ANGOLENSE (ANG): Alguns partidos políticos, nomeadamente o MPLA e a UNITA, começaram já a sua pré campanha ou campanha, como consideram alguns analistas. Qual é o ponto de situação da FpD?
Filomeno Viera Lopes (F.L.): Antes de mais, agradeço o convite deste jornal, que nos dá a possibilidade de falar sobre o nosso trabalho. Neste momento estamos a preparar o partido para termos uma boa prestação nas próximas eleições. Estão em curso um conjunto de acções, sobretudo no domínio da concessão e da organização para que o partido possa concorrer. A lei exige que a Frente para a Democracia tenha que ter 15.000 subscritores para que apresente a sua candidatura, um trabalho que já está a ser feito. Por outro lado, estamos a transformar a nossa organização para estar capaz de fazer as tarefas de campanha eleitoral, mas também estamos a preparar os instrumentos da estratégia eleitoral, estamos a afina-los. Em rigor, ela foi aprovada na nossa convenção, mas temos que preencher as lacunas que esta estratégia ainda tem.

ANG: Já definiram objectivos específicos a alcançar?
F.L.: A primeira posição é que a Frente para a Democracia tem objectivos específicos nesta eleição, que é constituir um grupo parlamentar forte, que possa intervir em todas as áreas da Assembleia Nacional. O Parlamento tem uma série de comissões, portanto, este grupo tem que ser capaz de intervir em todas as matérias. Por outro lado, projectamos ter um grupo parlamentar capaz de dar um contributo fundamental para a futura Constituição. Na próxima legislatura vamos ter como prato forte a revisão constitucional, por conseguinte, a Frente para a Democracia tem que ter um grupo parlamentar forte, que consiga oferecer boas propostas ao povo angolano, para que tenhamos uma Constituição que responda aos desejos da democracia, que não seja presidencialista. Sobre este aspecto temos um ponto de vista diferente. Também queremos um grupo parlamentar forte, que possa estar a altura de contribuir para a institucionalização da democracia. Podemos dizer que neste momento as instituições democráticas angolanas ainda estão coladas à cuspe e nós precisamos encontrar uma dinâmica em que o Parlamento possa contribuir para que estas instituições funcionem. Estamos também a projectar um grupo parlamentar que seja capaz de fiscalizar a governação e que esteja muito próximo do povo, captando os seus problemas e anseios, transformando isto em legislação. Temos uma governação que abandonou a sociedade, por esta razão, a Frente para a Democracia entende que a sua grande aliança é com os cidadãos deste país. Queremos chamar todos os sectores do país para conjuntamente formatar uma nova era para Angola.

ANG: Apesar de este ser um princípio consagrado na actual Constituição, a Frente para a Democracia acha que ainda não vivemos num estado de Direito e Democrático?
F.L.: Não, não. Estamos num estado partidário, não estamos num estado de Direito e Democrático. As instituições democráticas têm um défice de funcionamento muito grande, a relação entre o Estado e o cidadão não é ainda normal. Hoje, notamos que para que o cidadão tenha acesso a uma série de direitos tem que ser membro do partido que está no poder. É fundamental inverter esta situação, pelo que entendemos que o Parlamento tem que ter uma maioria de partidos capazes de enveredarem por um caminho que conduza a um Estado de Direito e Democrático. É neste sentido que entendemos que é importante conjugar esforços com outras forças políticas nacionais. Estamos a ter alguma dificuldade de termos um programa de coligação porque a Lei Eleitoral dificulta este estatuto, mas isto não significa que não vamos trabalhar com as outras forças políticas da oposição para controlar o Processo Eleitoral e depois vermos como é que podemos, no Parlamento, defender um programa que dê estabilidade para um Estado de Direito aos angolanos.

ANG: Nas primeiras eleições a FpD apresentou-se numa coligação que mais tarde resultou em alguns problemas. Ainda assim, vão apostar nesta via?
F.L.: Em 1992 tínhamos dois campos claros: o dos partidos políticos militarizados e o dos partidos civis. Era necessário sair da lógica da confrontação militar para uma lógica civil, com partidos que apresentassem propostas políticas para a transformação do país. Neste sentido, lutamos arduamente para que houvesse um campo de oposição civil democrática, pois, prevíamos que qualquer força militar poderia refutar os resultados eleitorais e nós podíamos voltar a guerra, por isso, era absolutamente indispensável, naquela altura, criar um campo político civil forte capaz de contrabalançar esta tendência. Quanto a nossa experiência, não é que o princípio de coligação não seja correcto, depende das conjunturas e é algo que se passa em todo o mundo, mas o que acontece é que existiram interferências grosseiras na coligação.

ANG: Interferências de quem?
F.L.: Começaram antes da coligação ter sido resolvida. Tivemos partidos que abandonaram a coligação porque tiveram compromissos com o partido da situação e, depois, sob pressão da guerra, num momento em que todas as forças políticas, mesmo civis, foram visadas, em que as lideranças políticas dos partidos civis foram presas, mesmo sem terem qualquer interferência militar. Parte do movimento político aterrorizou-se e o partido governante conseguiu dividir a coligação. Há várias formas de os partidos caminharem unidos. Em 2005, prevendo todo este conjunto de situações escrevemos para os partidos políticos que, naquela altura, tinham uma prática de luta comum a nossa. Apontamos vários caminhos para os partidos se unirem, trabalhando, por exemplo, para o controlo do registo eleitoral.

ANG: Que posição tem o seu partido sobre o facto de os angolanos residentes no estrangeiro não terem sido registados?
F.L.: Sempre defendemos que estes cidadãos deveriam ter sido registados e que haviam condições para o fazer. Temos embaixadas no exterior. Por outro lado, há organizações, no exterior, que se predispuseram a ajudar nesta tarefa, assim como cidadãos nacionais. Apesar de o partido da situação ter, há cerca de cinco anos, reconstituído todas as suas células no exterior do país, ter feito uma campanha profunda ao lado dos estudantes, da comunidade, dizendo que para se ter emprego em Angola tem que se ser do partido da situação, porque grande parte destes países vivem em democracia, o MPLA não tem a população no exterior como sua simpatizante. É a única razão que faz com que não haja registo no exterior.


"Temos cidadãos que vivem na ignorância perfeita"

ANG: Para além desta dimensão política, do ponto de vista social e económico o que é que a FPD trás como grandes propostas?
F.L.: A Frente para a Democracia tem uma luta, muito desenvolvida no país, pela cidadania, porque entendemos que o cidadão deve intervir em todos os domínios da vida pública. Defendemos que o espaço público deve ser ampliado, quer através da imprensa, quer através de debates que possam ter consequências públicas. Defendemos um modelo de democracia participativa. Não entendemos que depois do cidadão votar passa um cheque em branco para que os senhores deputados façam o que bem entenderem. Achamos que é possível organizar a sociedade, inclusive, com algumas formas institucionalizadas, em que o cidadão possa participar de maneira autónoma e, muitas vezes, de maneira conjugada com as entidades de direito, na base de todo um conjunto de programas. A organização do Orçamento Geral do Estado pode ser participativa, em que seja possível auscultar os vários sectores da vida nacional, inclusive de base, para que haja uma clara definição de prioridades. Naturalmente que esta ideia também pressupõe que a FpD estabeleça para o país um plano estratégico que seja consensual. Entendemos que após as eleições temos que ter um debate muito profundo, porque neste país nunca se sentou para se pensar de maneira profunda. Vivemos um período colonial, depois, a independência não produziu um debate entre todos os angolanos porque envolvemo-nos logo numa guerra que terminou há seis anos, período em que não criamos condições para o debate público efectivo para estabelecer as bases do Estado e a via estratégica consensual. Sentimos que há um controlismo claro sobre a esfera social. A grande opção prática da FpD é exactamente retirar todo este controlismo da esfera social. Em Angola há muita ideia perdida, muita coisa que deixa de ser feita e não acreditamos que seja possível governar um país como este sem o concurso muito claro da sociedade civil.

ANG: O partido que dirige tem se destacado por vários comunicados públicos e por realizar encontros que discutem temas de grande importância para o país. Contudo, é ainda visto, em alguns círculos, como um partido elitista, com discurso erudito e pouco colado as massas. O que tem a dizer sobre isto?
F.L.: O meu comentário é simples: trata-se de um partido que se bate por questões sociais, que demostra ideias muito claras na luta contra a pobreza. Os seus dirigentes e militantes têm participado em todos os eventos promividos pela sociedade civil que abordem este problema. Este partido tem estado ao lado do povo quando sofre repressão por ter ocupado um terreno para erguer uma casa e o Estado entende demolir a residência. Trata-se do partido que apoiou os moradores da Boavista, que apoiou e tem estado a apoiar os moradores do Gika. Procuramos organizar, aí onde há lutas, a própria sociedade, para que possa defender os seus interesses. Temos estado aí sem interesse de chamar estas pessoas para se filiarem ao partido. É natural que todo este trabalho não tenha relevância nos órgãos de comunicação social. Os que têm maior abrangência são órgãos públicos, pois não acompanham o trabalho deste partido. Temos realmente um grupo de intelectuais no partido que se preocupa em analisar estes problemas e que tentam ter uma prática política que seja capaz de dar coerência aos nossos princípios. Não acreditamos que ideias sem práticas políticas ao lado daqueles que sofrem possam ser muito válidas ou operacionais. Intervimos nas questões dos próprios cidadãos, Ali onde há um problema, nós estamos. Em Cabinda, por exemplo, temos muito trabalho político com as associações de Cabinda. A FpD também tem se notabilizado por uma defesa muito clara dos Direitos Humanos, muito violados em Angola. Não é um partido elitista, é um partido inter-classista.

ANG: Não será que o discurso demasiado erudito acaba por não ter o efeito necessário sobre as massas, apesar da actuação que focou?
F.L.: Nós não temos meios de comunicação social de massas, onde os partidos podem participar e abordar os problemas sociais. Temos uma televisão que não faz um debate contraditório. Naturalmente, se a televisão abrir espaço para nós, vamos oferecer uma linguagem que as pessoas vão perceber. Estive no Kwanza-Norte, onde falei com os jovens, estive em Malanje, onde conversei com camponeses e o nosso discurso foi claramente percebido. Há em Angola um défice de contacto directo entre os cidadãos e os políticos, a maior parte dos partidos têm esse contacto na base do comício, na base do comissário político. A Frente para a Democracia tem tido este contacto. Recentemente, no Cula-Muxito, em Malanje, os camponeses que estiveram presentes numa sessão connosco tinham dúvidas sobre o que iriam pedir ao partido político, se iriam pedir enxadas ou tractores. Depois de conversarmos perceberam que a política tinha outra função que não a doação de produtos. Perceberam bem que uma força política pode doar uma enxada, mas se não tiver políticas para eliminar a cólera, amanhã, a pessoa que recebeu a enxada morre, por falta de intervenções públicas, políticas para mudar a situação. Temos um desequilíbrio social, temos riquíssimos de um lado e pobres do outro. Temos cidadãos que vivem numa ignorância perfeita. Em Malanje, apercebi-me que, inclusive, professores primários não sabem que tipo de eleições teremos em Setembro deste ano. Isto é gravíssimo!
 
 
"A nossa economia gira em torno do poder político"

ANG: No campo económico, Angola está neste momento com um dos índices de crescimento invejável. O que é que nos falta para fazer coincidir crescimento com desenvolvimento?
F.L.: É preciso uma política de desenvolvimento que não existe, uma profunda preocupação com o social, assim como colocar o homem no centro das nossas preocupações. Quando falamos em desenvolvimento não estamos a falar na construção de prédios, nem de vias, estamos, sobretudo, a falar do homem. Há um défice no tratamento destas questões porque se está a ver a economia como um mero conjunto de empresas que fazem alguns produtos. Toda a nossa economia gira em torno do poder político. Hoje, os grandes empresários são os políticos, há esta promiscuidade, o que dificulta a formulação de políticas públicas abrangentes. Temos uma oportunidade na base da militância política e do clientelismo político, que evitam que aqueles que são da oposição possam ter as mesmas oportunidades.

ANG: A FpD tem no seu seio uma nata de intelectuais que labora nas mais diversas esferas do país, incluindo a pública. Sentem também esta marginalização?
F.L.: Grande parte dos dirigentes da FpD ou foi expulsa dos sítios em que estava ou foi exonerada ou teve que abandonar os postos, por causa desta política de descriminação.

ANG: Faz parte desta lista?
F.L.: Também faço parte deste lote, assim como grande parte dos meus colegas que integram a direcção. Os que permaneceram nos cargos abandonaram as suas posições de direcção. Temos muitos membros, que foram candidatos a deputado pela FpD, que hoje estão em posições públicas relevantes, mas tiveram que abandonar a sua militância activa. Tiveram de o fazer quase que por razões de sobrevivência.

ANG: Como mudar esta tendência?
F.L.: Através do debate, da consulta das populações. Através de um factor extremamente importante, que é a educação. Temos que fazer um investimento grande na educação. Não basta construir escolas. Estive recentemente no Instituto Médio Agrário e o Jornal Angolense não faz parte da biblioteca daquele instituto, como nenhum outro semanário e nem o Jornal de Angola. Como é possível formar o cidadão, quando ele está num instituto médio e não tem acesso a informação diária, quando você até tem estudantes internos? A minha filha está na sexta classe e só conseguiu dois livros neste programa do Ministério da Educação. Há um défice profundo na educação. Uma das ideias da Frente para a Democracia é a criação de um sistema de ensino em que a criança vai ficar mais tempo na escola, que entre de manhã e saia quase no fim da tarde. Isto porquê? Grande parte dos cidadãos angolanos não tem capacidade de pagar uma creche. Com 68% da população a viver com um dólar e meio por dia, grande parte dos pais não tem condições de dar uma refeição diária condigna aos filhos e nem de colocar a criança em frente a um computador. Se comprarmos, a relação de uma criança angolana com os meios modernos de informação e de comunicação é completamente diferente de uma criança francesa. É preciso ter em mente que daqui há dez anos estas crianças estarão numa mesa de negociações. Não há um sistema de transportes públicos. Se eu for aos Estados Unidos da América, um país capitalista, há um sistema de transporte escolar, porque há uma preocupação profunda relativamente a questão da educação. Por exemplo, se 30% das receitas das empresas de jogo revertessem para a educação já seria um contributo. A verdade é que grande parte das receitas do país não vai para o Ministério das Finanças. Havendo problemas como estes, a nível da sociedade, é preciso que o Estado assuma algumas funções.

ANG: Não estaremos aqui a comparar realidades com um historial e contexto muito diferentes?
F.L.: As realidades são diferentes mais são comparáveis. Conhecemos realidades que eram como as nossas, há 20/30 anos atrás, mas que ultrapassaram a situação porque investiram na educação, como o caso da Malásia ou a Irlanda. A educação formata tudo.

ANG: Para onde vão então as receitas do país?
F.L.: Vão para outros caminhos. ANG: Essa política iria implicar a redução do número de crianças por escolas e obrigaria a construção de novas escolas para atender esta carência.
F.L.: Temos de fazer um investimento brutal na educação. Acabamos de fazer um estudo sobre a situação da criança com foco também para a componente de educação, da saúde e assistência social em relação as crianças. Neste momento não tenho o número certo em mente, mas posso garantir-lhes que Angola gasta muito pouco e não tem comparação absolutamente nenhuma com o que se gasta por cada criança em todos os países da África Austral.

ANG: O que está aqui a dizer-nos é muito bonito no discurso. Todos os partidos que têm estes planos mas nunca estiveram no poder. Não estará aqui em causa a velha questão de que é muito fácil dizer, mas difícil mesmo é fazer?
F.L.: Não, não é fácil dizer, sobretudo com esta substância. Falamos porque temos uma prática social, porque estudamos profundamente os nossos problemas e estamos a procura de respostas adequadas. É fácil falar superficialmente. Para um tagarela talvez seja fácil falar algumas coisas, mas não é fácil descobrirmos as vias sobre as quais os problemas devem ser resolvidos.

ANG: O país caminha para as eleições numa altura em que alguns partidos políticos optam por um discurso musculado. Como encara esta questão?
F.L.: Achamos que é mau. Temos que aprender com o passado. Agita-se muito a questão da guerra como factor que impediu que tivéssemos maior progresso. Ao mesmo tempo, estamos a ver políticos que atiçam a população, não conseguem ter uma linguagem de equilíbrio, sobretudo, porque não têm proposta política. O MPLA não tem proposta política para o país, digo isto porque aquilo que prometerem vai merecer uma pergunta por parte da população: porquê que não fizeram antes? Houve guerra sim, mas as responsabilidades neste caso são partilhadas. O facto de termos estado em guerra deveria levar a uma política de austeridade. Como foi possível numa conjuntura de guerra, termos um regime de alta corrupção, por parte da direcção política do país?

ANG: Com o trabalho que tem sido feito não só pela FpD, mas pelo esforço dos outros partidos da oposição, acredita numa eventual vitória da vossa parte?
F.L.: Os dados não são ainda completamente seguros de que estas eleições poderão ser disputadas da melhor forma. Queremos fazer um apelo maciço à população para colaborar neste processo eleitoral. Há muita apatia por parte de muitos cidadãos, estão apreensivos, pois os cidadãos continuam a ser perseguidos. Cada vez que um cidadão aborda um assunto há sempre um elemento do SINFO por perto. Se o descontentamento que observamos na população se transformar em votos não vamos, certamente, ver o partido no poder renovar o seu mandato.

* Suzana Mendes e Emanuel João
Fonte: JornalAngolense.com