Luanda - Os familiares de Nelson Pereira de Sousa, cidadão que, há cerca de duas semanas, foi espancado e detido por membros da escolta do Procurador Geral da República (PGR), revelaram, ao semanário A Capital, que o mesmo abriu uma queixa-crime contra os seus agressores, acusando-os de abuso de poder, tentativa de assassinato e de outras transgressões na sequência do incidente de que foi vítima. O próprio PGR foi, também, alvo da queixa deste cidadão.

*Mariano Brás

Fonte: ACapital

Por abuso de poder

A família do lesado disse que, com esta decisão, Nelson de Sousa rompeu com a pretensão inicial de tratar o assunto com alguma cordialidade por estarem envolvidos, no episódio, altas figuras da sociedade. O quadro mudou de figura desde que, segundo os seus familiares, a vida do lesado está em risco, já que é visto como um marginal e foi emitido, contra si, um mandado de captura, além de se sentir perseguido.

No passado dia 14, por volta das 15 horas, quando Nelson Pereira saía do serviço, dirigindo-se para o Maculusso, onde reside a sua mãe, deparou-se com uma caravana protocolar que seguia o mesmo percurso. Ao passar ao lado de uma das viaturas da caravana, que entretanto estava estacionada, sentiu um toque num dos vidros laterais do seu carro. Era, afinal, um dos um dos escoltas da caravana em que seguia o PGR, acusando-o de estar “a perseguir a caravana”. O escolta, agora identificado como Dinho, disse que "ele estava a seguir a caravana e por isso exigiu que o Nelson desse os documentos da viatura".

Como tal pedido foi recusado, o mesmo partiu para ofensas verbais, batendo no vidro e, posteriormente, encetou uma incompreensível perseguição contra o lesado que, na tentativa de evitar qualquer problema, continuou com a sua marcha. Esse facto apenas enfureceu ainda mais o alegado agressor. Uma vez no Maculusso, notou que o escolta abandonou a caravana do procurador que se tinha deslocado, nas imediações, para uma visita pessoal. Seguiu-o, tentou ultrapassar o seu carro para o bloquear. Quando, enfim, conseguiu, sacou do seu revólver e, batendo insistentemente contra o vido da viatura exigia os documentos ao cidadão. "Estás armado com este teu carro, vais ver o que te vai acontecer", dizia o exaltado segurança, em alto e ameaçador som.

De imediato, ante a recusa do cidadão em ceder os documentos, lá o segurança Dino ligou para um motociclista do trânsito, que exerce o papel de batedor na escolta. Orientou ao agente para que recebesse os documentos ao cidadão, mas este também se recusou a entregá-lo por temer o seu extravio. Afinal, o agente, de trânsito, apesar de fardado, não trazia um braçal com o número identificativo, tão pouco um bloco de multas para que o pudesse posteriormente localizar para reavera documentação exigida. O batedor, por outro lado, exigia que Nelson a subisse na viatura de Dinho. Nelson, no entanto, recusa com receio recusava, pois não sabia para onde seria levado. Pediu ao mesmo para que fossem a uma esquadra mais próxima, para tratarem do assunto com pessoas autorizadas a fazê-lo. Nelson ia insistindo que, naquelas condições, não subiria na viatura de Dinho, predispondo-se, com efeito, a deslocar-se a uma esquadra policial.

Quando menos esperava, surgiram outros elementos, supostamente pertencentes à escolta do Procurador João Maria de Sousa, que mais não fizeram senão agarrarem- no pela cintura, rasgarem-lhe as calças enquanto o tentavam asfixiar com a própria gravata. Quando a sua filha, chegou aos gritos ao local a implorar que largassem

o seu pai, os seguranças tornaram mais evidente a sua condição de brutamontes. Nem a adolescente foi poupada. "Também bateram na miúda com pontapés, socos e bofetadas", lamentou um dos familiares.

"Naquela altura um pai rasgado, espancado e a ver a sua filha também a ser espancada, revoltar-se-ia e sairia em defesa da sua honra, mas o Nelson não o fez para estar vivo e contar tudo que se passou para, posteriormente, toda a sociedade saber como o abuso do poder de simples segurança é uma realidade", frisou um dos nossos interlocutores.

O que mais indignou o cidadão é o facto de, ante a presença dos demais membros da escolta, o segurança Dinho ter dito que foi orientado, pelo Procurador, para deter o cidadão, e que este estava a mostrar resistência. "Com não conseguiam tirar o Nelson do gradeamento, um deles começou agarrar-lhe pela gravata e tentar asfixia-lo, vendo que, com isso, também não conseguia, um dos seguranças vai à sua viatura e regressou com uma pistola automática, uma daquelas que só se vê nos filme, dizendo que se não entrasse no carro ele o mataria ". Perante tal quadro, Nelson abriu os braços e disse: "matam-me pois vocês é que mandam".

Já na esquadra, que fica nas imediações da escola NJinga Mbandi, um dos seguranças, perante o olhar dos agentes da Polícia, disse ao cidadão: "agora é que vou te bater você e a tua filha". Dito e feito. O mesmo passou ao lado de Nelson e deu- lhe uma potente galheta no rosto perante o olhar da sua filha e de todos os agentes policiais que nada fizeram para conter o agressor.

Efectivo da Casa Militar confundido com marginal

Depois de toda sofrer todas essas sevícias, Nelson Pereira de Sousa foi, então, abordado pelos agentes da Polícia no sentido de se identificar e ser ouvido em instrução processual por estar a ser acusado, numa primeira fase, de atentar contra a integridade física de João Maria de Sousa, que não é nada mais que o Procurador Geral da República. Estranhamente, a acusação passou para uma simples acusação de injúria.

 A surpresa foi que, ao identificar-se, os agentes se aperceberam que Nelson Pereira de Sousa é quadro sénior da Casa de Segurança do Presidente da República, além de doutorado em engenharia territorial. Foi este cidadão, por exemplo, quem concebeu o projecto do Nova Vida e é conhecido como docente numa das universidade do país, assim como secretário do MPLA no justamente no projecto Nova Vida. É, ainda, antigo militar, tendo ingressado nas Forças Armadas com apenas 16 anos de idade.

Ao se aperceberem que estavam perante o imbróglio, um dos agentes não escondeu o espanto e desabafou: "vocês querem me trazer problemas, onde está o bandido aqui?!”. Ante isso, Dinho o segurança do PGR saiu de fininho da sala e foi fazer um telefonema. Quando regressou, disse que o senhor Procurador mandou levar o cidadão para primeira Esquadra. Desta vez, Dinho ouviu um não do Comandante da esquadra que disse que só o faria com orientação superior, pelo que a mesma não se fez tardar e Dinho, com um telefonema, resolveu a situação.

Na referida esquadra, Nelson disse que poderia processar o PGR pelas injustiças de que estava ser alvo. Tal ameaça não caiu bem para uma figura sinistra, todavia não identificada que, de imediato, orientou a prisão do mesmo. "Ele que é quadro superior foi colocado na mesma cela com indivíduos altamente perigosos", denunciou um dos parentes.

No dia seguinte, para ser ouvido, Nelson foi surpreendido pelo facto de lhe ter sido preparado um julgamento sumário no qual seria julgado por uma Procuradora que, segundo os seus familiares, era sobrinha do próprio PGR. “Por isso transferiram o caso para a Primeira Esquadra no sentido realizarem tais ilegalidades”. Entretanto, o pior não aconteceu porque houve a intervenção urgente de altas figuras da Casa Militar que exigiram a imediata libertação do seu funcionário.

Por estes e outros motivos, os familiares dizem que Nelson Pereira de Sousa decidiu processar o PGR e os seus seguranças por crime de abuso de poder, tentativa de assassinato, transgressões administrativa e excesso de zelo.

Para aqueles familiares, a atitude dos escoltas do PGR apenas mostram que "devemos denunciar este tipo de acto para que nenhum angolano possa voltar a viver esta experiência. A ficção de Uanhenga Xitu, em que o cão do Ministro também é ministro, está acontecer, salvo erro a pessoa em causa dizer que o único ministro é ele", denunciaram.

O escolta arruaceiro

Na verdade, Nelson Pereira de Sousa foi confundido com o seu irmão que teve problemas numa das casas nocturnos de Luanda com o Dinho, o segurança do procurador que, naquele dia, pretendia usar do poder que possui para se vingar.

Já na esquadra, no dia da ocorrência, apareceu o irmão mais velho da vítima que, num passado recente, teve problemas com o segurança e os dois na porta da esquadra agarraram-se e começaram a lutar pelo que Walter, o irmão de Nelson, dizia que "o problema que tens é comigo e não com o meu irmão, o mandado que passaste por influência do teu tio é meu e não do meu irmão".

Segundo fontes policiais Dino, o chefe da escolta do PGR, é seu afilhado, mas é ainda conhecido por alegadas arruaças, a ponto tal que, para ir buscar a namorada à escola, liga sirene da viatura. "Várias vezes já alertamos isso ao senhor Procurador, mas ao que parece nada fez e chegamos até onde chegou", disse a fonte.

Os familiares de Nelson Pereira de Sousa dizem que pretendem apenas que se faça justiça e reparação do bom-nome do lesado que está ser denegrido.