Luanda - Depois de em recente abordagem feita nos últimos dias e num outro espaço, sobre a previsibilidade do discurso político do Presidente da República, José Eduardo dos Santos (JES), na expectativa do que seria a sua “Mensagem de Ano Novo”, devo confessar que de algum modo fui surpreendido pela positiva com o seu conteúdo.

Fonte: RA
De facto, não estávamos à espera que JES dedicasse ao tema da intolerância política algum espaço no seu derradeiro discurso de 2014 e muito menos que o fizesse da forma como o fez, confirmando antes de mais que o problema existe e que é sério.

Já não me lembro quando foi a última vez que o Presidente dedicou ao tema da intolerância alguma atenção digna deste nome, mas quase que sou tentado a concluir que se o fez já foi mesmo há bastante tempo.

Lembro-me, contudo, que da última vez que JES recebeu o líder da UNITA, Isaías Samakuva, em Abril deste ano, após um longo período sem se falarem, a rondar os três anos, foi exactamente na sequência de insistentes denúncias do “Galo Negro” sobre a ocorrência de repetidos e cada vez mais graves casos violência política contra os seus militantes e as suas sedes.

Mais do que isso, e em comunicado oficial, a UNITA apontou, na altura, directamente o dedo ao Presidente da República responsabilizando-o por, com a sua indiferença, estar a pactuar e a estimular o referido ambiente.

Tal indiferença, de acordo com o referido comunicado, “pode conduzir o país para uma situação de perigosa instabilidade, pois traduz o encorajamento às práticas de intolerância política, ao assassinato de angolanos por causa das suas opções político-partidárias, e à impunidade, ante flagrantes violações dos direitos humanos, em Angola.”

Após este encontro e para além de uma lacónica reacção do porta-voz do MPLA, que se limitou a “chutar a bola para canto, sacudindo a água do capote”, não se ouviu muito mais em relação às preocupações apresentadas por Isaías Samakuva durante o encontro com o Presidente da República.

Feitas bem as contas, acho que são muito poucas as vezes que JES faz efectivamente um esforço visível para ser o “Presidente de todos os angolanos”, indo ao encontro de outras preocupações que não estejam na agenda estratégica do partido que governa Angola desde a sua independência e que ele lidera há 35 anos.

Daí a explicação para surpresa com que fomos apanhados agora, depois de, em vésperas do seu pronunciamento, termos afirmado que muito dificilmente o conteúdo da mensagem do Presidente Eduardo dos Santos iria alterar os termos de referência do ano em apreciação.

Em abono da verdade, e em substância, não alterou mesmo.

Como é fácil de concluir, em matéria de novidades 2014 já não tem mais nada para nos oferecer.

É assunto encerrado.

A maka da intolerância, à luz deste novo sopro, pode vir, contudo, a ser uma das referências políticas mais importantes do novo ano, caso efectivamente o discurso, a prática e a vontade política se cruzem nos próximos tempos, o que, como também sabemos, ainda não é bem uma regra de ouro em Angola, nem pouco mais ou menos.

Seja como for, já não é nada mau alimentar outras expectativas em relação ao assunto, que até agora estava a ser visto por quem de direito não como um problema real, mas apenas como uma arma de arremesso com que a Oposição tem vindo a tentar incomodar o Executivo e o partido no poder.

Para já, fiquemos com a promessa do Presidente Eduardo dos Santos, segundo a qual o Governo continuará a dar passos firmes na promoção do diálogo com vista a aprofundar a reconciliação nacional e que tudo fará para neutralizar as causas da intolerância política e em especial o recurso à violência.

Estamos entre as pessoas que acham que o alcance da paz definitiva criou as condições para que Angola tenha rumo, o que já é uma realidade, sendo agora necessário definir melhor entre os vários e contraditórios “rumos” em presença, qual é o melhor azimute a tirar que corresponda efectivamente ao caminho que o país deve trilhar para evitar algumas rupturas que se anunciam a médio prazo, caso de facto os angolanos não sejam suficientemente visionários.

Sem constituir nenhuma novidade, não temos qualquer dificuldade em subscrever a ideia contida na “Mensagem de Ano Novo” do Presidente da República sobre a utilidade de debate de ideias e de projectos capazes de aumentar o bem-estar e confiança no futuro.

O problema como sempre é o mesmo.

Na hora do debate o desafio tem que ser necessariamente a aceitação do outro, pois de nada adianta sermos apenas tolerantes senão estivermos em condições de encararmos a suas ideias como tendo o mesmo valor que as nossas.

A melhor solução será sempre a procura do consenso, outra palavra-chave em toda esta manobra que visa o reencontro dos angolanos, por mais evidentes que sejam as nossas diferenças e que pelos vistos vão continuar a ser.