Lisboa - 20 anos depois das primeiras eleições multirraciais, os sul-africanos vão às urnas (estou a escrever na véspera do acto eleitoral) sem que se preveja alterações significativas na pirâmide política do país do arco-íris.

Fonte: NJ

Uma vez mais, o ANC vai obter, quase seguramente, a maioria absoluta dos lugares do Parlamento em disputa, quase, talvez, repita a aproximação à maioria qualificada, a presidência (foram dos sul-africanos que saiu a ideia à nossa eleição presidencial) e uma parte significativa dos dirigentes regionais e provinciais.

O que está em causa é como se afirmará a coligação Aliança Democrática (DA) – se conseguirá esbater um pouco a sua habitual e abismal diferença para o ANC – e como será a votação do carismático e radical chaviano Julius Malema – até na forma de se vestir, o antigo líder juvenil do ANC imita Hugo Chavez – do Partido para a Emancipação da Liberdade Económica (EFF).

Do radical Congresso Pan-Africano (PAC) e do Partido Inkhata (IFP) só esperam manter a sua presença no Parlamento e, no caso deste último, não perder alguma da sua força grupal junto dos zulus, em particular no KwaZulu-Natal.

Claramente que não está em causa a votação do partido de Madiba – são as primeiras eleições desde o passamento físico de Mandela – mesmo que o seu actual líder, o muito descredibilizado Jacob Zuma, seja visto mais como um empecilho ao desenvolvimento político, social e económico do país. Segundo uma sondagem feita no final do ano passado só 46% dos sul-africanos concordava com as políticas de Zuma. Nem o facto de um dos últimos comícios de Zuma, no Estádio FNB (ou Soccer City) que durou cerca de uma hora, tenha ficado marcado pelo abandono de grande parte dos 100 mil simpatizantes presentes.

Também a desistência de Mamphela Ramphele, viúva de Steve Biko, e candidata da oposição (na altura apoiada pela Aliança Democrática e pelo Agang), bem como a perspectiva de uma subida exponencial do radicalismo de Malema e a pálida campanha dos democratas ajudam à reeleição de Zuma. Nem, também, pelo facto do consulado de Zuma estar marcado por vários escândalos, como o das obras realizadas em sua residência privada em Nkandla (a Leste) às custas dos contribuintes, ou pelo facto do presidente ter suas mãos manchadas de sangue desde que a polícia abriu fogo contra os grevistas da mina de Marikana (no Norte), em Agosto de 2012, e que provocou a morte de 34 pessoas. E são 11 os candidatos à cadeira que foi ocupada por Mandela…

O problema está no que o ANC, além de se basear nas figuras políticas de Mandela, Oliver Tambo, Walter Sisulu, Chris Hani ou Solomon Mahlangu, vai tentar fazer que não o conseguiu até agora.

Apesar de registar um enorme desenvolvimento após as primeiras eleições multirraciais – quase 96% das famílias agora têm acesso à água potável, 87% das casas possuem energia elétrica, a taxa de criminalidade regrediu, há menos musseques e uma classe média negra crescente –, a África do Sul regista sociais preocupantes.

O desemprego, dados oficiais do primeiro trimestre deste ano, atingiu 25,2%, superando, oficialmente, a barreira dos cinco milhões de desempregados, com a particularidade, segundo a “Statistics South Africa”, de 33% dos sul-africanos (e muitos imigrantes) “desmotivados”, terem desistido de procurar emprego; ainda persiste uma desigualdade entre os profissionais sul-africanos, com os brancos a ganharem, em média, seis vezes mais do que os negros, e onde são menos afetados pelo desemprego (menos de 7%, contra mais de 28%), como continuam a ter melhor acesso à educação, que continua a ser crítica para a maioria da população.

Por outro lado, o crescendo número de brancos na miséria, devido, em grande parte, à custa da chamada segregação positiva, precisamente para esbater as diferenças sociais e económicas entre brancos e negros, torna a imagem do ANC mais empalidecida; a forte vitória da Aliança democrática na província do Cabo e que se Perspectiva sair reforçada, é exemplo disso.

Também o crescimento médio de 3,3% ao longo dos últimos 20 anos – diminuiu substancialmente nos últimos anos – coloca a África do Sul longe dos necessários 6 a 7% de crescimento para desenvolver empregos para os milhões de desempregados. E não se vislumbra nas 53 páginas do seu manifesto, além de as dedicar a Madiba com o tema “Movemos a África do Sul para Frente”, mais que propostas, um pouco estéreis, de mudanças e melhorias para os próximos 5 anos…

Acresce que um em cada oito sul-africanos é portador do vírus HIV/SIDA, em grande parte devido à inoperância de Thabo Mbeki que recusava admitir a existência desta endemia, bem como a expectativa de vida caiu de 62 para 56 anos, em duas décadas.

O que garante ao ANC a sua vitória é que, apesar da ainda existência de inúmeros bairros de lata – as “townships” que, regularmente, são palcos de distúrbios – ou pelo facto da líder do DA, Helen Zille, exigir no manifesto principal “mudança, menos corrupção, melhores serviços e mais emprego”, para muitos sul-africanos negros – cerca de 80% da população – o ANC continua a ser o partido que os livrou do apartheid.

E num vencedor, independentemente de todos os erros, não se toca; por outro lado a comunidade internacional, apesar desses mesmos erros e dos escândalos periodicamente noticiados, prefere a estabilidade no cone austral de África…

©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, secção “1º Caderno” ed. 328 de 9-Maio-2014, pág. 24