Ilha agitada
Pelo menos por instantes, os homens lembraram-se da palavra “amar”. Sem mágoa, sem rancor, sem ódio cantaram uma só canção, um só hino: o hino da liberdade. Esqueceram o passado ainda que fugazmente sentiram como é bom viver.
E como é bom viver, duas meninas vieram ao mundo aos primeiros segundos deste ano. As primeiras bebés nasceram nas maternidades Lucrécia Paim e Augusto Ngangula. Têm nomes bonitos. É a Cândida, e Beny Patrícia. Nasceram de parto normal, gordinhas e esfomeadas. As mamãs e os familiares já as “babaram” de mimos.
A passagem do ano, foi mesmo vivida com alegria. Até as crianças tiveram autorização dos pais e ficaram nas ruas a dançar já que todos os “Simbas” da vizinhança estavam na rua, cada um com seu ritmo.
Alegria. Tudo era alegria. Parecia até o Carnaval da Vitória. Os moradores enfeitaram os bairros. Nas ruas do velho Rangel havia muita gente sentada em frente às suas casas com o prato da “virada” que foi, por incrível que pareça, uma “sopa composta”. A emoção saía das gargantas aos gritos: “novo ano, vida nova, novos projectos, casa própria”. A nossa equipa de reportagem foi impedida de seguir viagem. À viva força tivemos que aceitar um brinde.
Ilha agitada
A Ilha, cada dia que passa, tem menos iluminação pública, mas as luzes dos restaurantes, das discotecas e os faróis de carros deram outra imagem à Ilha de Luanda, que na passagem de ano atrai mais de mil turistas. Este ano, todos os caminhos foram dar à beira-mar. Numerosas famílias, com as tradicionais vestes brancas, deixaram as suas casas para entrarem em 2009 com a brisa fresca e ao ritmo das ondas. Gina, Letícia e Paula, três amigas cheias de vontade de viver os primeiros momentos do ano, antes da meia-noite entraram no mar. “Nós deixámos 2008 aqui memo no mar. Agora é pensar em coisas novas. Vamos deixar a vida nos levar até à prosperidade.”
A nossa equipa de reportagem foi até ao Ponto Final. Dali a vista do fogo de artifício é deslumbrante e ainda tem a vantagem de se comer um bom peixe grelhado e beber uma cerveja bem gelada.
João Bartolomeu é um dos muitos luandenses que levou a família para o “réveillon” das praias da Ilha. Porque é diferente. “Nós festejávamos sempre em casa, porque a nossa cidade não dava muita segurança. Agora que temos mais segurança nas ruas, resolvemos vir para a ilha e fazer algo diferente”, disse João Bartolomeu à nossa reportagem.
Glória das Dores tem a mesma opinião, “Nós temos poucos espaços de lazer e a Ilha é um bom sítio para comemorar a passagem de ano. A Polícia Nacional está a desempenhar um bom papel nesta quadra festiva, porque conseguimos entrar em paz e com segurança em 2009”.
A nossa equipa de reportagem foi ao São Paulo, Combatentes, Marçal, Brigada, Avenida Ngola Kiluange, Cuca, Largo do Embondeiro e milhares de pessoas festejavam nas ruas, à vontade deambulavam, sem qualquer demonstração de medo. As esquadras móveis por onde passamos, também não tinham recebido queixas e fomos informados de que estava tudo sob controlo.
Bancos de Urgência
Para muitos jovens a passagem de ano foi um pesadelo, porque entraram no novo ano, no Banco de Urgência, como é o caso de Mawila, de 24 anos, que foi esfaqueado na cabeça. “Fui assaltado mesmo aqui nos arredores, quando tentava ajudar uma mulher que estava bêbeda e andava com uma criança. Quatro assaltantes vieram e levaram o meu telefone e três mil kwanzas”.
Mawila foi ao Hospital dos Cajueiros receber os primeiros socorros. Quando lá chegou, teve que aguardar, porque o Banco de Urgência estava cheio de outros jovens com vários ferimentos. Segundo o director clínico, Simão Kiakia, só na madrugada da passagem de ano, foram atendidos mais de 25 casos de agressão física e tudo está na origem do álcool.
No Centro de Saúde do Rangel, segundo o enfermeiro António Francisco, foram apenas registados três casos de agressão física com armas brancas: “foram ferimentos leves. Os outros casos foram de gastrite e malária, mas estão todos fora de perigo.”
No Hospital do Prenda, o cenário era bem pior. “Isto aqui virou um mar de sangue”, disse uma empregada de limpeza à nossa reportagem. “As empregadas têm de limpar tudo de dez em dez minutos porque estes jovens não ganham juízo”, reclamava o ortopedista Fernando Samangula.
O ortopedista informou que os casos registados na sua maioria foram originados por excesso de álcool e acidentes de viação. “O Banco de Urgência hoje está muito cheio porque temos recebido vários casos. São jovens entre os 18 e os 30 anos e residem aqui nos arredores. Bebem muito álcool, perdem a cabeça e acabam em briga. O problema é que como têm muito álcool no organismo não podemos tratá-los.”
* Yara Simão
Fonte: Jornal de Angola