Luanda - O balanço de mais um ano de paz (e já vão doze) voltou a ser feito de forma particularmente dissonante pelos dois protagonistas da devastadora guerra civil, tendo o ruído desta vez provocado outras consequências, sem ainda se saber muito bem no que é que elas vão dar. Provavelmente em nada, para não variar.

Fonte: SA
Hoje embora já tenham sido “graduados” a adversários políticos civilizados, de forma alguma o MPLA e a UNITA se aproximaram minimamente em termos de convergência no que toca à leitura política da história comum, enquanto se distanciam em relação ao que desejam para o futuro, sobretudo no que toca ao modelo de desenvolvimento ideal para o país de todos.

É sobretudo este consenso sobre o passado que, pelos vistos, foi atirado para as calendas, apesar das duas partes manifestarem formalmente o seu acordo em relação a importância que foi o alcance da paz definitiva no Lwena na sequência da morte em combate do líder e fundador da UNITA, como corolário de um longo e atribulado processo, desde que a 31 de Maio de 1991 em Lisboa, Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi assinaram os acordos de paz negociados em Bicesse.

Neste momento e por todas as indicações mais do que evidentes que têm sido dadas por JES/MPLA, o mérito da paz tem apenas um único e exclusivo titular, pelo que e enquanto o discurso oficial não se torna ainda mais claro do que já está, a UNITA tem apenas que estar grata a magnanimidade do Governo e ajeitar-se conforme pode, sem fazer muitas ondas, no espaço político que lhe foi generosamente oferecido.

De facto só falta mesmo o discurso oficial proclamar alto e em bom som que a UNITA foi totalmente derrotada na guerra e que dos fracos não reza a história, numa abordagem que a ter lugar, irá, como é evidente, aprofundar ainda mais o fosso existente, depois da UNITA já ter sido comparada à RENAMO.

É contra este “acantonamento” que a UNITA reagiu de forma particularmente enérgica este mês, depois de ter estado nos anos anteriores a “engolir todos os sapos”, patentes na formulação e enquadramento da paz que o Governo tem feito para assinalar o 4 de Abril, como se o “Galo Negro” tivesse desaparecido da circulação.

Pelos vistos não passou despercebido a ninguém e muito menos a José Eduardo dos Santos o tom “terminal” da última declaração do BP da UNITA com a data de 11 de Abril, onde se acusa o Governo de querer apagar a história.

“No quadro das celebrações da paz, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA constatou a intenção deliberada do MPLA de apagar da memória colectiva os Acordos de Bicesse, de 31 de Maio de 1991, que constituem a ossatura que conduziu ao multipartidarismo e à paz democrática, preferindo realçar as adendas a esses Acordos, que mais não fizeram senão reafirmar as bases assumidas em Bicesse. Se arquitectos da paz há, esses serão unicamente os que fizeram Bicesse.”Pazbarricada2014

Mais esclarecedor do actual mal estar entre os dois ferozes inimigos do passado, do que esta passagem do referido comunicado, não poderia haver, no meio de várias outras reclamações, onde o destaque vai certamente para o alegado agravamento da intolerância política em todo o país e da suposta “indiferença que o Presidente da República e Titular do Poder Executivo devota a acontecimentos de tamanha gravidade como os que tiveram lugar, recentemente, no Município do Cassongue, Província do Kuanza Sul”.

Mais do que isso, a UNITA responsabilizou o Presidente da República para as consequências da sua indiferença que “pode conduzir o país para uma situação de perigosa instabilidade, pois traduz o encorajamento às práticas de intolerância política, ao assassinato de angolanos por causa das suas opções político-partidárias, e à impunidade, ante flagrantes violações dos direitos humanos, em Angola.”

Foi nesta sequência algo dramática que o país foi de algum modo surpreendido pelo encontro mantido a semana passada em Luanda na Cidade Alta, numa iniciativa do Presidente angolano.

Santos e Samakuva, note-se, já não conversavam à porta fechada desde 2011.

Tendo em conta as suas elevadas e apartidárias responsabilidades constitucionais como garante da estabilidade e segurança nacionais, JES terá deste modo chegado a conclusão que já não era possível prolongar por mais tempo este “jejum”, que em abono da verdade se agravou com o facto da UNITA ter recusado o convite para estar presente a cerimónia da sua tomada de posse, como primeiro presidente eleito de Angola.

Recorde-se, que para além de ter declinado o convite, a UNITA fez uma agressiva declaração explicativa dos motivos da sua ausência, onde argumenta frontalmente, que tal gesto se destinou a penalizar publicamente Eduardo dos Santos devido a ocorrência de uma  massiva fraude eleitoral em 2012.

Deste encontro entre JES e Samakuva pouco ou quase nada transpirou para a opinião pública, tendo do lado governamental pontuado o novo porta-voz do MPLA, ao considerar que os casos de intolerância política reportados pela UNITA e que terão custado o ano passado a vida a 40 dos seus militantes, não passam de rixas pessoais que devem ser tratadas ao abrigo da lei penal vigente.

Num esforço para concordar com a fonte do MPLA e porque as vítimas são reais e são angolanas, o Governo teria de fazer muito mais para responsabilizar criminalmente os infractores, levando até as últimas consequências, com isenção e transparência, as investigações, sendo esta, aliás, a única forma de transformar alegados casos de intolerância política em definitivos casos de policia transitados em julgado.

Samakuva disse a saída do encontro com Eduardo dos Santos que o processo de angolano tem estado a regredir do ponto de vista democrático.

Pazbarricada2014“A nossa preocupação é que esta regressão está a assumir proporções perigosas, que podem envolver o país outra vez numa instabilidade e, nisto, creio não estar a exagerar.”

Dias depois em conferência de imprensa Isaías Samakuva disse acreditar que as preocupações da sua organização “foram escutadas pelo Senhor Presidente da Republica , com quem passamos em revista diversos aspectos destas questões que o país vive.”
Samakuva referiu-se particularmente a necessidade de “um diálogo permanente, amplo e abrangente” para evitar que o país continue a viver a situação de intolerância que a UNITA tem estado a denunciar.

Nesta altura e de acordo com esta avaliação feita por Isaías Samakuva, o processo de reconciliação nacional foi completamente abandonado pelo Governo, que por outro lado fez um regresso ao passado da guerra com a evocação de triunfantes batalhas e a edificação de memoriais vitoriosos.

Como resposta mais específica a este clima de triunfalismo militar da parte do Governo, que tem como referência maior a celebração da batalha do Cuito Cuanvale, a UNITA que discorda da versão governamental, organizou esta semana a primeira de uma série de conferências para celebrar o aniversário dos Acordos de Bicesse e apresentar a sua visão/versão histórica dos acontecimentos que conduziram a paz em Angola e a estabilidade na região austral do continente.
A UNITA pretende assim deslocar a importância da paz de Abril para a paz original de Maio, mês em que em Lisboa Savimbi e dos Santos prometeram pela primeira vez aos angolanos e ao mundo que não iam mais pegar em armas para resolver as suas diferenças.

Na abertura da Conferência no Hotel de Convenções de Talatona, Samakuva foi ainda mais claro na manifestação das suas preocupações ao adiantar que o Governo ao transformar a paz de Abril na “paz dos vencedores está a obstruir os objectivos da reconciliação nacional, está a promover e acentuar as assimetrias regionais, atrofiar o desenvolvimento humano das maiorias e perigar a unidade nacional”.

Ou seja, rematou: “a paz de Abril, está a ser utilizada pelos poderes constituídos para atentar contra a Paz democrática”.

NA-Texto publicado no Semanário Angolense (25-04-14)