Lisboa - O ativista Luaty Beirão, conhecido artisticamente como Ikonoklasta, considera que os angolanos "começam, pouco a pouco, a ganhar o hábito de reivindicar", apesar de ser difícil vingar sem cartão de algum partido.

Fonte: Lusa

Em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, cidade onde mora a mãe e acaba de nascer a filha, o ativista angolano, que tem estado envolvido nos protestos realizados em Luanda, falou dos avanços e recuos da sociedade civil angolana.


"É um despertar paulatino", resume, sublinhando que, se as manifestações se podem "contar pelos dedos" em cada ano, "a sociedade civil tem-se desdobrado em diversas formas de protesto", para "promover a abertura e o diálogo".


O recurso à internet e às redes sociais é cada vez maior, exemplifica Luaty, que gere, com outros ativistas, a Central Angola, uma plataforma online para as "vozes dissonantes", que se esforça por produzir "fontes de informação alternativas".


Reconhecendo que "as manifestações têm vindo a provar que não são eficazes no número de pessoas que atraem", Luaty não culpa os que, "ao abrigo do distanciamento" de um computador "garantem que vão estar presentes", mas não aparecem "na hora de estar no terreno e enfrentar a polícia".


A transformação "vai levar tempo" e não se pode esperar que um país "que viveu sob o jugo de medo durante tantas décadas" mude "do dia para a noite, sobretudo uma sociedade que tem uma taxa de analfabetismo tristemente impressionante", justifica.


"Na verdade, as pessoas não querem confrontos, não querem estar sujeitas a voltar para casa com cabeças abertas ou serem levadas pela polícia para parte incerta" e depois "julgados à revelia" ou "sujeitas a pagar cauções", tudo "situações promovidas pelos órgãos de Estado", acusa.


Nos candongueiros, "barómetros da consciência cívica", a música que se ouve nos rádios já é também outra e "o cidadão comum já fala mais" e está "a perder o medo", diz Luaty Beirão.


Desvalorizando "o argumento da guerra civil", recorda que manifestantes como Nito Alves, o menor detido mês e meio por "ultraje" ao Presidente José Eduardo dos Santos, não tem memória do conflito, mas exige "uma sociedade mais igualitária".


Luaty é dos que preferem uma sociedade civil horizontal, onde todos têm uma palavra a dizer, mas percebe que alguns dos manifestantes tenham sentido necessidade de se organizar no Movimento Revolucionário Angolano.


Os partidos têm um papel a desempenhar -- a UNITA, na oposição, convocou para sábado uma manifestação --, mas a sociedade civil "partidarizou-se" demasiado, diz.


O ideal é estar "do lado do Governo/Estado/partido MPLA" e, à falta disso, o melhor é recorrer aos partidos da oposição. "As pessoas ficaram com a perceção que só se sobrevive jogando numa dessas equipas", lamenta.


O certo é que o dia-a-dia se complica quando não há cartão para mostrar. "As prioridades são dadas a quem tem cartão de militante do partido", compara o ativista.


É verdade que a "pressão da sociedade civil" obrigou o regime "a dar sinais" de "boa governação", mas, na realidade, não se verifica "nenhuma transformação para melhor na gestão dos recursos", que continuam nas mãos "das mesmas pessoas", que fazem "as mesmas promessas", assinala.


"Vivo em Luanda (...) e continuo a sentir que, em onze anos de paz, não há propriamente melhorias no serviço de distribuição de água. Vivo no centro da cidade e consigo ficar um mês sem água corrente", relata, condenando o recurso a "esquemas" e a falta de "responsabilização".