavia, sem querer imergir em considerações já largamente representadas, cinjo-me a um aspeto apenas, do qual estou em desacordo com certos comentadores (não angolanos nem residentes em Angola) a propósito do abrupto anúncio do fim da parceria estratégica.


Como angolano e tendo por princípio acreditar na boa fé dos negociadores do acordo creio que, Angolanos e Portugueses, todos, positivamente, alimentaram expetativas em torno daquilo que representou uma tentativa de abertura de um novo ciclo das relações entre os dois povos. Sucedeu que, na realidade, o que esse acordo conseguiu (para além dos dividendos económicos fixados pelas elites de ambos os lados), na realidade, no sinistro esteio do acordo somaram-se, sem dúvidas, vantagens para o povo português. Ninguém venha dizer que a parceria estratégica só favoreceu as elites de Angola e de Portugal pois não é verdade e, se não vejamos:

Foi por certo comentador – por sinal num jornal português - referido que a comunicação social e de alguma maneira a liberdade de imprensa em Portugal, nos últimos tempos, foram “sequestradas” por capitais e interesses do regime angolano. Concordo plenamente com esse ponto de vista. Tive aliás a oportunidade de anteriormente, em outro texto, referir-me sobre esse aspeto. Porém, o pragmatismo e a coerência obrigam-me necessariamente, a perguntar porquê e ou de que forma é que isto veio a acontecer? Desde logo, todos sabemos que a crise económica e financeira que Portugal atravessa há bastante que afetou a capacidade de sobrevivência da maioria da comunicação social portuguesa. Desde então, e isso ninguém desconhece, em consequência, os abutres vindos do sudoeste africano (se convidados pelos portugueses ou aproveitando-se das dificuldades desses, não sabemos exatamente, certo é que houve consentimento em níveis diversos), entraram nos capitais da comunicação social portuguesa resvalando, no que tange os angolanos, num lamentável e degenerado estado de coisas tal como hoje conhecemos.


Por outro lado, é notório que grandes grupos económicos portugueses têm captado avultadas somas de capitais angolanos. A banca portuguesa é outro sector que ultimamente tem beneficiado bastante da entrada de capitais angolanos. Esse fenómeno, recém-chegado ao futebol português de alta competição, permitiu que clubes portugueses, de topo, passassem a admitir a entrada de capitais angolanos nas suas sociedades desportivas. Muitos do lado português, dirão: O que é que isso tem de especial sabendo que as empresas portuguesas investem todos os dias em Angola?


Ora, considerações como tais, certamente para nada acarretarão se não lançarmos um olhar crítico sobre a verdade dos factos, que é esta:

Desde a comunicação social, passando pelos grandes grupos económicos e a banca portuguesa, registou-se, e ainda se regista, um elevado índice de despedimentos fruto da implementação de políticas orientadas para adaptação às novas realidades impostas pela crise económica e financeira que grassa na sociedade portuguesa. Parece tão óbvio e cristalino que, em Portugal, se não fossem os investimentos angolanos (sem citar outros investimentos estrangeiros pouco ou nada apreciados por uma larga franja do povo português), a taxa de desemprego por um lado, e de insolvência das empresas por outro, em Portugal, era hoje bastante mais significativa do que aquilo que hoje conhecemos.


Também não será demais (porque não é uma questão marginal) verter aqui o aspeto que se prende com os lucros da banca portuguesa. Em jeito de desabafo, e fartos de assistir as cenas desse capítulo, muitos portugueses chegam mesmo a ironizar que Eduardo dos Santos e sua filha Isabel dos Santos estão a comprar Portugal. Subjacente a afirmações como tais está frequentemente um problema de miopia intelectual e ou de orgulho cego. Lançando entretanto o nosso olhar para o polo oposto – Angola-, o que não se verifica no sentido Angola Portugal, é uma chegada maciça de imigrantes em termos históricos, sem paralelo (desde a independência de Angola), correndo o eixo no sentido Portugal Angola.


A chegada massiva de imigrantes portugueses a Angola marca e espelha, de facto, as reais vantagens dos portugueses sobre os angolanos no âmbito da defunta parceria estratégica. Note-se que do lado português nunca existiu um convite presidencial para o ingresso de angolanos qualificados na função pública portuguesa. Daí que a mera análise do eixo desse movimento migratório dissipa quaisquer dúvidas e projeta a certeza de a questão não se circunscrever a números. Eduardo dos Santos disse reiteradas vezes, querer em Angola mão-de-obra portuguesa qualificada, porém, o que efetivamente mais recebe são pedreiros e os seus ajudantes, pintores e os seus serventes, carpinteiros e os seus serventes, armadores de ferro e os seus serventes, e assim por diante. Salta a vista o facto de esses tal como os portugueses do sector terciário, por contraponto aos seus colegas angolanos, auferirem verdadeiras fortunas. Em síntese e para ser mais prosaico diria que, Angola no âmbito da (por ora) finada parceria estratégica tem-se assumido como um importante vetor de solucionamentos de problemas prementes da sociedade portuguesa do ponto de vista económico e social. Políticos e figuras de proa da sociedade lusa têm reconhecido essa verdade publicamente. Portanto, a verdadeira resposta a questão de saber se tem havido vantagens para os povos (angolano e português) decorrentes da famigerada parceria é; sim.


Mas essas vantagens, desproporcionais, pendem claramente para o lado do povo português. Ou seja, os investimentos angolanos em Portugal têm, de facto, na sua medida própria, oferecido um importante contributo fomentando e protegendo o emprego em Portugal; Da mesma forma esses investimentos (lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais) têm suportado e preservado a economia e a sociedade portuguesa de um modo geral, de perigos potenciais à espreita. Sabe-se que tais capitais substituíram-se a muitos dos que deixou-se de conseguir nas fontes tradicionais. Acresce e, é relevante, o facto de as probabilidades de esses dinheiros voltarem para o povo angolano serem extremamente diminutas; Fica aqui o registo de mais uma vantagem potencial do lado português. Do lado oposto, o que se pode verificar é que os investimentos portugueses em Angola funcionado numa lógica de complementaridade com os investimentos angolanos em Portugal entre outras coisas, tendem a resolver dentro do território angolano problemas dos portugueses que o estado português, no contexto atual, simplesmente, não é capaz resolver dentro das suas fronteiras. Portanto, ninguém venha dizer aos angolanos que os efeitos nefastos do fim da parceria estratégica Angola Portugal se circunscrevem aos interesses das elites, e só a esses lesará.


Aliás, antes que isso acontecesse, nunca houve tantas reações do lado português tendentes a induzir a ideia de que ambos os povos estariam, na prática, arredados dos benefícios potenciais do acordo. Isto começa-se a dizer agora em jeito de defesa e orgulho patriótico português, e esfumar-se-á no próprio dia em que Eduardo dos Santos fizer aquilo que é exímio a fazer: Infletir o seu caminho por motivos puramente egoístas e desleais. Por fim, mais uma questão: Quem serão então os grandes desapontados com o fim da dita parceria estratégica? Decerto que são aqueles (as elites de ambos lados) e o povo que dela muito tem aproveitado – o povo português.

 

Dai o registo de virem de Portugal certos comentários altamente subtis mas indisfarçáveis dado a sua gigantesca carga emocional. Com tantos interesses em jogo, – menos os do povo angolano – arrisco-me a dizer com pouca probabilidade de falhar, que o estado atual das relações entre Angola e Portugal não passa de um apagão de pouca dura.


Aos caros leitores e aos angolanos em especial, um até breve!