Luanda - Hoje, 21 de Fevereiro de 2014, e pela primeira vez desde que foi aprovada a Lei Nº 13/12, de 2 de Maio, que torna obrigatórios os debates mensais, realizou-se o primeiro desses debate. O Tema foi a "Criminalidade", e a proposta foi feita pelo Grupo Parlamentar da UNITA. Eis a intervenção da bancada parlamentar da UNITA ao debate:

Fonte: Club-k.net

Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Ilustres Auxiliares do Titular do Poder Executivo;
Dignos Deputados, Representantes do Povo de Angolas;
Minhas Senhoras e meus Senhores:

Inauguramos hoje uma nova era na nossa vida parlamentar, com a realização deste primeiro debate mensal, conforme imposição prevista no Nº 2 do Artigo 115º da Lei Nº 13/12, de 2 de Maio.

Hoje, por sugestão do Grupo Parlamentar da UNITA, estamos a abordar a problemática da “Criminalidade”, que algumas vozes carregadas de demagogia dizem não ser coisa que mereça preocupação.

Aliás, a olhar para o Relatório produzido pelos presidentes das 1ª, 2ª e 10ª Comissões, com data de 14 de Fevereiro, vemos isso mesmo: que a criminalidade é normal, que mora em qualquer parte do mundo... mostra quadros comparativos que indicam que qualquer país do mundo está pior que o nosso, mesmo se a comparação é feita com as grandes plataformas mundiais da droga.

Não sei se a comparação pretendida é nesses parâmetros: a droga. Mas como diz o Relatório, a comparação foi feita em, e eu cito, “países selecionados”, não se sabendo qual foi a base dessa selecção. Mostram-se estatísticas pouco fiáveis em que o “roubo de viaturas” só tem lugar em Luanda, a “violência doméstica” só ocorre em Cabinda; o “rapto”, apesar de ter uma cifra (14 casos), não ocorreu em província nenhuma, enfim....

Excelência Senhor Presente;
Ilustres Deputados;

A Criminalidade não pode ser vista de ânimo leve, sob pena de estarmos aqui a fazer exercícios de demagogia barata. O assunto é sério, razão que, aliás, justifica estarmos aqui nesta manhã de sexta-feira, 21 de Fevereiro.

Devo lamentar o facto de não estarem presentes nesta sala e para este debate o Senhor Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, bem como os titulares das pastas do Interior, da Justiça e Direitos Humanos, da Reinserção Social, da Juventude e Desportos e, porque não, o da Educação, por razões óbvias.

E porque o “debate mensal” é sobre “um assunto de relevância nacional ou internacional”, nos termos do Nº 2 do Artigo 115º, da Lei 13/12, de 2 de Maio, o Nº 3 do mesmo artigo fala na participação de “Ministros de Estado e Ministros”, sem qualquer desprimor para os dois ilustres Secretários de Estado aqui presentes.

Também é uma forma de o Executivo mostrar que se preocupa, de facto, com o fenómeno “Criminalidade”. Até porque, apesar de todas as minimizações que se queira fazer, o Jornal de Angola, deste dia 21 de Fevereiro de 2014, traz uma matéria onde, em Benguela, o Senhor Comandante-Geral da Polícia Nacional indica que os índices de criminalidade estão a preocupar a Polícia.

Lamentamos, por outro lado, que aos angolanos não seja permitida a possibilidade de acompanhar, em tempo real, este debate. Os angolanos vão ter de se contentar com as nesgas de informação que lhes forem oferecidas, mais tarde, se Deus quiser.

A criminalidade no país tem de ser abordada na vertente dos que apontam a pistola para a cabeça do seu irmão ou irmã, para lhe roubarem o telefone ou a carteira, o carro ou o televisor; mas a nossa análise não se pode ficar por aí.

Temos de debater igualmente os crimes do “colarinho branco”, daqueles que andam pelas capitais europeias e outras a passear-se com o dinheiro que é pertença dos angolanos; a vender as nossas filhas e irmãs, enquanto compram outra mercadoria humana que trazem para Angola; daqueles que vivem e convivem com a corrupção endémica que representa, essa sim, uma verdadeira ameaça à segurança nacional, na dimensão em que a reconheceu o Senhor Presidente da República, logo após o fim da guerra entre o Governo do MPLA e a UNITA; os crimes dos órgãos do Estado que roubam a vida aos cidadãos; os crimes políticos, sempre praticados mas nunca admitidos, mesmo estando em face de uma Constituição que defende a vida acima de tudo o mais.

Senhores Deputados,

A criminalidade tem de ser analisada nas suas causas para passarmos para os mecanismos de a minimizar. Não podemos olhar para a criminalidade e dizer “há criminalidade em toda a parte do mundo; o aumento da criminalidade é apenas uma ‘ideia’; etc., etc., etc.

Não, meus senhores! Seria ingenuidade pensar assim, quando a criminalidade, no nosso país, independentemente de quem a pratique, até reclama a vida de deputados. Ou será que a nossa memória ficou assim tão curta que nos tenhamos esquecido da nossa querida Salukombo, ou dos não menos queridos Mfulupinga Landu Víctor, Simeão Manolo e Ngalangombe?

É preciso admitir que a criminalidade existe, sim, preocupa, sim, e é fruto da corrupção galopante, da impunidade e das más políticas de governação adoptadas pelo poder instalado no país. A exclusão da maioria dos angolanos, o não respeito pelas imposições estabelecidas na Constituição, nomeadamente o cumprimento das “tarefas fundamentais do Estado”, perfeitamente previstas no Artigo 21º, de “criação de condições para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos”; de “promoção do bem-estar, da solidariedade social e a elevação da qualidade de vida dos angolanos”; da “erradicação da pobreza”; da “promoção da igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos, sem preconceitos de origem, raça, filiação partidária e outras formas de discriminação”; coisas que a Autoridade do Estado não faz, é isso que está na base da criminalidade no nosso país.

O amordaçar do poder judicial, retirando a independência aos tribunais e impondo a muitos juízes a lei do pensamento não com a cabeça mas com o estômago; O cacete sobre a cabeça dos juízes que “ousam” fazer justiça, mantendo-se obedientes à Lei e apenas a ela; são todas causas que levam a essa criminalidade que vemos proliferada nas ruas de Luanda e de outras cidades do país. É o fornecimento da “escuridão” – na incapacidade de fornecimento de “luz” – que propicia o ambiente desejável aos criminosos.

Excelência Senhor Presente;
Ilustres Deputados;

Para não me alongar em exemplos cuja lista se afigura interminável, devo dizer que bastaria sermos dotados de maior humanismo, maior espírito de justiça, mais solidariedade, menos corrupção, etc., e termos as estruturas a funcionar em conformidade com as normas, quer nacionais, quer internacionais, para vermos minimizado o fenómeno da criminalidade no país. Por outro lado, quem tem a missão de combater a criminalidade não se pode colocar na linha da frente da prática de crimes, de qualquer espécie.

Excelência Senhor Presente;
Ilustres Deputados;

Nessa luta contra a criminalidade, encetada pelas autoridades vocacionadas para o efeito, começam a surgir coisas que nos preocupam e sobre as quais não podemos deixar de falar. Por orientação de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, nas vestes de Presidente do MPLA, parece estarem a ser reavivadas as Brigadas Populares de Vigilância, já falecidas, que antes eram Organização de Defesa Popular – ODP.

E a referência feita no Relatório que aqui nos foi apresentado, nas “Conclusões” inscritas na página 16 desse relatório, não podem deixar margem para quaisquer dúvidas: está-se a sugerir, e eu cito, “a necessidade de colaboração das forças vivas da sociedade na tarefa de prevenção da criminalidade” – fim de citação.

Excelência Senhor Presente;
Ilustres Deputados;

Seguimos, com bastante apreensão, a iniciativa policial de criar, a começar pelo município do Cacuaco, aqui em Luanda, as chamadas “Brigadas Comunitárias de Vigilância”. Será que alguém nos poderá dizer qual a dimensão política dessas “Brigadas”, qual o seu papel, bem como o seu enquadramento jurídico-legal, à luz do que é permitido e permissível pela Constituição da República de Angola?

A solução para o problema da criminalidade não pode residir na criação de ‘estruturas de vigilância comunitária’ nem na criação do que chamam de "outros agentes que actuam em prol do bem-estar, da ordem e tranquilidade públicas das comunidades em que estão inseridas”, como advogou recentemente o Titular do Poder Executivo, nas vestes de Presidente do MPLA.

E porque não? Porque num Estado de Direito, os agentes da ordem e tranquilidade públicas não são criados nem controlados por Partidos políticos. Num Estado de Direito democrático os agentes de prevenção e combate ao crime não são organizações de massas dos partidos políticos ou controlados por eles. São funcionários da Administração Pública ou das autarquias locais, treinados para respeitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, e para servir a comunidade sob a supervisão de representantes eleitos legitimamente pelos cidadãos.

Num Estado de direito democrático, não há ‘brigadas populares de vigilância’ nem ‘estruturas de vigilância comunitária’ para fazer trabalho político e ideológico, incluindo a recolha de dados de inteligência, nem para ‘vigiar’ a vida privada dos cidadãos, seus negócios, sua filiação política ou credo religioso, e dela prestar informação às estruturas do poder.

Esta prática, introduzida no país em Agosto de 1983, com a incorporação, treinamento e organização de cerca de 30,000 ‘brigadas populares de vigilância’, terminou há quase duas décadas, na sequência da conquista da democracia, pelos angolanos. Devemos, no entanto, dizer que, informações recentes, em nossa posse, dão conta de que, pelo menos no Planalto Central, a desactivação dessas brigadas foi inconclusiva. É preciso averiguar.

Hoje, a Constituição não autoriza o Presidente da República a reeditar as falecidas Brigadas Populares de Vigilância, mesmo que as baptize de “estruturas de vigilância comunitária’ e invoque, como necessidade, o combate à criminalidade.

A natureza orgânica, a cultura política e a actividade dessas intencionadas ‘estruturas de vigilância comunitária’ ofendem os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, pois constituem ‘limitações’ e ‘restrições’ ao seu livre exercício. Ofendem igualmente o princípio da igualdade dos cidadãos e atentam contra os fundamentos da República de Angola, nomeadamente a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política, e a democracia representativa e participativa, estabelecidos no artigo 2º da CRA.

Ademais, nos termos da alínea e) do artigo 164º da CRA, constitui reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional, e não do Presidente da República, legislar sobre quaisquer ‘medidas de segurança’ que se mostrem necessárias para combater a criminalidade.

Nesse sentido, já o legislador constituinte definiu as balizas para se combater a criminalidade menor no seio das comunidades. E tais balizas não são as ‘estruturas partidárias de vigilância comunitária’ que Sua Excelência o Senhor Presidente parece querer ressuscitar. Tais balizas são as autarquias.

As atribuições das autarquias, consagradas no artigo 219º da Constituição, incluem garantir a manutenção da ordem e da segurança nas autarquias, através de medidas de protecção civil e da organização de uma polícia municipal, que seja responsável perante órgãos autónomos, democraticamente eleitos pelo povo de cada município.

Nesta conformidade, e tal como estabelece o artigo 226º da CRA, o simples anúncio do Presidente da República da intenção de criar ‘estruturas partidárias de vigilância comunitária’, constitui, no mínimo, um acto inválido, inconstitucional, por violar princípios e normas consagrados na Constituição.

Senhor Presente;
Ilustres Deputados;
Caros Auxiliares do Titular do Poder Executivo:

Não viemos aqui hoje para propor ou reclamar julgamentos de quem quer que seja. Viemos para, de forma construtiva, dizer que a criminalidade é um assunto que merece a preocupação de todos nós, sendo preciso olhar para o fenómeno de frente, com realismo, com verdade e procurar remédios que possam, por um lado, abortar o seu crescimento e, por outro, minimizar não só a sua existência como os seus efeitos que, devemos reconhecer, são nefastos.

Se formos dotados de coragem e espírito de solidariedade; coragem para colocar o dedo na ferida; coragem para fazermos “mea culpa”; coragem para corrigir o que está mal e que não é pouco; e espírito de solidariedade para tratarmos o nosso irmão como nos tratamos a nós mesmos, olharmos para o irmão apenas como isso e não crucificá-lo ou relegá-lo ao fundo do baú por ser diferente ou pensar diferente, podemos ter um país melhor.

O desafio está lançado.

E eu perguntaria, para terminar, o que é que virá depois deste debate? Ficar-nos-emos por isto mesmo? Uma mera troca de ideias? O Grupo Parlamentar da UNITA propõe que, em sessão futura, se aprove uma Resolução sobre a matéria. Nós encarregar-nos-emos de produzir o Projecto de Resolução.

Muito Obrigado Senhor Presidente

Raúl Danda