CARTA DE MONTE ALEGRE

Brasil - Nós, ativistas de Direitos Humanos africanos(as), afrodescendentes, indígenas, do movimento de mulheres, feminista e LGBT, que participamos do XIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, realizado pela Conectas Direitos Humanos entre 12 e 19 de outubro de 2013, na cidade de São Paulo (SP), Brasil,

 

RECONHECENDO

a relevância política deste encontro para o compartilhamento de experiências e reflexões sobre questões comuns aos povos do Global Sul, possibilitando a reversão de opressões e desigualdades históricas, as quais se assentam no racismo, no machismo e na homofobia, a incidirem, ainda hoje, sobre as nossas populações; e

CONSIDERANDO

ser esta a Década do Afrodescendente (2013 – 2022), de acordo com resolução da Organização das Nações Unidas, onde se busca alcançar as ideias-força “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, apresentamos as seguintes contribuições:

  1. Ainda convivemos com os efeitos nefastos do racismo, do machismo e da homofobia, concretizado através da negação de nossas capacidades e da subalternização de nossa condição humana, a impedirem a garantia da nossa identidade, cultura, saberes e práticas, mantendo-as apenas no plano da retórica.

  2. Reconhecemos os direitos humanos, em constante construção e desconstrução, estabelece-se através das vivências e disputas sociais, do passado e do presente; e requerem a nossa vigilância e luta quotidiana pela sua efetividade e aperfeiçoamento.

  3. Neste contexto, acreditamos e defendemos uma razão de direitos humanos que se esteie na multiculturalidade, respeito às diferenças, soberania popular e no desenvolvimento humano sustentável, enquanto condições para o convívio pacífico entre os diversos povos.

  4. Acreditamos e defendemos que a concretização da dignidade, justiça e equidade passa também pelo compartilhamento e experimentação de vivências, costumes e práticas sociais benéficas de grupos de sujeitos e populações - partindo de uma dimensão local para global - as quais ainda são desconsideradas, em prol de uma perspectiva universalista dos direitos humanos.

  5. Sobre as mudanças recentes na política e na economia global, repudiamos as manifestações contemporâneas de discriminação, racismo, xenofobia, sexismo, homofobia e intolerância correlatas – tanto no plano interno, quanto no internacional – as quais acompanham as tensões e cismas da crise do capitalismo, enquanto modelo econômico hegemônico.

  6. Neste contexto, alertamos os governos mais vulneraveis sobre as posturas imperialistas adotadas por países tidos por “Potencias Emergentes, principalmente o Brasil e a China, sob o manto da “cooperação sul – sul”, se estende inexoravelemente sobre as soberanias populares da Africa a Sul do Sahara sobretudo Angola, as quais abalam negativamente toda a Soberania Popular, na garantia dos direitos humanos, além de espoliarem seus recursos naturais e patrimônio histórico-cultural como o fora na era da inenarrável época colonial, de triste lembrança.

  7. Reiteramos a importância dos marcos internacionais relativos aos direitos das mulheres, na dimensão civil, política, sexual e reprodutiva; de eliminação à discriminação racial, racismo, xenofobia e todas as formas de intolerância correlatas; além de defendermos a constituição de marcos que se reportem à liberdade sexual e ao combate à homofobia, enquanto instrumentos políticos a serem acolhidos pelos países.

  8. Além disso, reivindicamos a elaboração, juntamente com segmentos sociais e populares, da Convenção Interamericana contra o Racismo e Todas as Formas de Discriminação e seus Protocolos, da Declaração

1

Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas; a criação da Declaração Universal dos Povos Afrodescendentes e de um Fórum permanente sobre esta população; a constituição

9. Defendemos, ainda, a criação de mecanismos de acompanhamento e monitoramento dos Estados de instrumentos e recomendações internacionais por eles ractificados; e que, nesta base de dados, os compromissos assumidos sejam promovidas com clara desagregação de informações e indicadores por gênero, raça, etnias e areas geograficas de forma mensuravel;

10. Embora seja de reconhecida relevancia estes instrumentos internacionais, infelizmente os governos de nossos países, seja na esfera internacional ou nacional, manifestam incoerências e contradições quotidianas entre o discurso e ação, postura a qual censuramos com veemência.

ASSIM É QUE DENUNCIAMOS


- de modo direto, público e conjunto - algumas das violações de Direitos Humanos ocorridas em nossos países e

mencionadas no XIII Colóquio, na certeza de que as nossas causas não têm fronteiras:

1. Repudiamos as violentas repressões dos países às manifestações pacíficas da sociedade civil, nas Américas, Ásia e África; as quais têm causados restrições negativas e indevidas ao direito de liberdade, principalmente o de expressão, de opção política, do acesso a justiça;

2. Denunciamos e pedimos explicações sobre os sucessivos casos de desaparecimento de civis e de ativistas de direitos humanos, principalmente o Sr Isaías Caçule e Alves Camulingue raptados em plena luz do dia 25 de Maio de 2011, quando pacificamente conduziam a manifestação de reivindicação de suas pensões de antigos combatentes pela Pátria-Mãe (Angola); igualmente a perseguição implacavel contra o Sr Amarildo Tavares da Silveira (Brasil);

3. Reivindicamos a libertação de ativistas de direitos humanos e manifestantes que se encontram detidos ilegalmente e/ou em situações de abuso de poder em nossos países, a exemplo do que acontece com o adolescente Nilto Alves que fora detido sem mandato judicial razoavel só por ter pintado a camiseta convocando uma manifestação pacífica que até à data, se encontra impedido de acesso a seu advogado de defesa e as familias(Angola) e com manifestantes presos no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras capitais brasileiras (eventos entre 15 e 16 de outubro de 2013).

4. Denunciamos as violências, perseguições e ameaças de morte sofridas por ativistas dos direitos humanos, advogados e jornalistas em nossos países, a exemplo de Valdenia La Franche – PB, Hamilton Landê Borges – BA (Brasil); Yasmine Álvaro da Silva Cabral (Guiné Bissau), Afonso William Tonet e Domingos da Cruz Maninho em (Jornalistas de Angola).

5. Denunciamos as discriminações e desigualdades vivenciadas por grupos étnicos em nossos países, a exemplo do que acontece com a população nômade Khoisan e Hotentotes excluidos de todos os direitos de cidadania e que estejam em perigo de extinção (Angola), aos grupos étnicos no Brasil, na Nigéria, etc.

6. Reiteramos as denúncias de torturas e maus-tratos ocorridos em prisões de nossos países – com ênfase para a situação das prisões de Angola e nos centros de investigação criminal em que as confissões são arrancadas com inclassificaveis torturas, Brasil as mortes indicriminadas contra os prisioneiros maioritariamente negros afrodescendentes, as prisões injustas de Guantânamo que sem alguma culpa formal mais de 800 homens são mantidos em prisões com a única vontade dos EUA, só porque é um povo diferente e tem convicções diferentes - situações que se agravam em face da dimensão racial dos sujeitos encarcerados; as desumanas prisões nas cadeias da Coreia do Norte;

7. Denunciamos veementemente as execuções de detidos e condenados nas cadeias da Republica Popular da China, que anualmente lidera a ranking mundial das execuções sumárias, para além de anualmente o Governo Chines forçar aborto de mais de 8 milhões de bebés inocentes que não vêem a luz do dia; Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de unidade para os Direitos de Lésbicas, Gays e Transexuais, Bissexuais e Intersexuais (LGBTI);

 

8. Repudiamos amargamente que a globalização seja instrumentalizada como a nova maneira neocolonial para os países menos apetrechados.

9. Por ocasião de abundancia de produção de bens alimentares no mundo repudiamos que milhões de populações da Somalia, os refugiados de guerra na Síria, as populações do Namibe, Huíla e Cunene em Angola, continuem a morrer de fome e de pobreza abjecta sob a conivencia intencional de seus Governos e o olhar cúmplice da comunidade internacional;

10. Denunciamos as sistemáticas violações de direito à territorialidade e à etnicidade das comunidades tradicionais negras rurais em nossos países; bem como a criminalização de lideranças e a tentativa de expulsão de seus territórios ancestrais, com ênfase para o que acontece com as comunidades quilombolas de Rio dos Macacos – Brasil, São Francisco do Paraguaçu – Brasil, Parateca – Brasil, Paratibe – PB, Bombas – São Paulo, Rosário - MA (Brasil), os pastores dos Gambos da Huila (Angola) os desalojados em vários bairros de Luanda, Lubango sem uma justa recompensa, as perseguições aos cristãos na Asia e na Nigéria;

11. Condenamos as práticas de abuso sexual, violência doméstica e familiar, além da morte indiscriminadas das mulheres em nossos países, com ênfase para as ocorrências na região diamantífera das Lundas Norte e Sul em Angola onde de forma hediondo e estranha as mulheres são estupradas, mortas e decepadas seus órgãos íntimos, estranho ainda o facto de o Governo de Angola não tomar qualquer medida notória(Angola); ao aumento de assassinatos de mulheres no Brasil (cerca de 10 por dia, segundo fontes governamentais); a violação dos direitos das mulheres na asia de forma multipla e desumana; e o tráfico criminoso de mulheres para a prostituição internacional especializada, industria do sexo alimentado pelas somas monetárias de lavagem de capital e de trafico de droga em que America Latina, a Africa e a Asia têm sido uns líderes que vitimiza seus povos;

12. Denunciamos o elevado índice de assassinatos de jovens negros no Brasil (cerca de 99 por dia, segundo fontes governamentais), atingindo dimensões típicas de extermínio sem uma medida governamental tomada que desperte a esperança de uma vida melhor para os negros no Brasil;

13. Denunciamos a postura do Estado dominicano, através de decisão de seu Tribunal Constitucional (Sentença no 168/2013), de negar a nacionalidade aos filhos de haitianos nascidos na República Dominicana, violando a Constituição, além de dispositivos internacionais.

14. Denunciamos o desrespeito do Estado colombiano ao direito de Declaração Livre e Autônoma dos povos étnicos (Sentença C-253 de 2013), impedindo que as populações se posicionem sobre intervenções em seus territórios, o que fere a Convenção no 169 – OIT e a Constituição do país.

15. Denunciamos a ausência de regulamentação e efetivação do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos Povos Indígenas pelo Estado brasileiro, em desrespeito a sua Constituição e ao Decreto Legislativo no 143/ 2002.

16. Denunciamos os empreendimentos econômicos e desenvolvimentistas realizados pelos governos e empresas multinacionais em nossos países, que expulsam populações de seus territórios; criminalizam os movimentos sociais; acirram as desigualdades sociais; privatizam os bens comuns; e promovem perdas ambientais incalculáveis, além da destruição do patrimônio cultural imaterial dessas populações. E destacamos:

Brasil - a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco, a instalação de hidrelétrica na Cachoeira de Tamanduá (Terra Indígena Raposa Serra do Sol), o confinamento de indígenas Guarani-Kaiwoá (Terra Indígena de Dourados), a mineração na Terra Indígena dos Cinta-Largas, a criação do Complexo Hidrelétrico Tapajós, as ações imobiliárias na Terra Indígena do Santuário Tapuya dos Pajés; Moçambique – a remoção forçada de comunidades locais, em várias partes do país, para espaços sem infra- estrutura e serviços públicos essenciais; );

Angola- As empresas Telecervices, nas Lundas que são citados frequentemente como promotores de mortes dos nativos para ocupar suas terras e doravante explorarem diamantes ( livro Diamantes de Sangue em Angola do activista civico Rafael Marques); Nenhuma recompensa aos populares afectadas pela instalação da Hidrelétrica de Cambambe, do Ngove e de Capanda (Angola), as expropriações de terras para fins fundiários nas zonas rurais (Angola)

17-Denunciamos as condições desumanas vivenciadas pelos refugiados do Centro de Marratane, situado em Nampula, norte de Moçambique.

page3image34496

18-Reivindicamos a retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti, ao tempo em denunciamos os atos de violência por elas praticadas contra a população local, além de sua conivência às violações de direitos humanos praticadas por outros agentes repressores.


19.Censuramos a inércia do Conselho de Segurança da ONU contra os responsáveis por crimes de guerra em Darfur (Sudão), ao mesmo tempo em que reiteramos as denúncias de genocídio e de deslocamento forçado que já atinge mais de dois milhões de pessoas, desde 2003 em várias partes do Globo sobretudo nos ultimos tempos durante a “Primavera Àrabe”;

20.Denunciamos a violação do direito de associação por parte do Estado moçambicano, a impedir a regularização de entidades que lutam pelos direitos da população LGBT (Caso LAMBDA).

21-Denunciamos a aplicação de recursos públicos para a realização dos mega-eventos desportivos de 2013 (Angola) 2014 e 2016 (Brasil), bem como as condicionantes acolhidas pelo Governo, prejudicando interesses nacionais e não permitindo a constituição e o compartilhamento de um legado social positivo. Porque sentimos que os custos são infinitamente maiores do que os beneficios cujos dividendos nunca trazem felicidade ao nosso povo.

Mesmo que este clamor não vier a merecer a devida atenção devida, confiamos que a luta em busca do bem comum poderá triunfar, conjugando sinergias por isso, corajosos, subscrevemos:

Rua Monte Alegre, São Paulo (SP), Brasil, 18 de outubro de 2013