Luanda - Ao ouvir o debate radiofónico da Ecleesia, do dia primeiro de Março, logo me emocionei, não só pelo tema, autarquias, mas fundamentalmente, face a introdução do professor universitário, Cavukila, que fez questão de mencionar ser apartidário e apenas estar ali comprometido com a academia. Bravo! É este o comportamento de um docente, pensei, orgulhosamente, com os meus botões. Mas ainda a procissão ia no adro e eis que, de repente, emerge a veia partidária do professor, mandando às urtigas a academia, em nome da ideologia: "o meu partido o MPLA sempre defendeu as autarquias, desde a primeira Lei Constitucional de 1975"… Nada de mais falacioso e se isso está a ser ministrado aos alunos é uma autêntica heresia académica.

Fonte: Folha8

A interpretação de uma norma partidária é diferente de uma norma jurídica, pois enquanto aquela assenta em caboucos ideológicos, como foi o caso da Lei Constitucional de 1975, a segunda pauta-se pela defesa de princípios de verticalidade doutrinal e de direito.

Quando o professor universitário, Cavukila, aponta o seu partido: MPLA, como sendo defensor das autarquias, por inserir no art.º 51.º, uma referência, falseia a realidade dos factos. Isto por a primeira Lei Constitucional, ter sido aprovada, exclusivamente, aos 10 de Novembro de 1975, pelo comité central do MPLA, logo não houve assembleia constituinte, integrando outros actores, nem mesmo legisladores.

Depois esta Lei é um amontoado de artigos desconexos, cujo debate à luz do direito constitucional sofrível, por não ter sequer uma arrumação lógica e ser bastante dúbio o articulado, pois não diz que elas são uma realidade eleitoral e democrática, mas que "as autarquias locais têm personalidade jurídica gozam de autonomia administrativa e financeira".

Logo este sentido está aquém de qualquer vontade de implantação de um poder descentralizado e autónomo.

Porquê?

A primeira Lei Constitucional, "aprovada por aclamação pelo Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola, aos 10 de Novembro de 1975", entrou em vigor às zero horas do dia 11 de Novembro de 1975, sendo as suas normas inconsequentes e nada programáticas, demonstrando um desconhecimento do que é ou serve uma lei mãe.

Alguns exemplos; Art.1.º "A República Popular de Angola é um Estado soberano, independente e democrático"(…). Como falar de democracia, sem eleições livres e participação de outras formações partidárias?

De seguido, o art.º 2.º diz; "toda a soberania reside no Povo Angolano. Ao MPLA, seu legítimo representante, constituido por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta anti-imperialista, cabe a direcção política económica e social da Nação".

Art.º 31.º O Presidente da República Popular de Angola é o Presidente do MPLA", e na alínea d) lê-se: Dar posse aos comissários provinciais, nomeados pelo Conselho da Revolução sob indicação do MPLA".

Depois, a colocação desta questão pode demonstrar uma certa desonestidade intelectual do professor Cavukila, por ele saber , que a o art.º 51.º estava ferido de eficácia, quanto a realização de eleições representativas como as autarquias, quando existia um órgão partidário de grande relevo, na Cosntituição, que era o Conselho da Revolução, vide art.º 35.º que diz (…) "o órgão supremo do poder do Estado é o Conselho da Revolução", sendo o órgão constituído, como capitula o art.º 36.º, "pelos membros do Bureau Político do MPLA, pelos Membros do Estado Maior das FAPªLA, pelos Membros do governo designados para o efeito pelo MPLA, pelos comissários provinciais, pelos chefes do Estado -Maiores e Comissários Políticos das Frentes Militares".

Mas se duvidas ainda existirem de a primeira Lei Constitucional ser um amontoado sem rigor constitucional, vamos ao art.º 48.º: "Na província, o comissário provincial é o representante directo do Conselho da Revolução e do Governo. O Governo é representado no Conselho pelo Comissário Local na Comuna pelo Comissário de Comuna e no Círculo pelo Delegado, os quais são nomeados sob indicação do MPLA". E vai por aí afora e no art.º 49.º "Em cada Província há uma Comissão Provincial, que é presidida pelo Comissário Provincial e que tem função legislativa em matéria de exclusivo interesse da Província", o sublinhado é nosso.

Ora quando se chega ao art.º 51.º, percebe-se do barroquismo dos autores deste texto constitucional e que ele apenas é uma figura caída ao acaso, cuja referência por um académico como exemplo, só pode significar um desconhecimento dos fundamentos do Direito Constitucional, pois acreditar e hastear bandeira de os membros do Conselho da Revolução do MPLA, alguma vez terem tido vontade da aplicação de um preceito constitucional de tão elevado simbolismo, será o mesmo que admitir, ter havido julgamentos, nos assassinatos de Maio de 1977. Se uma visão destas é passada, desta forma aos alunos do professor Cavukila, então estarão com muito poucos argumentos e preparação para um debate constitucional.

*Voltaremos