4ª Reunião plenária ordinária da 3ª sessão legislativa da III legislatura, 28.01.2014 (dia 3)

1. Proposta de lei sobre a criminalização das infracções subjacentes ao branqueamento de capitais

Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Senhores Deputados;
Ilustres Auxiliares do Titular do Poder Executivo.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Depois de, na reunião plenária do passado dia 23, se ter tomado a sábia decisão de adiar a discussão deste diploma para momento posterior – apesar das urgências evocadas, fiquei com a sensação de que o proponente aproveitaria a oportunidade para expurgar do mesmo as deficiências que contém. Mas, muito infelizmente, isso não foi feito.

O Titular do Poder Executivo traz à Assembleia Nacional a Proposta de Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais, requerendo urgência. Reconhecemos que o assunto é de grande importância para a vida de Angola, onde a corrupção manda e comanda; uma corrupção amiúde admitida e rejeitada pelas mesmas vozes oficiais – ficando o cidadão sem perceber se nos dizem que ela existe ou que não existe; se existe mas não faz mal nenhum, enfim, mas com a certeza de que o Titular do Poder Executivo mora na fronteira entre o “vai” e o “não-vai” nessa matéria de combate à corrupção. Prova disso, aliás, é o facto de o meu Grupo Parlamentar ter insistentemente proposto que se faça um debate sobre o Estado da Corrupção no País e os nossos colegas maioritários, vetarem acutilantemente esse debate, sabe Deus por que carga de água. No entanto, a importância e premência de legislar sobre essa matéria não podem ser motivo para que as coisas se façam de uma forma qualquer.

Muito honestamente, Senhores Auxiliares do Titular do Poder Executivo, esta proposta de lei podia e devia muito bem ter sido melhor, sem confusões, evitando-se esta verdadeira salada russa que aqui nos trazem, como se fosse apenas um agrupar de artigos, conceitos, tirados de diferentes textos de lei, do nosso e de outros ordenamentos jurídicos, uns actuais outros antigos, apenas para trazerem para aqui um texto de lei. Acredito que os técnicos que trabalharam sobre esta proposta podiam ter feito melhor.

Tudo leva a crer que o poder no país anda a brincar ao “gato e rato”, no tocante às matérias ligadas aos crimes contra a economia. Em 1989, o Parlamento angolano aprovava a Lei Nº 9/89, dos Crimes Contra a Economia. Corrupção activa, passiva e apropriação de comissões, por parte dos “dirigentes” – e sublinho “dirigentes” – era crime. No ano seguinte, 1990, era aprovada a Lei Nº 21/90, dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade. Continuava a falar-se de “dirigentes”. 9 anos depois, em 1999, os “crimes” foram despromovidos a “infracções”, e aprovava-se a Lei nº 6/99 que já se chamava “Lei das Infracções Contra a Economia”, uma versão mais branda da Lei 9/89. Deixava de ser responsabilizado o “Dirigente” passando a ser responsabilizado o “aquele”. Um ano depois de ter terminado a guerra entre a UNITA e o Governo do MPLA, em 2003 portanto, era aprovada a Lei 13/03, Derrogatória da Lei das Infracções Contra a Economia. O Artigo 1º dessa lei revogava os artigos 17º a 50º daquela lei (ou seja, da Lei Nº 6/99), para dizer “meus senhores, a corrupção não faz mal nenhum; o açambarcamento não faz mal a ninguém”. Hoje, o Executivo regressa para aqui para dizer que, afinal, pensando bem, isso volta a ser coisa má. E sobre corrupção, o “dirigente” da Lei 9/89, que passou a “titular de cargo de responsabilidade” à luz da Lei 21/90, despromovido a “aquele” na Lei nº 6/99 e ilibado de qualquer “crime” que, entretanto, tinha passado para “infracção”, agora vai ser chamado “o funcionário”.

Mas mesmo assim, várias outras interrogações se levantam na forma e conteúdo da proposta que nos trazem, com o rótulo de “urgência”.

Em que lado se define “corrupção”, afinal? O “Sequestro” constante do Artigo 15º, tem mesmo algo a ver com branqueamento de capitais? O “Rapto” identificado no artigo 16º, a “Tomada de Reféns”, o “Tráfico de pessoas” do Artigo 19º, o “tráfico sexual de pessoas” do artigo 20º, – como andam aí a fazer com as nossas filhas, raparigas brasileiras e outras, empurradas à prostituição – a “Escravidão e Servidão”, o “Tráfico de Armas”, a “Agressão ao Ambiente”, a “Poluição”, o “Tráfico de influências”, etc., etc., etc., são crimes, sim senhor. Mas terão necessariamente conexão com “branqueamento de capitais”? E ainda por cima, vamos ao Artigo 36º sobre “Recebimento indevido de vantagem” e são despenalizadas as chamadas “condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. É o que diz o nº 3. Que condutas são essas? Isso é a “gasosa” ou o “saldo”?

Esta proposta de lei tem a ver com branqueamento de capitais, ou será apenas um simples amontoado de “condutas” que se pretende criminalizar de modo a proteger “determinados bens jurídicos fundamentais”, conforme V. Exas. pretendem estabelecer no Artigo 1º desta proposta? Isso lembra-me, francamente, um facto que ocorria amiúde, no tempo em que fumava. Quando um colega fumador quisesse pedir um cigarro, e lhe perguntássemos que marca de cigarro fumava, a resposta era “qualquer”. Esta proposta parece um maço de cigarros de marca “qualquer”.

Branqueamento de capitais é um assunto sério; o nosso país é muito pecador nessa matéria; há necessidade de se pôr ordem nisso, na esperança de que a lei venha a ser cumprida; isso não são crimes cometidos pelo ladrão de galinhas, mas são os chamados “crimes do colarinho branco”.


Convenhamos, Senhores Deputados; Senhores Auxiliares do Titular do Poder Executivo, que isto está muito mal feito. Os técnicos que trabalharam nisso, pressa ou incompetência, produziram um mau trabalho. O Grupo Parlamentar da UNITA julga que este documento não demasiado verde para ser debatido, e muito menos para ser aprovado, pelo que aconselha o proponente a trabalhar um pouquinho mais sobre ele e depois, sim, trazê-lo aqui para apreciação e votação pelos Senhores Deputados. Recomendamos, por outro lado, que esta matéria seja tratada de forma normal, sem urgências, sendo debatida na generalidade, depois na especialidade, para então ir à votação final. Tanta pressa para quê? E essa pressa só surge agora que o “Branqueamento de Capitais”, a “Corrupção” e outros crimes ganharam cabelo branco no nosso país?

Já agora, como os nossos colegas do MPLA passam a vida a pedir-nos que votemos a favor, nós também queremos pedir que esses nossos colegas também aceitem a retirada do Artigo 4º desta proposta de lei (relativo à prescrição dos crimes aqui previstos, transcorridos 10 anos da data do seu cometimento), conforme sugerido pelo meu colega, o Deputado Silvestre Samy (UNITA), em função das preocupações levantadas pelo Presidente do Grupo Parlamentar da CASA-CE. Assim, temos garantias que os criminosos pagam pelo crime cometido, mesmo quando este tenha já uma certa idade.

Muito Obrigado, Senhor Presidente.


DECLARAÇÃO DE VOTO

Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Senhores Deputados;

O Grupo Parlamentar da UNITA votou “contra” esta Proposta de Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões, primeiro e sobretudo por acharmos que a mesma põe em risco os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Trata-se de matérias que a Constituição manda que sejam de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional, e nós temos todos, Deputados de todas as formações políticas, o dever e a obrigação de assegurar que esses direitos, essas liberdades não sejam restringidos ou limitados por dá cá aquela palha.


Os meus mui ilustres colegas do Grupo Parlamentar do MPLA Tomás da Silva e João Francisco, evocavam há pouco o Artigo 33º da Constituição da República de Angola. Bem lido o artigo, certamente estarão a concordar com o nosso ponto de vista. Só para recordar, esse artigo, que tem como epígrafe “Inviolabilidade do domicílio”, começa por estabelecer, no seu nº 1, que “o  Mais uma vez, Senhor Presidente, foi notório aqui o facto de que os nossos colegas do Grupo Parlamentar do MPLA inscrevem-se apenas para responder às intervenções dos Deputados pertencentes às forças da oposição. Ou seja, primeiro falam os deputados da oposição e depois os deputados do MPLA. Quero, com muito respeito, solicitar a V. Exa., Senhor Presidente, que, em conformidade com o Artigo 126º do nosso Regimento, sobre “procedimento no uso da palavra”, altere a ordem de inscrição, se assim for o caso, de modo a que não intervenham seguidamente deputados do mesmo grupo parlamentar. Estive a citar o Nº 1 desse artigo. Acredito, Senhor Presidente, que o dia em que inverter os termos e der primeiro a palavra aos colegas do MPLA, veremos, certamente, muitos a ficarem ultrapassados por colegas de bancada que nem sequer terão tomado a palavra.

Muito obrigado, senhor Presidente.

2. PROPOSTA DE LEI REGULADORA DAS REVISTAS, BUSCAS E APREENSÕES


Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Senhores Deputados;
Ilustres Auxiliares do Titular do Poder Executivo.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Devo começar por dizer que a orientação dada por Vossa Excelência, Senhor Presidente, para que à primeira e segunda comissões se juntasse a décima, com vista a trabalhar no relatório/parecer, dada certamente à componente de se mexer com a sensível questão dos direitos fundamentais dos cidadãos, essa orientação não foi executada. Era suposto que a 10ª Comissão apresentasse contribuições que poderiam, inclusive, mudar de algum modo o texto do relatório/parecer, mas na reunião havida ontem, das 3 comissões, ficamos a perceber que o entendimento quase geral – e sublinho “quase geral” – era de que a 10ª Comissão teria sido chamada apenas para ajudar a expurgar o relatório/parecer das tristes confusões que nos foram dadas a presenciar na sessão da passada quinta-feira, como se essa comissão fosse um mero “comité de redacção”. A reunião teve de ser interrompida porque, afinal, os pontos de vista tinham que ser expressos aqui, neste plenário.

Estamos, pois, aqui para discutir um assunto que transcende os formalismos jurídicos. Estamos diante de uma proposta de lei limitativa de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

O facto de a CRA permitir a concentração de poderes nas mãos do órgão unipessoal de soberania – o Presidente da República – pois sendo ele um PR governante, um PR militante partidário que exerce política partidária de forma activa, um PR legislador, um PR Chefe do Chefe do Ministério Público, Chefe do Chefe da Polícia de Investigação Criminal, e, na prática, um Presidente que não presta contas a nenhum outro órgão, não permite que o sistema político proteja convenientemente os cidadãos contra os eventuais abusos da sua autoridade. Ele pode utilizar, e tem utilizado, mesmo sem lei regulamentar, o mecanismo das buscas e apreensões para afastar dissidentes, acusar opositores e silenciar vozes incómodas.

O estado de direito manda INVESTIGAR PRIMEIRO E PRENDER DEPOIS. Temos o exemplo da justiça brasileira. Primeiro obteve as provas que incriminam Bento Kangamba; submeteu as provas a um juíz e com base nelas o juíz ordenou a prisão. Aqui, o Executivo faz o contrário: MANDA PRENDER PRIMEIRO E INVESTIGAR DEPOIS. O Senhor Procurador Geral da República prometeu, no seu discurso de fim de ano, que isso iria mudar. Vamos lá ver “se”.

O Estado de direito manda obter o CONSENTIMENTO DO SUSPEITO PARA SE ENTRAR NO SEU DOMICÍLIO FAZER-SE UMA BUSCA. Na prática, o Executivo não pede consentimento de ninguém. Usa força bruta, desproporcional, violenta e até assassina.

O Estado de direito manda tratar os cidadãos como iguais, pois não discrimina as pessoas com base na filiação política, nem na cor da pele, nem na sua proveniência geográfica. Aqui, o Executivo faz o contrário: treina mesmo os seus agentes, ensinando-lhes que os da UNITA são “inimigos”, os “provenientes”, os “cidadãos a abater”.

Os pressupostos que se invocam para a formulação desta proposta de lei estão errados.

Afirmam os proponentes que “a proposta emerge do facto de ter sido publicada a CRA que lançou e desenvolveu as premissas constitucionais da criação de um estado democrático de direito e que procedeu a um mais amplo reconhecimento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

Isso não é verdade. A consagração de Angola como estado democrático de direito foi feita em 1992, e não em 2010. A proposta de lei, limita, e não amplia, as garantias do processo criminal que o constitucionalismo estabelece.

A verdade é que, desde 2012, o Executivo vem rasgando a Constituição. Pretende reduzir o exercício dos direitos políticos e transformá-los em crimes. O objectivo subtil da presente proposta de lei é anular as garantias do processo criminal inerentes aos “novos crimes politicos”.


E a intenção não é boa. Porque a cópia que terão feito da legislação portuguesa, não foi fiel. Omitiram uma disposição crucial. A CRP estabelece a garantia da inviolabilidade do domicílio do seguinte modo:

“A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e formas previstos na lei. ” O legislador português definiu claramente tais casos: “....em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes”. (CRP Art. 34º, nº 3). O Relatório/Parecer apresentado aqui está a dizer: “meus senhores, completem a cópia”.
Mas o que estabelece o artigo 3º da proposta que aqui nos é trazida para apreciação é inconstitucional, ao permitir que a policia realize revistas e buscas “sem autorização”. Então os magistrados não são comunicáveis? Isso viola, de forma flagrante, o estabelecido no Artigo 33º da CRA.

Note-se que a proposta do Executivo não pretende limitar os casos. Quer que se estabeleça a excepção para todo o tipo de crimes, tal como se lê logo no artigo primeiro da proposta de lei. E sabemos porquê. Para poder incluir aquilo que ele arbitrariamente considera ‘crimes políticos’, ou ‘crimes contra a segurança do estado”.

Esse é o objectivo, senhores deputados. Não nos deixemos enganar!

E aqui vou citar novamente o nosso ex-colega Lopo do Nascimento: “....Criamos os Estados, fizemos os Governos, mas falta criarmos a Nação”.

A lei dos crimes contra a segurança do Estado, baseia-se nesse falso pressuposto de que o Estado é a Nação, e a segurança do Estado, ou melhor a segurança do Executivo é sinónimo de segurança nacional”. E refiro-me, não à segurança física, mas à segurança política do Executivo.

É essa doutrina que se transmite aos agentes da lei e da ordem constitucional real. Qualquer crítica ao desempenho do Presidente da República é tida como ameaça à segurança nacional. Qualquer manifestação legítima contra injustiças, mesmo feita por Deputados, é considerada atentado à segurança nacional e torna logo os Deputados do povo sujeitos à humilhação das “revistas” aqui mesmo à entrada desta chamada “Casa da Democracia”; o parlamento. O Executivo pretende fazer-nos aprovar uma lei para nós mesmos o autorizarmos a revistar-nos! Para não ser acusado de violar os direitos fundamentais.

Já que o Executivo foi à lei portuguesa, a CRP impõe que o despacho que autoriza a busca contenha uma descrição quer dos crimes investigados, quer dos meios de prova que se pretendem recolher, caso seja possível fazer tal determinação à priori.

No caso da proposta que o Executivo nos traz, não se exige qualquer fundamentação. Não se descrevem os crimes investigados, nem os meios de prova que se pretendem recolher. Tudo vale. Será isso intenção de se “plantar” provas?

Olhemos para outras situações:


• O Artigo 186º da CRA confere ao Ministério Público a competência de “promover o processo penal” e de “dirigir a fase preparatória dos processos penais”. No Artigo 2º desta proposta de lei, o Nº 4 permite que os magistrados do Ministério Público deleguem as suas competências num polícia qualquer. O Juíz também pode fazer o mesmo. A pergunta que eu coloco é a seguinte: Serão delegáveis as competências do Ministério Público. E o que é que estaremos a pretender mudar se as revistas e buscas podem ser efectuadas assim por qualquer pessoa, com tamanha anarquia?

Muito Obrigado, Senhor Presidente.