Luanda - Fontes do F8 denunciam a tentativa de determinados sectores da PGR (Procuradoria Geral da República), com maior incidência para o DNIAP, engendrarem uma forma de fuga para o exterior do país de Benilson da Silva, Tucayanu, alegado mentor da engenharia dos assassinatos de Alves Kamulingue e Isaías Cassule, antigos mili-tares da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), que reivindicavam uma melhoria das condições sociais de reforma dos ex-militares.
Fonte: Folha8
Benilson Pereira Bravo da Silva, conhecido por “Tucayanu”, fez-se passar, com a devida protecção das forças de segurança e devidamente instruído pelos serviços secretos do regime, do qual era um operacional de alto valor, por membro dos jovens revolucionários que contestavam a ditadura de José Eduardo dos Santos, bem como amigo dos que reivindicavam os seus direitos. Dessa forma atraiu para uma emboscada os seus supostos colegas Alves Kamulingue e Isaías Cassule. A operação terminaria com a morte destes dois jovens.
A notícia da libertação do homicida e um eventual plano de fuga do país foi avançada na nossa última edição, causando mais uma vez uma onda de indignação por parte da população e, também, um calafrio nas hostes do regime que procurava silenciar o caso.
Tucayanu, um destacado informador dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE), era directamente controlado e orientado pelo ex-ministro do Interior Sebastião Martins que, de acordo com o seu plano, o instruiu no sentido de enganar Kamulingue e Cassule, atraindo-os para a morte, a única forma que o SINSE encontrou para fazer a habitual queima de arquivos.
Alves Kamulingue e Isaías Cassule faziam parte de um grupo de ex-militares e combatentes que reivindicavam as suas pensões e outros direitos, ameaçando organizar manifestações contra o regime angolano. Por saberem demasiado, entendeu Sebastião Martins que só o seu desaparecimento físico poderia resolver a questão. Para o efeito utilizou como arma Tucayanu.
No dia 27 de Maio de 2012, Alves Kamulingue foi raptado por elementos dos Serviços de Informação e segurança de Angola. Dois dias depois, a 29 de Maio, desapareceu Isaías Cassule. Ciente de ter o assunto totalmente controlado, Sebastião Martins cobriu as supostas investigações com um manto de silêncio.
Só um ano e meio depois, em Novembro de 2013, surgiram à revelia das forças de segurança, novas informações sobre o destino dos dois desaparecidos. Cassule fora espancado até à morte e atirado a um rio, enquanto Kamulingue foi morto a tiro e abandonado numa mata.
O processo de Alves Kamulingue e de Isaías Cassule andou muito tempo fechado e sem que as autoridades se pronunciassem, o que correspondia à estratégia do executor moral, Sebastião Martins. Quanto mais tempo passasse sem se descobrir qualquer indício, e no meio de muita contra-informação oficial, mais remotas eram as possibilidades de se saber de facto o que tinha acontecido.
Não contavam as autoridades com a enorme pressão da sociedade civil que, dessa forma, começou a fazer exigências que incomodava o poder e que, por fim, obrigaram a que o processo emergisse das tumbas.
Peça fundamental em todo este triste mas revelador imbróglio foi Tucayanu, o operacional contratado para atrair as vítimas. A sua libertação está a causar estranheza, mas fontes próximas do processo admitem que o mesmo esteja agora em parte incerta, admitindo-se mesmo que possa ter sido, ou venha a ser, obrigado a tomar banho num rio cheio de jacarés famintos.
Tucayanu atraiu Isaías Cassule com a promessa de lhe dizer onde estaria Alves Kamulingue, que tinha desaparecido dois dias antes. Atrai-o para um dos bairros mais populosos de Luanda. Cassule concorda mas faz-se acompanhar pelo colega, o Santos. Este apercebe-se que é uma cilada e consegue fugir. O amigo tenta fugir mas é capturado. A sentença já estava determinada: assassinado.
Do ponto de vista legal e de um Estado de Direito ninguém aceita, nem em tese académica, que nesta altura do processo o autor material dos assassinatos seja libertado. Para além do perigo de fuga existe o perigo de se perderem provas fundamentais. Mas isso, é claro, não é preocupação das autoridades que, mais uma vez, não deixam os seus créditos por estratégias alheias.
Tucayanu era um “agente cinco estrelas dos serviços de informação”, de alto valor para a causa do regime, razão pela qual se movimentava como peixe na água juntos dos jovens revolucionários.
“A informação é bastante preocupante. Deixou-nos abalados. Estamos mesmo surpreendidos. Este jovem é o mesmo que andava connosco? Se é, então é um traidor á nossa causa”, lamenta Teca Pedrowski, um dos vários membros do movimento revolucionário que à DW África se mostraram chocados com a notícia de que Tucayanu era um operacional dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE).
Aproveitando-se da ingenuidade da juventude, não é a primeira vez que surgem suspeitas, algumas documentadas, de que os serviços secretos infiltra os seus operacionais no movimento dos jovens revolucionários. Tal como os infiltram em outras organizações, serviços, entidades etc..
Adolfo Campos, outro membro destacado do movimento “Revu”, lembra-se de ter desconfiado de Tucayanu quando este se apresentou como funcionário de uma empresa petrolífera.
“Realmente foi um pouco suspeito quando ele nos pediu currículos para trabalhar na área petrolífera. Nós sabemos que em Angola o emprego é difícil. Achámos suspeito. Aquilo criou algum tumulto entre nós”, recorda Adolfo Campos. Por outro lado, Teca Pedrowski frisa que Movimento dos Revolucionários está chocado, recordando que “ele disse que era um tio que tinha dentro dessa empresa e que podia possibilitar alguns trabalhos. Nós não tínhamos razões para desconfiar. Temos de rever todo o nosso movimento, até porque também nós corremos perigo de vida”.
Sendo que a libertação de Tucayanu, um agente da secreta, é uma barbaridade jurídica, seria de esperar que a Procuradoria-Geral da República o mandasse prender novamente. Que se saiba não o fez. Provavelmente se o decidir fazer vai esbarrar na constatação de que as autoridades não o conseguem localizar. E assim sendo, a matéria de facto que poderia levar a julgamento também os mentores políticos destes assassinatos fica sem sustentabilidade jurídica e testemunhal.
À luz da Constituição, neste caso concreto, o Presidente da República é também responsável criminalmente. Quer o ministro do Interior quer o director dos Serviços de Segurança são auxiliares do titular do poder executivo que é José Eduardo dos Santos. Eles não fazem nada sem conhecimento de José Eduardo dos Santos.
Mas, como se está num país em que a Constituição só tem valor formal, é mais do que certo que a culpa vai morrer solteira, que os responsáveis vão ser louvados pelos altos serviços prestados ao regime, e que os jovens vão ter de continuar a alimentar jacarés até que um dia o nosso país seja, de facto e de jure, um Estado de Direito.