Luanda - É cada vez mais visível o número de indivíduos que, quando não estão bem estabilizados emocionalmente, possuem uma forte tendência para se refugiarem na embriaguês momentânea do álcool. Quando a "massa" termina o kimbombo ou a kapuca passam a ser primeira opção de consumo.

Fonte: NJ
O Periferia de Luanda. Ambiente descontraído. Eram 7 horas da manhã e lá estavam os adeptos da famosa kapuca e do kimbombo ou kaporroto, como preferirem. Rangel. Rua da Vaidade. Ao som de uma música da banda os consumidores fazem a festa. É assim todos os dias. E hoje, sexta-feira, a alegria só duplica. No local todo o tipo de preocupação fica para trás.

Não há filhos, mulher, marido, nem trabalho. O objectivo aqui é esquecer tudo. Mas a verdade é que estas pessoas um dia foram alguém na vida. Belucha, grávida e mãe de 5 filhos "sem pai", desesperada, arranjou um novo parceiro: o kimbombo. "Ela vem sempre bem cedinho. É quase sempre a primeira. Abandona então os filhos em casa", conta a sua amiga mamoite Graça, que também frequenta o mesmo local.

Belucha reconhece os danos que o kimbombo já trouxe na sua vida, mas tentar superar este vício, e percorre os mesmos caminhos que uma vítima passa ao tentar libertar-se doseu sequestrador. "Quando fiquei sem trabalho e com muitos problemas comecei a beber à toa. Comecei no vinho, depois fui na cerveja e quando o dinheiro terminou comecei a vir cá", revela Belucha.

"Aqui é bem bom. Mesmo sem dinheiro entorno", conta, numa linguagem bem popular. Senhor Chiquito é proprietário de uma das casas de kimbombo daquela rua. Faz a bebida há anos e conta com a ajuda da familia. "O kimbombo e a kapuca vêm dos nossos antepassados e são bebidas tradicionais", revela. Mas acrescenta que são muitas vezes consideradas "bebidas sujas" ou vergonhosas porque as pessoas que bebem são geralmente as que não têm dinheiro nenhum. "Conseguem uns 10 ou 20 kwanzas. Basta para saciar a sede. Mesmo quando não têm dinheiro aparecem pessoas a oferecer", revela Chiquito.

A natureza deste vício é auto-destrutiva. "Para beber isso a pessoa tem que saber alimentar-se para não inflamar a cara, rebentar os lábios ou apanhar tuberculose", revela kota Piedade, que por sinal é o mais velho da casa e o mais experiente.

REFORÇO POSITIVO E PUNIÇÃO

Falar do viciado em kimbombo ou em kapuca é falar de uma pessoa que já está enfeitiçada para chegar até este nível. Assim consideram os familiares de um dos consumidores. Eles acreditam que, ao invés das pessoas se afeiçoarem ao sequestrador, afeiçoam-se ao vício.

Amargurado, jovem criador e consumidor da famosa "jurupica ou amargura", que é uma fusão do kimbombo com o whisky The Best, desde que entrou no vício envolveu- se em situações psicossociais desagradáveis, como desestruturação familiar, desestruturação psíquica, desemprego, solidão, crime e marginalidade.

Consciente das consequências, considera o vício por estas bebidas como um dos piores. "Leva-te então até à morte. Mata milhares de pessoas e leva ao crime. Já fui preso muitas vezes e fui condenado a 20 anos de prisão. Mas fugi", conta, de forma despreocupada.

Tchutchu, como é conhecido, tem consciência do quão prejudicial é continuar a alimentar comportamentos inadequados. Estas situações causaram-lhe grandes transtornos em todas as áreas da sua vida. No entanto, paradoxalmente, Tchutchu vive entre o reforço positivo, afeiçoando-se ao vício e à punição. Mas tem consciência do mal que faz. "O que devo fazer?", questiona. "Se isto me ajuda a reduzir os sentimentos dolorosos e angustiantes".

"O problema é nosso" "Se queres beber, o problema é seu. Se queres parar de beber, o problema é nosso" - este é o slogan do grupo "Viver sóbrio", promovido pelos Alcoólicos Anónimos de Luanda. Como qualquer outra doença o alcoolismo atinge todo tipo de pessoas. O grupo, que reúne todos os domingos às 18 horas, numa das salas da Igreja Sagrada Família, agrupa geralmente homens e mulheres que aceitam a sua condição de alcoólico.

"O único requisito para ser membro é o desejo de parar de beber", referiu Mateus (nome fictício), um dos responsáveis do grupo. Mateus é um dos co-fundadores do grupo de Alcoólicos Anónimos. Viveu durante muito tempo nesta "doença", como considera. "Como tive problemas durante muito tempo com o álcool, decidi trazer o grupo para Angola em Maio de 2009.

O grupo já existia noutros países", revela. Para o grupo, o alcoolismo é uma doença progressiva, espiritual e emocional mas também física. "Os alcoólicos que conhecemos parecem ter perdido a capacidade de controlar a sua maneira de beber", revela Mateus. Uma doença que nunca poderá ser curada, mas que, à semelhança de outras doenças, pode ser detida. "Estamos de acordo que não há nada de vergonhoso pelo facto de se ter uma doença, desde que encaremos o problema honestamente e procuremos fazer alguma coisa em relação a isso".

As reuniões são frequentadas por pessoas que algum dia estragaram suas vidas, caíndo no álcool mas que depois de um "despertar" deram um basta. "O grupo não é para quem precisa mas para quem quer". As reuniões são geralmente frequentadas por mais ou menos 12 "doentes". Entre eles estão três mulheres.

Na reunião, os participantes analisam a reflexão do dia. Mais tarde seguem-se as partilhas livres onde cada um partilha o que lhe vem na alma. Com o objectivo de ajudar os outros a superar este problema o grupo não olha para o alcoolismo como vício, mas sim como doença. "Bebíamos por tudo e por nada.

Encontrava-se sempre pretexto só para poder beber", revelam outros participantes em conversa com o Novo Jornal. Mateus, o responsável do grupo, reconhece que é preciso falar e divulgar mais informações sobre os Alcoólicos Anónimos e espera que todos ajudem os que ainda enfrentam o problema do alcoolismo.