Luanda - Os angolanos não são cidadãos (grande parte), mesmo aqueles que pretensamente se tenham formado estão muito longe de terem os conhecimentos dos atributos de cidadania e para tal usufruírem deste estatuto inalienável, simplesmente por duas razões que formam a incógnita: inocência ou ignorância. Quando Gabriel dirigiu esta opinião afirmativa e categórica, Hermenegildo Sá se ofendeu. Mas, vistas as coisas em profundidade, concluiu-se estar Gabriel cheínho de razão. Os angolanos não são mesmo cidadãos. Um dos meus colegas na Redacção do Jornal, Fernando Baxi retorquia, quase já a concordar: “O problema é que os angolanos não gostam de viver bem”. Quase sim, quase não. Para mim, sem descordar com o Baxi diria talvez: são muito conformistas. O debate se arrastou e gerou o presente trabalho.

Fonte: Folha 8

O outro mundo não o africano avança sem nós não necessariamente contra nós, mas ignora-nos completamente. O que o preocupa agora e apenas por mais duas ou três décadas são os recursos minerais, as matérias-primas que os nossos solos e subsolos ainda dispõem, veículos que os transportarão (sociedades em franco progresso) até quando as descobertas e invenções científicas alternativas produzirem os frutos desejados e os efeitos exigidos para estarem em altura de abdicarem da maior parte dos minerais inorgânicos, até mesmo orgânicos que hoje dão arrogância aos chefes africanos. As pesquisas científicas avançam céleres e numa velocidade impressionante em vários domínios, com as vertentes nuclear (civil) e hidrogenia a ocuparem o lugar de destaque. Entretanto, mais do que nunca, agora a sentença foi ditada: o petróleo, os derivantes e outros, têm os dias contadíssimos. Mas o Homem angolano, o quadro profissional, não está em altura para responder aos maiores desafios que estes avanços nos imporão daqui há 20 ou 30 anos. Nem mesmo as bases para a formação do homem do futuro estão idealizadas.

Ao apreciar o debate do OGE – Orçamento Geral do Estado, e foi este o sujeito da troca de conhecimentos com o Baxi e por exemplo ao analisar a contrariedade exposta num dos artigos de Reginaldo Silva no Facebook que fala do plano do Governo de vir brevemente a efectuar mais demolições de patrimónios nacionais anónimos na Baixa de Luanda para ali construírem grandes torres de betão turísticas ou albergarias de escritórios, não tive outra alternativa se não me conformar com as declarações incendiárias dos concidadãos que mostram apreensão e decepção pela apatia dos angolanos. Realmente estamos muito longe de pertencermos a uma civilização ou sociedade regrada. Apesar da repressão policial, das perseguições políticas que inculcaram na mente e comportamento dos angolanos a cultura do medo, os 80% vegeta mesmo entre a inocência e a ignorância.

O OGE – 2014, penetrando bem no seu âmago, foi elaborado e aprovado não para responder as necessidades prementes ou imediatas dos angolanos sofredores, mas sim a vontade da Classe no Poder, ignorando tudo o resto. E se este 80% soubesse ou tomasse a verdadeira consciência que as nossas vidas, o nosso desenvolvimento como humanos “civilizados” depende dos OGE, teriam tido outras atitudes. E como os 80% é constituído pela maior parte da massa que o Governo considera improdutiva ou amorfa, esses compatriotas desprezados, colocados no lugar de sub-homens, mantêm-se indiferentes, e o verbo é, como disse o meu colega “B”, “Deixa só estar; vamos fazer mais como, se eles é que estão a governar”. O mesmo se passa com as demolições de habitações, as deslocações de populações de lugares habitáveis e conviviais para áreas recônditas e impossíveis em que fazem recuar o Homem do Século XXI para a idade da pedra esculpida, ou o caso patético evocado pelo jornalista Reginaldo Silva sobre o derrube de empreendimentos habitacionais e outros, digamos, históricos para os luandinos, que vão dar lugar a não sei o quê, cuja reacção dos demais é simplesmente serena e expectante. Com os brancos nas europas ou américas, este a vontade do Governo mereceria outra resposta, um “Não” contundente como acontece agora em Kiev na Ucrânia ou mesmo em Bangkok na Tailândia.

O problema é que os angolanos meteram nas cabeças, muitas delas ocas, de que o que se faz em Angola é mesmo favor do MPLA e graças ao Presidente JES e não uma obrigação dos homens e mulheres que nos governam, como diz Chivukuvuku: “Apenas como gestores temporários da coisa (pública) que é pertença de todos nós sem excepção”. Outrossim, lembra ainda: “Os angolanos têm o direito de reivindicar por todos os meios, seus direitos inalienáveis. Os deveres dos angolanos começam lá onde terminam as responsabilidades e obrigações do Estado/ Governo. Este Estado até agora não cumpriu nem a terça parte do que lhe cabe. Ou seja, proporcionar as mínimas condições para cada um satisfazer seus desejos”. É aqui onde em termos práticos reside a diferença entre o africano, o angolano em ocorrência e outros povos. Os povos das sociedades que avançam, não dão tréguas aos seus governos: 1° são cidadãos de pleno direito; 2° sabem que tudo o que o dito Estado tem, desde a Terra até ao Céu, desde os oceanos e suas profundezas e tudo quanto valem, é do POVO e de mais ninguém. No mundo que avança, até mesmo aquele cidadão que não foi a escola tem consciência disso, por isso não olha atrás quando é solicitado a manifestar por uma boa e grande causa, “a melhoria e estabilidade do seu bem-estar”. Reparem bem, aqui aludimos a melhoria do bem-estar, quando por exemplo em Angola, este bem-estar que os outros povos já têm, os angolanos apenas sonham. Os outros lutam todos os dias, enfrentam as armas ou bastões policiais, gases lacrimogénios, somente para alcançar um aumento do subsídio de férias, ou a supressão de um ano de passagem à reforma. Os africanos, ou melhor os angolanos que nem sequer água potável para beber têm, nem pão para mitigar a fome do filho que vai a escola_ esta também desqualificada pelo próprio Presidente da República, porque não forma nem quadros periféricos, nem técnico- científicos, como dizia, cruzam os braços e deixam as coisas arrastarem-se até a justiça final (a morte).

Não pude acompanhar o resto dos debates, mas ao ler a mensagem do PR pelo Chefe da Casa Civil, Edeltrudes Costa_ também Ministro de Estado, dirigida aos deputados por ocasião da II Reunião Extraordinária da III Legislatura não deu para expressar mais nada, se não consternação. Esta mensagem foi redigida com a consciência dirigida de que os angolanos são o que são: leem pouco, estudam menos e compreendem pior. Por isso, o essencial é: bons adjectivos, no meio de evasivas; falar coisas bonitas que o povo gosta de ouvir, o resto deitar culpas a oposição ou a famigerada guerra e a caravana vai passando.

Há 38 anos que para o MPLA a prioridade é o Povo, 38 anos que o Poder é Popular. Ora, este Povo jamais foi convidado a participar no debate para a elaboração dos OGE, com base aos seus desígnios e do que ele mais carece. Os angolanos apenas se submetem ao querer imposto pelos homens no poder. Os deputados que interviriam como fiscalizadores das práticas do Governo e porta-vozes do povo não exercem esta função, longe disso, em nada partilham com o povo que dizem representar. Os ministros distribuem mal, os governadores e administradores roubam, os funcionários, nas repartições, escolas, hospitais sobrevivem da gasosa (corrupção) acima de tudo porque ganham mal.

Edeltrudes exibiu aritmética, pintou gráficos e falou de percentagens que ninguém compreendeu nada, salvo ele mesmo ou seus mentores. Sector Não Petrolífero irá crescer 9,9%. Sabe-se que há décadas este sector não petrolífero só fez que crescer, ao mesmo tempo que a vida dos angolanos só conheceu regressão em relação as espectativas. Os produtos básicos continuam caros; não se sabe ao certo o que o país produz, tirando couves e “tomates” que o produtor no campo de quase nada beneficia. “É pecado, até crime comparar desenvolvimento do povo actual com as condições que tinha em tempo de guerra, quando aqueles que dizem o representar e defender seus interesses, vivem mil vezes melhor neste mesmo período”. O Sector Petrolífero vai crescer 6,5%. Aqui há muita mentira, o petróleo exportado ou hipotecado à China não está avaliado e a previsão de 98.00 USD por barril é muito inferior, mesmo se aprovisionarmos as nossas previsões às variantes do mercado. As oscilações dos preços têm sido de curta duração e vão de 100/ 150 USD. E onde é colocado o excedente desta variação?

Refere ainda o documento: “Neste contexto, a receita petrolífera representa 25,9 porcento do Produto Interno Bruto (PIB) e a receita tributária não petrolífera 10,2% do PIB, o que traduz, respectivamente, um aumento de 3,6% e 2,4 pontos percentuais em relação ao estimado para 2013. Por seu lado a despesa fiscal representa 41,9% do PIB, um aumento de 2,1% e 3,6 pontos percentuais em comparação a 2012 e ao estimado para 2013, sendo este aumento fundamentalmente justificado pelo aumento da despesa de capital”. A mensagem do Presidente da República sublinha ainda que “os fluxos totais dos recursos do OGE/2014 estão calculados em 7.258,3 mil milhões de kwanzas, estando em conformidade com os limites fiscais que sustentam a transparência e responsabilidade fiscal, de acordo com as disposições da Lei nº15/10, de 14 de Julho”.

Depois destes desenhos todos, vem a explicação do pagamento da Dívida astronómica do Estado, que vai durar até a quinta geração de angolanos depois de nós e que ninguém sabe a quem e em que circunstância foi adquirida. Falam por exemplo da afectação das receitas do PIB de 30% a Protecção Social, quando ao certo e como diz o meu compadre Luís Ferreira a partir da Bélgica: mais de 60% da população activa não tem enquadramento profissional e está votada ao desemprego absoluto. O que se pode entender desta tal Protecção Social aos diferentes sectores? Que benefícios deste OGE tirarão os desempregados por culpa do Estado?

Outros textos relatam: “Segundo o relatório parecer das comissões de Economia e Finanças e dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional, a proposta tem "subjacente o Plano de Desenvolvimento 2013-2017, fixa o limite de despesas para todos os entes orçamentados e prevê os recursos financeiros necessários para a cobertura destas despesas”. Isto tudo é areia nos olhos da gente. Aqui não se coloca o problema da afectação de receitas, o problema é da gestão e das prioridades definidas.

O OGE não deve ser falado quando elaborado ou já em proposta no Parlamento, deve ser primeiro e aturadamente discutido desde o Bairro pelos residentes que deverão cobrar a estrada que está mal, a energia que não chega, etc. e saber onde e como foi investido o alocado e onde param as receitas recolhidas dos impostos dos mercados, das praças, lojas, supermercados, multas da viação e trânsito, destes e outras actividades comerciais, etc. Em todas as Legislaturas, ou em cada Sessão Legislativa falam de projectos ou programas quinquenais e diabo-oito, mas nunca se fala dos relatórios de contas dos planos precedentes, é sempre a fuga em frente.

Os angolanos como não percebem patavina disso, deixam-se sumária e ingenuamente enrolar, adicionado ao medo de agir para eles mesmos se libertarem. Só quando os angolanos começarem a compreender isso e tomarem conta das obrigações do Estado para com eles é que nos vamos libertar ou juntar forças e esforços para, aos olhos incrédulos dos próprios angolanos, esta “inusitada”, mas ingente e urgente libertação acontecer deliberadamente. A verdade é uma, actualmente o Mundo avança sem nós, porque não tomamos consciência do nosso sofrimento e não determinamos em uníssimo o verdadeiro responsável da nossa miséria!