Paris – A mensagem da despedida da vida política do nacionalista Lopo do Nascimento mexeu com a consciência da sociedade angolana, sobretudo da classe política que se partilhou com ele o fardo pesado da luta pela independência e os valores do nacionalismo e do patriotismo que serviram de força motriz contra o colonialismo português.

Fonte: Club-k.net

Eu conheci, pela primeira vez, este nacionalista, em Luanda, em 1975, quando vinha de Paris, via Lisboa, onde tinha ido tratar a prótese da minha perna que se perdeu na mina antipessoal do Exército Colonial Português, na Frente Leste, onde me militei nas fileiras da UNITA, como combatente pela liberdade.

Foi através do José N’Dele e António Sebastião Dembo, que na altura faziam parte do Governo de Transição, que me deram acesso ao Lopo Nascimento, colega do José N’Dele, no «Colégio Presidencial Rotativo».

Este Colégio presidencial, na qualidade de Primeiros-ministros era composto por Johnny Eduardo Penoqui (FNLA), Lopo do Nascimento (MPLA) e José N’Dele (UNITA), sob o auspício do alto comissário português, general Silva Cardoso. O António Sebastião Dembo era Ministro do Trabalho do Governo de Transição, por parte da UNITA.

Nesta altura da minha passagem por Lisboa e Luanda, a situação política era já turva e tensa, que me criara a percepção de que, o Acordo de Alvor não teria pernas para andar. Enquanto no aeroporto de Lisboa, onde fui acolhido por comandante Bento Simões, ex-colega de carteira do Dr. Jerónimo Wanga, em Portugal, eram evidentes as movimentações intensas no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA).

O Brigadeiro Bento Simões era, nesta altura, o comandante das unidades estacionadas na região do Aeroporto. Deu-me a entender que havia muitas manobras no seio do MFA e o processo de descolonização de Angola já estava comprometida.

Por isso, ao desembarcar na pista de Kangumbe, no Moxico, tive que partilhar esta preocupação profunda com o Presidente da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi.

O Lopo do Nascimento, nesta época histórica, era uma das figuras mais prestigiosas e influentes junto do presidente do MPLA, Dr. António Agostinho Neto. Ele tinha o perfil nacionalista forte, um político da esquerda moderada, um pouco distanciado do sectarismo e do dogmatismo ideológico do Marxismo, Leninismo e Estalinismo, que vigorava no seio do MPLA, como doutrina do Partido-Estado.  

Portanto, a sua mensagem de despedida, no Parlamento, não me surpreendeu tanto. Ele, decerto, mereceu a ovação de todas Bancadas Parlamentares, num gesto de honra e de reconhecimento da sua visão e da sua contribuição patriótica à luta pela independência do País. Ponho-me de pé, diante está realidade, cuja singeleza e profundidade, apazigua o espírito e a alma de cada um de nós.

Em substância, há consenso sobre as teses que foram tecidas na sua mensagem de despedida, sobretudo do reconhecimento da Juventude como «força motora» da transformação e da edificação da NAÇÃO Angolana.

A visão, exposta nesta mensagem, de forma implícita, reprova as seguintes teses fundamentais da filosofia do MPLA: “O MPLA é o Povo; e o Povo é o MPLA.” “Um Povo e uma só Nação.” É muito bom termos um dirigente histórico do MPLA, do povo indígena do Cuanza Norte, que vem formalmente a público, para distanciar-se destas teses, cujas substâncias ideológicas fundam-se na base étnico-linguístico-cultural.

O Presidente Fundador da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi, ao longo de toda Luta de Libertação Nacional, já vinha condenar e contestar veementemente esta teoria antipatriótica. Os princípios do MUANGAI opunham-se implacavelmente, e já alertavam ao perigo que isso viria causar ao nacionalismo angolano, no seu esforço de construir uma NAÇÃO: UNA e INDIVISIVEL.

Uma NAÇÃO que seria aberta para todos e teria a capacidade de integrar toda a herança cultural dos povos de Angola – na harmonia e na igualdade, sem exclusão de qualquer natureza.

Nesta lógica, o que exclui os cidadãos em participar efectivamente na feitura da NAÇÃO e no usufruto equitativo da riqueza do País, não são os partidos políticos, nem os processos eleitorais. Mas sim, as doutrinas dos partidos políticos e as práticas dos dirigentes políticos.

Por outro lado, a ausência da prática democrática induz as pessoas a fazer uma leitura errada da democracia. Se os processos eleitorais são adulterados, não pode atribuir está falha, que pode resultar-se em estabilidades políticas e sociais, ao sistema eleitoral ou a democracia, como tal. Uma verdadeira democracia deve assentar-se sobre as instituições democráticas, orientada por princípios democráticos e exercida por democratas convictos.

Onde existe o rigor democrático, a transparência dos processos eleitorais, o respeito da vontade do povo nas urnas, a idoneidade e a imparcialidade do Conselho Nacional Eleitoral, não se regista as turbulências eleitorais que acontecem em todos cantos da África. Se pensarmos que, o que tem havido aqui, nos processos eleitorais, corresponde aos ditames da democracia real, então estamos a deturpar e a enganar a consciência da nossa Juventude.

A inclusão social não deve basear-se nos factores étnico-linguístico-cultural; mas sim, na cidadania, na solidariedade, na meritocracia e na competência. É o acesso livre ao mercado de trabalho; aos créditos bancários; ao comércio interno e externo; aos concursos; à educação e à formação académica e técnico-profissional; à saúde; à habitação; à água potável e à energia eléctrica; ao salário mínimo equilibrado; aos seguros sociais e de saúde para todos cidadãos; enfim, ao combate às assimetrias socioeconómicas em todo o país, através do OGE equilibrado e sustentável.

É através disso que se fazem a inclusão social étnico-linguístico-cultural. Uma inclusão social feita na base étnico-linguístico-cultural embocar-se-á infalivelmente nas rivalidades e na incentivação do tribalismo e do regionalismo étnico-linguístico-cultural.

Para sintetizar o meu raciocínio, é fundamental apoiar os camponeses, dando-lhes oportunidades de se tornarem produtores sustentáveis e agentes do mercado. É indispensável que as comunidades rurais tenham a segurança jurídica para o fomento rural.

 Não seria o confisco das terras comunitárias e entrega-las aos estrangeiros ou à classe dos políticos e dos generais que as transformam em negócios pessoais; escorraçando as populações locais dos seus bens, mergulhando-as na miséria, na fome e na pobreza, como acabou de acontecer na Chicala, na baixa de Luanda, cujos residentes foram despejados das suas casas e lançados nas terras inóspitas, na Kissama.

Acima disso, o acesso ao trabalho deve priorizar os angolanos, dando-lhes melhor salário e protege-los no seu posto de trabalho. Só assim que pode «produzir mais e distribuir melhor», no processo da coesão social. Mas, não é isso que acontece em Angola, pior um pouco nas empresas dos dirigentes do próprio MPLA.

O sistema das Autarquias e os princípios democráticos da separação dos poderes, da desconcentração e da decentralização política, económica, administrativa e financeira, visam efectivamente a inclusão étnico-linguístico-cultural de todos os povos de uma NAÇÃO.

Este sistema autárquico viabiliza a participação efectiva das comunidades locais no processo da administração das suas comunidades, do fomento rural e da distribuição da riqueza do País.

Num país como Angola, com um vasto mosaico étnico-linguístico-cultural, sem o sistema eleitoral para escolher o Chefe do Estado, os deputados e os governantes, quais seriam o mecanismo apropriado para resolver esta equação, tão complexa? Como seria a inclusão e a representatividade dos diferentes povos que compõem o País?

A não ser que se volte ao sistema do partido único ou se estabeleça uma espécie de uma monarquia, que assentaria num grupo étnico-linguístico-cultural mais influente, capaz de subjugar os outros. Acho que, não é isso que o Lopo do Nascimento esteja a conjecturar.

No fundo da questão, de tudo que aqui foi dito, a «pobreza e a distribuição desigual da riqueza» têm sido os factores principais que estão na origem dos conflitos armados e das instabilidades sociais e políticas que registam no continente africano. Isso resulta-se da corrupção, de desvios de fundos públicos e da fuga de capitais, protagonizados pela classe política no poder.

Portanto, quando abordamos esta problemática devemos ter coragem de apontarmos as verdadeiras causas que estão afundar as comunidades africanas na exclusão social, na dependência económica e no atraso técnico-científico e cultural. Não nos interessa escamotear as coisas e dar voltas, num gesto premeditado, tendente a atrapalhar a mente das pessoas.

Recentemente, na transição do ano, um dirigente do MPLA, membro do Bureau Político, exortara os militantes do seu partido para que houvesse o activismo político no sentido de estancar o fenómeno prevalecente, em que, a riqueza do país esteja a «cingir-se nas mãos de uma dúzia de pessoas». Isso que é verdade; valeu a pena; porque teve coragem de tocar no fundo da ferida. O acalcanhar de Aquiles é isso, que deve merecer a atenção de toda sociedade, sobretudo da Juventude.

Os problemas da África consistem também no autoritarismo que se assenta nos princípios totalitários. A democracia africana serve apenas de camuflagem para encobrir este tipo de sistema político.

Não se conformam com os princípios fundamentais da democracia, dos quais podem ser adaptados à cada situação concreta, de acordo com a realidade específica deste ou daquele espaço geográfico, racial, étnico-cultural e socioeconómico.

A democracia, por exemplo, que se pratica na França ou no Reino Unido, não é a mesma coisa com a dos Estados Unidos da América, do Brasil, do Canadá, do Japão ou da Austrália. Pois que, a democracia não é um dogma teológico, algo acabado, perfeito, indubitável ou inquestionável. Porém, é um processo contínuo que se desenvolve a medida da transformação social de cada sociedade.

Os princípios da democracia estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, solenemente aprovada pelas Nações Unidas, em Dezembro de 1948, no rescaldo da II Guerra-mundial.

Por isso, espanta-me quando isso é tratado como produto que vem do Norte. Na verdade, se a África tem desempenhado o papel de papagaio, do que vem do Norte; mas também não seria menos verdade dizer que, ela tem sido igualmente uma caixa-de-ressonância daquilo que tem vindo do Leste – da Ásia.

Nesta questão específica, o MPLA tem sido o maior papagaio da Rússia. Se não, vejamos! Os versos do papagaio, do marxismo-leninismo, do tempo to partido único, continuam bem estampados no muro do Hospital Militar Central, ao lado da Igreja Sagrada Família, no coração de Luanda.

Neste respeito, se vermos bem, o Karl-Marx e Friedrich Engels, os autores da ideologia do socialismo científico e da social-democracia, são alemães do Norte. Portanto, não acho ser tão plausível está argumentação ideológica.

Não é uma novidade nenhuma o desejo ardente de buscar uma «Fórmula Africana», que se adaptasse à realidade do Continente. Seria bem-vinda! Só que, essa formula tão almejada por africanos, sempre tem vindo à tona. Infelizmente, nunca veio a superfície. Assim sendo, eu duvido bastante se de facto virá emergir tão cedo.

No caso especifico de Angola, os elementos constitutivos para a formulação de um modelo africano de governação são muito limitados. Isso é devido o facto de que, desde independência os valores culturais do povo angolano têm sido sistematicamente destruídos pelo sistema político do MPLA. Esta campanha da desagregação da identidade cultural africana tem sido feita a favor da cultura crioula – de matriz luso-brasileira. Julgo ser o paradoxo!

Na senda desta tese, o essencial neste momento não é a africanização do sistema político, mas sim, a despartidarização e a despersonalização dos Estados Africanos. Só assim, será possível transformar, moralizar, socializar e democratizar todas as instituições do Estado.

Nas condições actuais, da partidarização e personalização absoluta da sociedade angolana, não será possível realizar reformas profundas do sistema político, que venha funcionar na prática e que permita os processos eleitorais justos, livres e transparentes.

Hoje, conforme estamos, todos os órgãos do Estado e toda riqueza dos pais, estão sob a tutela de um partido e de uma pessoa que faz o que entender, domestica e condiciona a vida de toda gente.

Para este efeito, é preciso um engajamento forte e inabalável da Juventude e de toda gente para despertar a consciência popular e desmontar esta máquina colossal que se ergueu desde 1975. As transformações alcançadas desde então permitiram alcançar algumas liberdades ténues, que podem servir de trampolim para que o País se transforme num verdadeiro Estado democrático e de direito.

A partilha do poder entre o MPLA e os Partidos da Oposição, nesta fase, não poderá resolver o problema da boa governação, da inclusão e da democraticidade. Mas sim, irá apenas credibilizar o regime actual, ganhar tempo e reforçar a sua capacidade para desfazer a Oposição e inviabilizar o processo dinâmico da construção de uma NAÇÃO – inclusiva e democrática.

As reformas teóricas, no quadro da legislação, não serão decisivas sem a mudança qualitativa do sistema político e da alteração da superestrutura actual do Estado. Para este efeito, é preciso um trabalho profundo e aturado da consciencialização do eleitorado e da alteração profunda dos mecanismos eleitorais, no contexto da despartidarização e da despersonalização do Estado exclusivista do MPLA.

Ali estará o crédito do Lopo do Nascimento e a proeza da Juventude para «se meter na trilha da construção da NAÇÃO Angolana». No fim de contas, a virtude da democracia reside no facto do povo ter o poder de eleger os seus representantes e governantes; tendo igualmente o poder de afastá-los destes lugares por via das eleições livre, justas e transparentes. Não está-se a referir às eleições adulteradas e manipuladas.

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