Washington - A morte de Nelson Mandela representa o fim de uma geração impressionante de líderes africanos. O líder histórico do ANC pertence, de certa forma, a geração de Kwame Nkrumah, Jomo Kenyatta, Nndandi Azi-kiwe, Samuel Akintola, Sekou Toure e de outras figuras que embora não tivessem sido chefes de Estado não deixaram, porém, de marcar o continente africano, como foi também o caso do primeiro secretário-geral da OUA, Diallo Telli Uma das características desta geração é que a sua autoridade estava ligada ao facto de pertencerem as aristocracias tradicionais. Nelson Mandela fazia parte da família real dos Thembus.

Fonte: SA

Na sua brilhantíssima biografia, «A Longa Caminha até à Liberdade» nota-se que mesmo na prisão, Mandela nunca perdeu a sua dignidade. Por exemplo, mesmo quando os guardas da prisão traziam jornais a falar sobre aspectos negativos da sua esposa, Winnie, o espírito de Mandela permanecia intacto. Para ele, a igualdade racial no seu país estava acima de tudo.

A sua geração foi também de idealistas. Nkrumah dizia, por exemplo, que o povo deveria lutar primeiro para a liberdade e que resto viria depois.

 

 Em 1994, durante a campanha para as primeiras eleições livres na África do Sul, lembro-me que Mandela disse que quem não mandasse o filho para a escola seria preso.

 

O idealismo desta geração estava ligado à Segunda Guerra Mundial, tendo em conta que durante esse período, muitos africanos deram as suas vidas para defender as potências coloniais – o Reino Unido e a França. Um bom número de africanos chegou até de combater na Ásia. Negros e brancos estavam, de repente, nas mesmas trincheiras. Depois do derrube de Hitler, assim como as teorias que insistiam na superioridade da raça branca, os africanos começaram a reclamar as suas independências. A Libéria e a Etiópia, dois países africanos que nunca tinham sido propriamente colonizados, passaram a apoiar os vários movimentos de libertação.

Mandela teve o seu treino militar na Etiópia; William Tubman da Libéria ajudou, também, o ANC de várias formas.

 

A geração de Mandela é uma geração que levou os estudos a sério, numa época em que o continente estava cheio de autodidatas.

 

A afirmação do africano, acreditavase, só seria possível com a aquisição de muitos conhecimentos. Figuras como Leopold Sen-ghor do Senegal passaram a falar da negritude – de valores culturais por trás do que eram vistas as civilizações africanas. Certas figuras desta geração, Jomo Kenyatta e Houphoett Boigny da Costa do Marfim – optavam por um certo tradicionalismo. Para eles, o modelo a seguir era uma aldeia estável onde o Rei, a figura pai, tinha a lealdade do povo. Esta foi uma geração que, às vezes, caia nesse idealismo.

 

Mandela e os seus colegas na África do Sul não ficaram isentos desse idealismo. Isso fez com que há decisões que os líderes tomaram naquela altura que hoje não tomariam, por certo. Ele pertenceu a ala da juventude do ANC que, nos anos 50, sentia que a velha guarda do então Congresso Nacional Africano, um dos mais antigos partidos políticos no mundo – fundado em 1912 – estava satisfeita consigo mesmo.

 

Mandela, Sisulu, Mbeki e outros jovens queriam agir – e já. É assim que Mandela parte para o exílio africano onde recebe treino para iniciar a luta armada. É claro que as autoridades brancas, e como se provou durante o seu julgamento, sabiam de tudo. Depois do seu regresso do exterior, Mandela foi para Durban, na província de Natal, onde alguém lhe ofereceu um jantar em sua honra; ingenuamente, um jantar para alguém que estava a ser procurado… O Mandela de então parecia ser inocente de mais para ser um revolucionário.

 

Depois há a famosa fazenda em Rivonia, fora de Joanesburgo, onde os primeiros quadros do braço armado do ANC, Ukhonto We Sizwe, tinham as suas reuniões. Quando a polícia apareceu naquele local para os prender, os participantes foram apanhados com mapas e documentos nos quais estavam delineadas as ações que pretendiam realizar.

 

O grande momento de Mandela e dos seus colegas deu-se durante os seus julgamentos. Embora estivesse claro que as suas vidas corriam sérios perigos, nenhum deles vergou. E a partir do banco de acusado, Mandela fez o famoso discurso, onde ele já previa a criação de uma sociedade justa e multirracial. Por quase três décadas, Mandela não foi visto, já que estava na cadeia. Porém, a ideia que ele tinha planeado foi crescendo. O importantíssimo papel que os líderes do ANC no exterior tiveram não pode também ser esquecido. Eles mobilizaram vários países que fizeram tudo para isolar o sistema minoritário da África do Sul.

 

Uma outra qualidade de Mandela foi uma imensa capacidade de ter um conhecimento profundo do terreno político em que estava a operar. Por várias vezes, as autoridades brancas disseram que ele estaria livre se denunciasse a luta armada, mas Mandela sempre recusou esta condição. Isto fez com que ele continuasse a ser seguido por milhares de jovens negros – gente que tinha nascido quando ele já se encontrava preso há vários anos. Porém, a um certo momento, Mandela e o ANC tornaram-se menos rígidos. Foi assim que em Dakar quadros do ANC começaram a ter conversações com figuras influentes da elite branca. O ANC fez tudo para convencer a eles que uma África do Sul multirracial não iria excluir brancos. E os jovens brancos ficaram surpreendidos ao notar que Oliver Tambo – que na propaganda oficial era tido como um ateu sem piedade – era um católico-  dedicado.

 

Quando Mandela saiu da cadeia em 1990, ele tornou-se num verdadeiro gigante porque não tinha o mínimo de ódio contra os que lhe tinham encarcerado durante décadas. Nelson Mandela foi um produto das missões inglesas na África do Sul, alguém que adorava a literatura e cultura inglesa. Ele provou, também, ser um indivíduo altamente culto (que pintava e gostava de poesia) que não hesitava em dançar em público; usava aquelas camisas pitorescas que irritavam o bispo Desmond Tutu.

 

Um outro gesto de Mandela que o distinguiu na história foi saber sair da política no momento exacto, quando em 1997 deixou o poder ao então vice-presidente Thabo Mbeki. Depois de divorciado de Winnie, voltaria a casar com uma mulher sofisticada e lindíssima, a moçambicana Graça Machel.

 

Ainda bem que, ultimamente, o nome Mandela não aparece associado à nova elite negra agora no poder na África do Sul, visto que o poder só rende quando é tratado com seriedade e responsabilidade. O ANC é hoje liderado por figuras cuja integridade não está intacta. As notícias sobre o país africano falam com frequência a certos políticos que tem ligações estranhíssimas com criminosos internacionais. E estes senhores não estão preocupados com o elevadíssimo número de negros que não tem emprego, que vivem em péssimas condições, quase desesperados. Temos uma África do Sul, na qual os demais africanos estrangeiros são chamados pejorativamente por amakwerekwere – ou aqueles que falam um língua incompressível.

 

Claro que já ninguém se lembra do tempo em que a Somália de Siad Barre e Nigéria de Murtala Muhammad davam ao ANC e ao PAC (Pan African Congress) milhões de dólares para desenvolveram as suas lutas contra o regime hediondo do apartheid.

 

Não obstante estas notas negativas, o legado de Mandela, não só para a África mais para o resto do mundo permanece intacto, visto que ele foi mesmo um verdadeiro exemplo que deve ser seguido.