Luanda - A fábrica de água mineral “Cristalis”, na fonte de Santa Isabel, em Ndalatando, está paralisada há nove meses. Os 27 trabalhadores estão sem receber salários há meio ano. Todos os dias entram fiéis no santuário junto às instalações fabris, pedindo milagres.
27 trabalhadores estão sem receber salários há meio ano
Fonte: JA
Segundo funcionários da área de segurança, a paralisação da produção deve-se à falta de embalagens, rótulos e tampas, que eram importados da África do Sul.

“A reabertura da fábrica pode acontecer nos próximos dias, embora os seus responsáveis já tenham feito essa promessa noutras ocasiões, mas sem sucesso”, disse um funcionário que está sem salários há seis meses.

A exploração da fonte de Santa Isabel começou em 1940. A água era considerada milagrosa e com efeitos curativos. Gente de todo o Norte de Angola deslocava-se à antiga Vila Salazar para encher garrafões ou beber a água milagrosa, no local. Foi feita uma captação para abastecer os habitantes da zona.

Alguns anos depois nasceu o pequeno santuário de Santa Isabel. Foram erguidas pérgulas com buganvílias de flores roxas, brancas e cor de fogo. Havia mesas e bancos de madeira para os peregrinos fazerem os seus piqueniques. Só mais tarde a água começou a ser engarrafada e vendida em todo o país.

A água de mesa Santa Isabel era considera a melhor de Angola. Pelo menos, a mais vendida. Nem sequer foi destronada por outra santa: Nossa Senhora do Monte, a puríssima água do Lubango. Nos anos 60 até era exportada.

A fonte foi abandonada logo após a Independência Nacional, mas os moradores da Carreira de Tiro e de outros bairros de Ndalatando nunca abandonaram o minúsculo santuário de Santa Isabel. A imagem é pequena, simples, mas são visíveis as tosas vermelhas caindo do seu regaço. É uma alusão ao mais conhecido milagre da santa: o milagre das rosas.

Os crentes que todos os dias vão rezar ao santuário acreditam que Santa Isabel continua a fazer milagres. Uma mulher com ar sofrido entra descalça no santuário e ali fica horas a rezar e cantar. Diz que só Deus faz maravilhas e “se eu pedir à Santa Isabel, Deus vai ouvir o meu sofrimento e faz uma maravilha na minha vida”. Ela chama-se Teresa e está casada há cinco anos. Quer muito ter um filho, “mas não consigo conceber”.

A fábrica está encerrada. Num dos cais dos armazéns de produto está estacionado um camião da “Metroeuropa”. O contentor está enferrujado. A cabine começa a ficar baça, antes de enferrujar. Nos céus, dezenas de andorinhas cantam alegres no fim do dia.

Pela lógica, neste mês de Abril deviam estar na Primavera da Europa, fazendo ninhos de terra e barro nos beirais dos telhados. Estas são independentes, não saem de Ndalatando e fazem ninhos de capim nas goiabeiras em flor ou nas acácias.  O canto e o voo das andorinhas, os cânticos das fiéis no santuário, são os únicos sinais de vida na fábrica abandonada. Mas a água continua a correr da fonte para os reservatórios de aço inoxidável. Só faltam as garrafas, as rolhas, os rótulos e os trabalhadores. Pode ser que Santa Isabel faça o milagre da reabertura da fábrica.

O menino Espera

Ao fim da tarde as fiéis que vivem no Bairro da Carreira de Tiro ou nas casas precárias construídas nas encostas íngremes das colinas que cercam a fábrica e o santuário, vão rezar e cantar a Santa Isabel. Tiram os sapatos bem longe da porta e entram descalças.

Madalena tem o filho Espera ao colo. Helena Domingas leva o filho às costas e antes de ir rezar, vai encher um bidão de água numa abertura da conduta da água milagrosa.

“O meu filho chama-se Espera porque vai ser um homem grande. Santa Isabel gosta das crianças e dá futuro a todas”, disse mana Domingas. Depois entra e entoa um cântico suave, a Deus “que é o único que faz maravilhas”. Se os proprietários da fábrica Cristalis reabrirem a empresa e pagarem os salários aos trabalhadores, vai ser mesmo uma maravilha que merece festa.

Por enquanto, o único milagre de Santa Isabel é manter de pé as casas construídas nas encostas das colinas verdes de Ndalatando. E já não é coisa pouca!

Regresso às mesas

Depois da sua paralisação em 1978, a fábrica foi reabilitada e inaugurada em 2008 passando a ter uma capacidade de embalar 168 mil garrafas de plástico de 1,5 litros por dia. Foram instalados postos de revenda nas províncias de Luanda, Benguela e Lubango, zonas estratégicas, para o abastecimento a outras localidades do país e rentabilizar o investimento. A água de Santa Isabel voltou às mesas, mas com o nome de Cristalis.

Actualmente com mais de 150 mil habitantes, Ndalatando tem três condutas adutoras, duas instaladas na década de 50, sendo uma de água mineral, a partir da fonte de Santa Isabel, e a outra no Monte Redondo. A terceira estação de captação foi feita na represa do rio Mucari, 17 quilómetros a Leste da cidade.

Qualidade natural

A água produzida na nascente de Santa Isabel, além de ter uma elevada qualidade natural, tem também características medicinais que podem ajudar a curar doenças gastrointestinais e não precisa de aditivos químicos para que tenha qualidade e pureza. A fábrica tem um sistema de filtração onde são retiradas todas partículas sólidas.

Na reabilitação de 2008, foi remodelado o piso do salão que se encontra na parte superior e o jardim botânico. Os técnicos da Direcção Provincial de Agricultura plantaram as árvores originais da região para preservar o ambiente místico do pequeno santuário de Santa Isabel. 

A Fonte Santa Isabel já teve os seus dias de glória. Está localizada na maior elevação da cidade de Ndalatando. Durante décadas deu de beber a todo o país. Há nove meses a fábrica encerrou e a água mineral “Cristalis”, vinda directamente da nascente, desapareceu do mercado.                      

Dada a qualidade da água da nascente Santa Isabel, a produção da “Cristalis” está isenta de qualquer processo de tratamento laboratorial ou de químicos para a sua purificação.

Localizada a quatro quilómetros da cidade de Ndalatando, num morro que tem 1400 metros de altitude, a Fonte Santa Isabel existe desde 1940. Segundo informações, debitava cinco litros de água por segundo. Nos dias sem nuvens nem cacimbo, daquele miradouro natural vê-se toda a cidade e até os municípios vizinhos.

A Fonte Santa Isabel continua viva e pronta para ser explorada novamente. Se a santa ajudar, pode ser que se dê o milagre da reabertura da fábrica. A esperança é sempre a última a morrer. Pelo menos para os 27 trabalhadores que estão sem salários há meio ano.