Luanda - Quando, em Abril de 2010, o então presidente da Assembleia Nacional, António Paulo Kassoma, procedeu à inauguração do Hotel Vila Alice, em Luanda, nada fazia prever que aquele acto marcaria o primeiro passo de uma série de outros tantos que teriam como objectivo o envolvimento desse órgão de soberania em negócios.
Fonte: SA
No acto de inauguração do empreendimento, o órgão legislativo alegara que o hotel tinha como objectivo responder à crescente procura de alojamento que a capital vinha a registar nestes últimos anos.
Deu a conhecer que o complexo hoteleiro seria entregue à gestão privada, por via de arrendamento, tendo fixado a diária em 275 dólares. Segundo ainda uma fonte do Parlamento angolano, os deputados teriam um desconto de dez por cento desse valor.
No entanto, a transformação daquele local antes um complexo habitacional em hotel suscitara na altura uma certa polémica, tendo em conta que aquele local servira antes de residência para os deputados e suas famílias.
Algumas vozes críticas questionaram se o processo tinha sido transparente e se as receitas a obter com o arrendamento serviriam para acudir, de facto, as necessidades reais da Assembleia Nacional ou teriam outros fins menos nobres.
Passados quatro anos desde a inauguração do complexo «Vila Alice», tudo aponta que a Assembleia Nacional não só ganhou um certo gosto por este género de negócio, como também pretende alargá-lo a outras províncias do país.
Assim, o órgão legislativo está actualmente a proceder à construção de mais unidades do ramo, uma das quais na cidade das Acácias Rubras, estando a sua inauguração prevista já para finais deste ano.
Os custos da obra não foram avançados ao Semanário Angolense, mas este jornal apurou que o novo edifício comportará dois pisos, com capacidade para trinta e um (31) quartos, um restaurante para cem (100) pessoas e um terraço com uma esplanada.
Oposição reage
A iniciativa da Assembleia Nacional (AN), um órgão de soberania no qual o MPLA detém a maioria absoluta, em expandir os seus negócios no ramo hoteleiro já suscitou a reacção de algumas forças da oposição com represen tação parlamentar.
O deputado da CASA-CE Lindo bernardo Tito manifestou-se contra qualquer tipo de negócios nos quais a Assembleia Nacional aparece envolvida.
Falando há dias a um grupo de jornalistas em terras de Ombaka, o parlamentar afecto à terceira maior força no Parlamento angolano revelou que compete apenas a Assembleia Nacional «legislar e fiscalizar as acções do Executivo e não desenvolver nenhum género de actividades negociais».
Ele, que falava a jornalistas à margem da inauguração do Gabinete de Apoio dos Deputados do Círculo Provincial de Benguela, sublinhou que não estava de acordo com a actividade comercial do Parlamento. «A Assembleia Nacional é um órgão que, por excelência tem a função de legislar e fiscalizar as acções do Executivo, em nenhuma das disposições constitucionais lhe é atribuída a função do exercício da actividade comercial», frisou.
O deputado do partido de Abel Chivukuvuku garantiu que nos próximos dias o seu partido irá se pronunciar sobre o assunto, não descartando a possibilidade de vir a impugnar os investimentos já feitos pela Assembleia Nacional no sector hoteleiro.
Abordado sobre o mesmo assunto, o coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), Fernando Pacheco, mostrou-se igualmente indignado com a atitude da Assembleia Nacional, tendo acusado este órgão de soberania de estar a «extravasar as suas atribuições constitucionais».
«A assembleia Nacional tem que se preocupar em resolver os seus problemas dentro do quadro legal e não envolver-se em actividades de índole comercial, tanto de forma directa como indirecta», disse o coordenador do OPSA.
Fernando Pacheco é de opinião que a Assembleia Nacional crie outro género de mecanismos de austeridade, de forma a evitar gastos desnecessários com as viagens dos seus deputados. «Concordo que para se evitar gastos, a AN construa uma estrutura que possa servir de casa de passagem aos seus deputados, quando estes se desloquem às províncias em missão de serviço. Mas construir um hotel para fins comerciais, isso é inaceitável!», defendeu.
«O que aconteceria se todos os Ministérios construíssem hotéis para fins comerciais?», questionou, mais adiante, Fernando Pacheco.
Por sua vez, o vice-presidente da bancada parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior entende que hoje já não faz sentido que Assembleia Nacional continue a investir na construção de hotéis, «sob pena de ser confundida com uma instituição mercantil».
«De facto, é preocupante! Li nos relatórios da Assembleia Nacional que ela pretende construir unidades hoteleiras em várias províncias. É preciso que a função do Parlamento não seja confundida com fins mercantis», enfatizou o deputado afecto ao segundo maior partido da oposição.
MPLA defende-se: «Não há nada de ilegal
Com o objectivo de ouvir a versão do MPLA, já que este partido detém a maioria no Parlamento, o Semanário Angolense abordou esta semana um responsável da Divisão de Gestão Patrimonial da Direcção de Administração e Finanças da Assembleia Nacional, que falou na condição de não ser identificado.
Em defesa da sua «dama» disse que não existe nenhuma ilegalidade, já que a «Assembleia Nacional é um órgão dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial e pode, quando necessário, rentabilizar o património que lhe está adstrito».
Segundo ele, a «Assembleia Nacional tem gastos, muitos dos quais feitos por deputados dos círculos provinciais que, quando se deslocam a Luanda, em trabalho ou para resolver assuntos pessoais, fazem-se acompanhar de familiares, amigos, etc.».
Segundo a fonte do SA, o alojamento e a alimentação dessas pessoas decorrem a expensas da AN. Este é apenas um exemplo, porque há outras situações que acarretam despesas», admitiu.
O funcionário parlamentar revelou que o condomínio da Vila Alice não é a única fonte de receitas extras da AN. «Há tambem caso das salas do edifício parlamentar que também que têm sido alugadas às distintas instituições para diversos fins e que têm servido de fonte de receitas para o Parlamento».
Em relação ao antigo complexo habitacional da Vila Alice disse que o mesmo corria o risco de degradação, daí a sua conversão em hotel, em cumprimento de uma «decisão superior», adicionou.
Esta unidade hoteleira já gera recursos financeiros para a caixa da Assembleia Nacional. «Por isso, não há nada de ilegal nem obscuro na transformação do complexo em hotel», rematou.