Luanda – O elevado desemprego em Angola, fruto do ainda reduzido número de postos de trabalho disponíveis  torna incompreensível o comportamento absentista de muitos empregados.

Fonte: JA
Todos os dias, são publicados no Jornal de Angola inúmeros anúncios de empresas cujos empregados não comparecem há vários dias, sem qualquer justificação, no local de trabalho. Uma situação que atinge, em particular, os privados.

Decorridos cinco meses desde que abandonou o emprego de motorista numa empresa de segurança, sem que tenha justificado os motivos da sua atitude à entidade patronal, Adolfo Paulo, de 33 anos, reconhece que não teve um comportamento ético.

Na altura, considera ele agora, foi a solução que encontrou, mas hoje teria agido de maneira diferente. A proposta de emprego numa escola de condução era aliciante. O salário permitia-lhe melhorar as condições de vida e passava a ter tempo para dar continuidade aos estudos.

Nos dois primeiros meses de trabalho as coisas correram de feição, mas a partir do terceiro surgiram as primeiras complicações que, com o passar do tempo, se avolumaram. “Admito que não estava satisfeito com o meu anterior emprego, mas a experiência fez-me ver que não custa nada avisar que queremos ir embora, porque nunca se sabe o dia de amanhã e, em qualquer emprego, existem divergências e também coisas boas”, reconhece Adolfo Paulo.

Embora a decisão de partir em busca de novo emprego, ou projecto de vida, tenha os seus pontos altos e baixos, a vontade de enfrentar um novo desafio fala mais alto. “Por enquanto, nem sei que fazer quanto à minha continuidade ou não no emprego”, confessa Noémia Cipriano, que há mais de 15 dias está ausente do local de trabalho, sem que tenha apresentado justificação.

O seu ainda patrão não tem conhecimento da sua pretensão de abandonar o serviço, uma vez que ela nunca lhe confessou que o salário que aufere não lhe permite dar uma vida digna aos filhos.

É com viagens que faz à China na qualidade de comerciante que, ultimamente, tem conseguido dinheiro para sustentar a mãe e os irmãos. “São necessidades da vida”, justifica. A maior parte das pessoas que optam por abandonar o emprego são jovens, empregados com contrato a prazo ou insatisfeitos com as condições laborais.

Suzete, por exemplo, faz um tremendo esforço para conseguir ser admitida numa empresa de construção civil. E foi através dela, também, que a sua amiga Magda acabou por ser contratada. Quatro meses depois, as duas deixaram de aparecer no local de trabalho sem deixar rasto.

Sem saber como localizar as duas trabalhadoras, a entidade patronal viu na publicação de um anúncio no jornal a possibilidade de alertar as faltosas, um mecanismo que não surtiu o efeito desejado.

“Ainda na semana passada publicámos uma lista a solicitar a comparência de 11 trabalhadores, que se encontram ausentes da empresa sem qualquer justificação”, assegurou um colega das duas funcionárias desaparecidas do local de trabalho.

Preocupada com o número crescente de casos, a inspectora-geral do trabalho adjunta, instituição afecta ao Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social, Nzinga Costa, garantiu que está em preparação um encontro com representantes das empresas mais afectadas para aferir ao pormenor os motivos do abandono.

CONTRA-SENSO

“Os números crescem e, nos contactos efectuados, os responsáveis das empresas alegam que os trabalhadores simplesmente deixam de aparecer e que para salvaguardar eventuais complicações no futuro fazem a comunicação dirigida ao trabalhador, de acordo com o que está estabelecido por lei”, disse.

Nzinga Costa refere que a prática de anunciar o abandono do trabalhador nos órgãos de comunicação social não está legislada, mas refere que se trata de uma prática adoptada há cerca de dois a três anos por algumas empresas, devido à dificuldade em localizar os trabalhadores, acabando por criar um efeito de bola de neve entre os empregadores.

“Existem dificuldades em localizar a morada das pessoas e com os empregadores não é diferente. Por exemplo, temos verificado que decorrido algum tempo após do início da actividade laboral, o local de residência do trabalhador já não corresponde à morada apresentada aquando da assinatura do contrato”, realçou.

Nzinga Costa critica aqueles funcionários que, por razões várias, não actualizam os dados pessoais na empresa e considera que os abandonos constituem um contra-senso, sobretudo tendo em conta a grande procura de emprego.

RELAÇÃO COMPLEXA

Apesar da publicação dos anúncios no jornal, a inspectora-geral do trabalho adjunta sublinha que, na maior parte dos casos, os trabalhadores não comparecem e o processo termina com um auto de abandono.

Sem um registo oficial, mas com evidências do número crescente de casos que configuram abandono do trabalho, Nzinga Costa considera que a relação jurídico-laboral entre empregadores e trabalhadores é complexa.

Admite que volta e meia acontecem situações desagradáveis, mas a experiência também demonstra que as partes envolvidas têm vindo a melhorar o comportamento. “Não temos dados consistentes, mas, em função das mudanças constantes e do seu carácter temporário, o sector da construção civil tem sido dos mais visados”, realçou.

Perante esta situação, a Inspecção-Geral do Trabalho pretende encontrar um mecanismo célere para punir o trabalhador que viola este direito emergente da relação jurídico-laboral.

RESCISÃO DO CONTRATO

De acordo com a Lei Geral do Trabalho, no ponto 4 do artigo 254, o abandono do trabalho é uma forma de rescisão do contrato sem justa causa e sem aviso prévio, e obriga o trabalhador a pagar ao empregador uma indemnização no valor do salário correspondente ao período de aviso prévio em falta. O mesmo artigo estabelece que há abandono do trabalho quando o funcionário se ausenta do local de trabalho com a intenção declarada ou presumível de não regressar.

“Presume-se a intenção de não regressar ao trabalho quando o trabalhador imediatamente antes ou depois de iniciar a ausência tenha declarado publicamente a intenção de não continuar ao serviço do empregador, celebre contrato com outro empregador, ou se mantém ausente por um período de duas semanas consecutivas, sem informar o empregador do motivo da ausência”, lê-se no referido diploma legal.

Quando ocorre qualquer uma das situações atrás referidas, a Lei determina que o empregador faça uma comunicação ao trabalhador, para a última morada conhecida deste, a declará-lo na situação de abandono do trabalho, se nos três dias úteis seguintes não provar documentalmente as razões da ausência e a impossibilidade de ter cumprido a obrigação de informação e a justificação da ausência.