Luanda - A homogeneização é o processo científico que torna algo uniforme, idêntico, igual ou análogo. Se trata de uma matéria composta de partes da mesma natureza, ou formada por uma só substância, que apresenta as partes constitutivas ligadas entre si. Noutras palavras, a homogeneização é o acto ou efeito de fundir, de incorporar, de juntar-se, de misturar-se ou de derreter-se numa só substancia.

Fonte: Club-k.net

A homogeneização difere muito da integração, que consiste em tornar algo inteiro, incluir num todo, fazer-se parte do todo, inserir-se ou adaptar-se a uma coisa. A homogeneização e a integração são dois processos diferentes, cujos fins são distintos.

A homogeneização passa por um processo de diluição, dissolução, extinção, anulação, cessação, ruina, isto é, de enfraquecimento e destruição gradual de uma coisa. Ao passo que, a integração consiste na inclusão, inserção, adaptação, isto é, no engrandecimento.

Enquanto a homogeneização tende para a redução, diminuição, enfraquecimento, limitação, restrição, substituição e submissão; a integração, pelo contrário, capitaliza-se no aumento, no enriquecimento e no crescimento.

A assimilação é o processo de integração de ideias, pessoas ou povos, para tornar-se semelhantes entre si, numa sociedade ou num país. No ponto de vista antropológico, a aculturação é um conjunto de fenómenos que levam um grupo humano, em contacto continuo com outro grupo humano de cultura diferente, a adoptar os valores culturais desse outro grupo. Em termo sociológico, a aculturação é adaptação de um individuo a uma cultura estrangeira, com a qual está em contacto permanente.

No contexto da globalização, esses processos, acima referidos, ocorrem na normalidade, de uma forma suave e despercebidos. Todavia, a cultura mais forte apoia-se na sua civilização para assegurar a supremacia dos seus valores socioculturais.

A civilização, entendida como sendo um conjunto das instituições, técnicas, costumes, crenças, conhecimentos e realizações das sociedades humanas mais evoluídas, marcadas pelo desenvolvimento intelectual, económico e tecnológico.

Acontece que, no processo angolano, da colonização, da descolonização e da emancipação, registou-se procedimentos diversos, cujos impactos socioculturais determinaram a realidade actual do país, com repercussões incertas no futuro.

Neste respeito, o regime colonial português conduzira uma política da assimilação coagida, buscando a supremacia cultural lusíada, a alienação das elites indígenas, a subjugação da comunidade indígena, e o desaparecimento gradual da cultura negro-bantu.

A política da assimilação e da alienação cultural, em certas medidas, foi capaz de afastar as elites negras das suas comunidades locais, numa ilusão de se integrar na cultura lusa e beneficiar-se de algumas regalias mesquinhas, de cariz discriminatória e racista.

Convém destacar o facto de que, embora houvesse uma certa discriminação entre a comunidade branca e mestiça, mas esta última sentia-se melhor situada ao lado da comunidade branca, que tinha plenas regalias, o poder político-económico, e com que, partilhavam mutualmente a língua, costumes, usos, tradições, práticas e realizações. Além disso, tinham acesso fácil ao ensino qualitativo, à educação e à formação superior, fora do país, através de Portugal.

Alias, havia uma aliança forte entre as duas comunidades no processo do tráfico de escravos, na conquista, na pacificação e na consolidação do regime colonial. As elites indígenas, de algum modo, eram também cúmplices com os comerciantes europeus e pumbeiros, que operavam na costa angolana, na comercialização de escravos-negros, arrastados do interior desta região.

O processo da assimilação teve maior incidência nas cidades litorais, a exemplo de Luanda, Benguela, Namibe e Lubango, onde se registava a presença significativa das comunidades branca e mestiça. A vantagem que as duas comunidades tinham em relação a comunidade negra, fez com que, elas estivessem em melhores condições para inteirar-se mais cedo na conjuntura mundial.

A revolução brasileira, de ruptura com Portugal, incentivava as elites das comunidades banca e mestiça em Angolana, em assumir-se e tomar a dianteira no movimento cívico-literário, que vinha se transformar no activismo politico. A base cultural deste movimento político, sem dúvida, era lusíada – tomando mais tarde a postura crioula.

A crioulização tornara uma doutrina politico-cultural que foi adoptada, como forma de desagregar e subjugar a cultura bantu, prevalecente no país, com uma supremacia esmagadora. Esta doutrina implantou-se no MPLA, fundado por uma elite branca-mestiça, associada à uma elite negra assimilada, do litoral, desvinculada das comunidades nativas bantus.

Durante a luta de libertação nacional, para evitar reacções negativas dos imigrantes angolanos nos países limítrofes, e das populações fronteiriças, as elites brancas e mestiças, do MPLA, ficaram instaladas na Argélia, de onde ganharam a alcunha de, “argelinos.”

Na altura, a população angolana, sobretudo do interior do país, tinha dificuldade enorme de distinguir entre o colonialismo e o branco angolano. Para os nativos angolanos, daquela época, o branco era o sinónimo da opressão e da exploração. A geração actual não pode entender a realidade do então, do sistema colonial europeu. Hoje a situação é diferente e as posturas das comunidades negra, mestiça e branca mudaram bastante e emergiu um novo ambiente de relacionamento.

Para dizer que, não deixa dúvida nenhuma, de que, o 27 de Maio de 1979, marcada por carnificina dos quadros negros das cidades, tivesse sido inspirado pela doutrina da homogeneização, no sentido de inverter o quadro e assegurar a supremacia das comunidades minoritárias.

Aliás, na fase da luta de libertação, a liderança do MPLA, dominada pela elite branca-mestiça, adoptara a política da homogeneização, como instrumento politico, para enfrentar e dominar as elites locais bantus que tinham o controlo efectivo das regiões militares, como o caso concreto do Nito Alves.

A homogeneização assentava-se basicamente nos princípios da crioulização da sociedade angolana. Em função disso, a partir de 1976, o Governo do MPLA, instalado a força em Luanda, proibira o ensino das línguas indígenas angolanas em todas escolas públicas e privadas.

Seguia-se uma campanha sistemática da aculturação e da alienação sociocultural, em que os valores culturais dos povos indígenas eram reprimidos, desvalorizados e menosprezados. Incutindo, assim, o complexo de inferioridade na comunidade negra, que está ganhar proporções alarmantes.

Hoje a Juventude Angolana nega categoricamente a sua identidade racial, linguística e cultural. Os nomes africanos são malvistos, desprezados e tratados com desdém. Sente-se orgulho possuir nomes europeus, sem saber que está-se diante um processo da neocolonização. Alias, feita uma avaliação, a governação do MPLA, em curto espaço do tempo, infligiu mais danos sobre a cultura angolana, do que os 400 anos da colonização portuguesa.

Na realidade um dos factores principais que causara a ruptura e o conflito entre os três Movimentos de Libertação Nacional tivera sido a Doutrina da crioulização e da homogeneização da sociedade angolana. Pois, a FNLA e a UNITA, defendiam a cultura bantu, como fundamento do nacionalismo angolano, para a edificação gradual e sistemática da Nação Angolana.

A comunidade negra, por ser a maioria, é óbvio que seja, de facto, a vanguarda e a força-motora da sociedade. Esta visão era defendida igualmente, de forma intransigente, por Dr. Viriato da Cruz, que era fortemente contestado por outros dirigentes mestiços e brancos no seio do MPLA.

De qualquer forma, esta tese não é antiga, mas sim, ainda é actual. Não deve ser um tabu. Como se não existisse na consciência colectiva da sociedade angolana, sobretudo, das suas elites. Sendo este, um dos factores que dificulta e inviabiliza a reconciliação sincera. Enquanto esta situação manter-se inalterada, haverá sempre o distanciamento entre os indivíduos, as famílias e as comunidades. O que, decerto, não promove a reconciliação e a unidade nacional.

Logo, o paradoxo reside na política actual, «do resgate da cultura angolana» e dos povos autóctones, que tem sido propalada intensivamente pelo Executivo Angolano. Será que, isso não contraria a Doutrina da homogeneização e da crioulização da sociedade angolana, proclamada e defendida por alguns círculos internos da alta hierarquia do MPLA, como Filosofia do Estado? Ou, tivera havido reviravolta na Filosofia do MPLA, em prejuízo à elite minoritária, o núcleo duro do MPLA?

Seja qual for, na prática a realidade é outra. Não se regista nenhuma viragem em termos de programas socioculturais e politicas, com substâncias fortes luso- brasileiras, viradas para intoxicação e alienação da Juventude. Nada está sendo feito no sentido de virar para Africa, buscando os valores comuns das nossas culturas, bem ricas, nas suas programações e currículos escolares. O intercâmbio cultural de Angola com a Africa, neste momento, é nulo, inexistente.

A etnia é um explosivo muito sensível, que a qualquer altura, se não lidar bem com ela, pode explodir e causar danos irreparáveis. Portanto, qualquer grupo que estiver no poder, por mais poderosa que seja de momento, não deve pensar que, tenha tudo na mão e tenha a liberdade ilimitada de impor a sua vontade politica, de modo arbitrário.

Se olharmos hoje ao mapa do mundo, constataremos que, os conflitos existentes, na maior parte, têm uma certa dose étnica. Por exemplo: Nigéria, Sudão antiga, Sudão do Sul, Somália, Mali, República Centro Africana, Grandes Lagos (Ruanda, Burundi e RDC), Mozambique, Líbia, Iraque, Síria, Israel-Palestina, Ucrânia, Tibete, Cote d’Ivoire, Uganda, Quénia, Senegal (Casamança), Guiné Bissau, etc. Mesmo o conflito angolano, em certa medida, não deixa de fazer parte desta classificação.

O petróleo, quando não for bem gerido e distribuído, é capaz de gerar conflitos étnico-culturais. O Médio Oriente e a Nigéria são exemplos concretos. Portanto, a estabilidade duradoira deve basear-se nas instituições do Estado, bem equilibradas e representativas, com a participação efectiva de todos os grupos étnicos, promovendo mutualmente os seus interesses, as aspirações profundas e os valores culturais dos seus povos.

Os interesses das multinacionais no sector petrolífero, tanto pode sustentar o poder politico, durante um determinado período; como facilmente podem alterar- se e causar caos no país. Os Multinacionais não têm aliados permanentes; têm, sim, interesses permanentes que variam na sua materialização.

Portanto, os compromissos económicos assumidos pela classe dominante em Angola, com os multinacionais petrolíferos, não constituem uma garantia para sustentar infinitamente a política actual da homogeneização politico-cultural, coagida e imposta pela força das armas.

Além disso, a cultura luso-brasileira, na sua essência, está sendo gradualmente integrada na civilização ocidental, sob a influência enormíssima dos Estados Unidos da América, que é a superpotência mundial. Portugal, como ex-potência colonial, não tem sustentáculos nenhuns, em termos económico, tecnológico e know-how, para resistir a influência das potências económicas ocidentais e do próprio Brasil, que se situa a nível dos BRICS, como líder da América Central e Sul.

Haverá, nos próximos tempos, a colisão entre a cultura indo-chinesa e a cultura islâmica, que já estão implantadas firmemente em Angola, sobretudo em Luanda. A submissão do Cristianismo, que reflecte a cultura angolana, constitui o alvo principal desta cruzada sino-islâmica. Tudo isso indica que, a homogeneização preconizada, que repousa na cultura luso-brasileira, terá desafios titanicos, quer internos, quer externos.

Nesta óptica, a hegemonia politica assente na homogeneização cultural, em Angola, não promove a reconciliação, muito menos constrói a unidade nacional. Pelo contrário, é uma forma de submissão, feita com subtileza e de forma silenciosa. Esta fórmula é bastante perigosa e frágil, destinada a provocar o distanciamento, a resistência e a represaria.

Por outro lado, a estabilidade politica, assente no poder unipessoal e longevo, é o Castelo na areia, que vai desabar e desmoronar-se no fim do reinado do imperador. Os exemplos concretos são: Cote d’Ivoire, do Félix Houphouêt Boigny (1960-1993); Zaire, do Mobutu Sese Seko (1965-1997); Tunísia, do Zine El Abidine Ben Ali (1987- 2011); Egipto, do Muhammad Hosni Mubarak (1981-2011); Iraque, do Saddam Hussein Abd al-Majid (1979-2003); Líbia, do Colonel Muammar Gaddafi (1969-2011), etc.

Angola estará nesta lista, no fim do Império actual do Presidente José Eduardo dos Santos, assente no culto de personalidade excessivo, na homogeneização e na crioulização sistemática da sociedade angolana. Este prognóstico não visa incentivar diferenças e rupturas, mas sim, despertar as consciências das três comunidades angolanas, sobre as políticas erradas e antipatrióticas que o MPLA protagoniza, a favor de um Clique, em detrimento de todos os angolanos: Negros, Mestiços e Brancos.

O futuro risonho e pacífico de Angola dependerá da capacidade das elites das três comunidades angolanas em unir-se e conduzir as suas comunidades, em defesa dos seus interesses e das suas aspirações profundas, na valorização e na promoção dos valores culturais respectivos – rumo à edificação da Nação Angolana, na liberdade na igualdade e na unidade.