Luanda - Em Angola, os discursos que advogam a mudança por via da revolta popular são considerados meios de incitação à guerra. Será assim? Defender que o povo deve sair à rua para derrubar o regime é incitamento à guerra?

Fonte: Club-k.net

Nuno Dala.jpg - 34.91 KBDe facto, nos últimos anos, cidadãos contestatários ao regime têm de diversas formas defendido a necessidade de os angolanos levarem a cabo uma revolta popular que culmine no fim do regime ditatorial instalado em Angola desde 1975, que neste ano completa 40 anos.

Textos publicados na rede social Facebook, nos sites Observatório da Imprensa e da Comunicação (OI), Club­K e no blogue Central Angola têm sido interpretados por uma grande parte da opinião pública angolana como instrumentos de incitação à guerra. Seus autores têm sido adjectivados de todas as formas possíveis: “cidadãos irresponsáveis”, “opositores radicais”, “antipatriotas”, “agentes do Ocidente”, “aventureiros”, etc.

Uma análise fria e objectiva de tais discursos revela porém que, de facto, os autores defendem a DESTRUIÇÃO DA DITURA liderada por José Eduardo dos Santos. Mas defendem um processo de mudança não­violento.

De facto, os angolanos, independentemente da sua condição social e posicionamento ideológico, não pretendem de forma alguma voltar a viver a experiência da guerra, de triste memória. Nenhum angolano deseja que a guerra volte! Então, como entender os discursos que deixam claro que o único caminho para a mudança estrutural em Angola passa por uma revolta ou revolução popular? Revolução em Angola não implicaria necessariamente fazer guerra? A resposta é NÃO.

Mas antes de explicarmos por que mudança em Angola não precisa de passar pela guerra, analisemos alguns conceitos.

De facto, termos como “revolta popular”, “revolução popular” e “destruição da ditadura” assustam muitos angolanos. Quase instintivamente, as pessoas relacionam tais conceitos com a guerra. Trata­se, porém, de um entendimento errado e tendencioso, fruto não apenas do passado violento de 27 anos de guerra civil como do discurso do regime, que irresponsavelmente manipula a psique das massas com a falsa ideia de que fazer manifestação com cariz político é “querer guerra”.

O que é uma revolução? Segundo o Dicionário Houaiss é a “grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina; movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais".

Trata­se de um processo de mudança estrutural, progressivo ou repentino, contra um poder estabelecido, cujo objectivo é a alteração da ordem política, económica, cultura e moral de uma determinada sociedade.

A revolução pode ser levada a cabo por um grupo ou pode ser generalizada, ou seja, envolvendo milhares ou milhões de pessoas, isto é, o povo. Neste último caso, estamos em presença de uma revolução popular.

Ora, há necessidade de uma revolução popular em Angola? A resposta é sim, pois a ordem política, económica e social vigente em Angola beneficia um grupo restrito de pessoas, ao passo que a maioria vive em condições apocalípticas. Esta realidade dá direito natural aos angolanos de mudarem o quadro. Henry Thoreau fala do “direito à revolução”. Na sua obra centenária Desobediência Civil, este autor declara que o direito à revolução é “o direito de negar lealdade e de oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis a sua tirania e ineficiência”.

Para Henry Thoreau, há pelo menos duas grandes condições para que os cidadãos resistam, desobedeçam ao governo que representa o estado: a primeira é a tirania (em Angola o regime está no leme, de forma ilegítima desde 1975, tendo sido implantada a ditadura, hoje travestida em democracia), e a segunda condição é a ineficiência (a má governação é uma marca em Angola).

Poderíamos apresentar milhentas provas de que há uma ditadura em Angola e há má governação. Mas neste artigo é pertinente apenas apontar que os cidadãos sentem na pele e no osso a má qualidade de vida que resulta da governação delinquente de José Eduardo dos Santos e seus asseclas.

Por outro lado, é ingénuo crer que a mudança em Angola será pela via eleitoral. A tese eleitoralista se esbarra com os seguintes problemas:

1. Violação sistemática da Constituição da República: em Angola, o principal e maior violador da lei magna é José Eduardo dos Santos. Os seus colaboradores vêm à seguir. A violação da mesma é feita de forma frequente e sistemática. É uma prática política. Para a imposição e/ou manutenção da sua vontade e seus desígnios, JES sanzaliza a Constituição ao seu bel­prazer. E as instituições judiciais (Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo, Tribunal de Contas e Procuradoria Geral da República incluída), guardiães da lei magna e da legalidade, respectivamente, nada fazem, pois, afinal, são instituições fracas – e devem obediência às “ordens superiores” do seu chefe! Quanto à Assembleia, esta está presa na poderosa camisa de força de JES, que é na prática o verdadeiro detentor do poder legislativo.

2. Ideologia da manutenção do poder: em Angola, a ideologia da manutenção do poder inviabiliza qualquer tentativa de mudança de sistema à luz da Constituição e da lei. Todo o regime eduardino inverteu a pirâmide ou as coordenadas da confluência e gestão do poder político. Há duas constituições: a formal e a material (a vontade de JES reflectida nas suas “orientações superiores”). É esta última que conforma a real politik angolana; há dois governos: o constitucional­ formal e o verdadeiro governo (casa civil e suas comissões interministeriais). Realmente, o que parece, não é. Nesta senda, por exemplo, o verdadeiro governador de Luanda não é a figura que ocupa a cadeira da Mutamba, é o próprio José Eduardo dos Santos (que se serve do Presidente da Comissão Administrativa da Cidade de Luanda), é evidente que há um sistema intrincado e de uma complexidade à altura da manutenção do poder eduardino.

3. Comunicação social contrária aos interesses nacionais: definida como o quarto poder, a comunicação social é um mecanismo importante tanto no quadro das relações sociais como no das relações políticas de qualquer sociedade. Todavia, a comunicação social angolana é o quarto poder de JES! Aliás, é o quarto do poder dele! Com raríssimas excepções, a mídia angolana reflecte eloquentemente a face do regime, impondo uma falsa visão de país real. À luz desta comunicação social, Angola é um grande país sob a liderança do grande líder José Eduardo dos Santos! Na verdade, quando afirmamos que há excepções, referimo­nos aos raros meios privados de comunicação social que, não sendo propriedade de gente do regime, se diligenciam num jornalismo que se rege pelo princípio da exposição da Angola real, nua e crua, embora seja um desafio hercúleo, especialmente num país em que a liberdade de imprensa e de expressão é periclitante. O desempenho do Jornal de Angola (JA), da Rádio Nacional de Angola (RNA), da Televisão Pública de Angola (TPA) e da ANGOP é desastroso. Estes meios estão ao serviço do regime, não ao serviço dos interesses nacionais. Convergimos com Cruz (2012), que afirma:

Outro esclarecimento não menos importante prende­se com o facto de frequentemente agredirem as pessoas com o disparate de que Angola tem Serviço Público de Comunicação. Todo o indivíduo intelectualmente são sabe que o serviço público de comunicação serve os interesses do público, informa com verdade, justiça, caridade e imparcialidade (se existem), promove o pluralismo, o contraditório, em suma, é pela promoção de várias visões de mundo. Se isto não acontece, então, só temos mídia estatal, do estilo comunista de partido único e a mídia privada, entre as quais muitos são duvidosos. A mídia estatal é aquela que publiciza os serviços do estado strito senso.

Em definitiva, o que chamamos de mídia pública em Angola, não passa de instrumento ideológico do poder unipessoal e partidocentrista. Um meio de guerra fria contra quem não faz parte do grupo.

4. Ausência de uma comissão eleitoral credível: em Angola, por mais berreiro que o regime faça no sentido de fazer crer o contrário, não existe uma comissão nacional eleitoral credível, isto apesar do que está determinado na Constituição da República, segundo a qual (artigo 107, número 1), “os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei.” Todavia as experiências das eleições de 2008 e 2012, nas quais corpos estranhos tomaram de assalto o processo na sua fase crucial, demonstram que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) é uma instituição fraca. A verdadeira comissão eleitoral é a estrutura montada pela Casa Militar do Presidente da República, chefiada pelo General Hélder Vieira Dias “Kopelipa”. Ou seja, o que parece ser uma comissão nacional independente é na verdade uma instituição protocolar e decorativa.

Feita esta incursão, fica evidente que é uma ingenuidade crer que a mudança em Angola é possível pelo processo eleitoral. O regime simplesmente inviabilizou todos os mecanismos constitucionais e legais para a mudança por esta via. Por mais que os angolanos votem num outro candidato e num outro partido, jamais haverá outros vencedores senão José Eduardo dos Santos e o seu MPLA.

Deste modo, os partidos políticos na oposição estão fadados a se contentar com as migalhas, aqueles lugares no parlamento, que constituem uma minoria sem qualquer poder para o necessário equilíbrio político na apreciação, discussão e aprovação dos dossiês, sobretudo os de maior relevância. Interessa ao regime continuar a fazer o teatro de que existe um parlamento composto por deputados de diversas cores partidárias, entretendo a comunidade internacional com a miragem de que há democracia em Angola.

Então, qual é o caminho a seguir? O único caminho para a mudança estrutural em Angola é da revolução popular, um processo no qual os próprios angolanos, aos milhares, DESTROEM A DITADURA, estabelecendo depois um estado verdadeiramente democrático, de direito e de bem­estar.

Ora, como será destruída a ditadura? Será por meio da guerra? NÃO. Há várias razões para não relacionar mudança em Angola com guerra. Eis algumas delas:

1. Revoluções não implicam necessariamente guerra: em muitos países, ocorreram revoluções não­violentas, ou seja, tiveram lugar processos de mudança estrutural sem que os cidadãos pegassem em armas para derrubar as ditaduras. Na Tunísia, Egipto, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Alemanha Oriental, Checoslováquia, Eslovénia, Madagáscar, Mali, Bolívia, Filipinas, Nepal, Coreia do Sul, Chile, Argentina, Haiti, Brasil, Uruguai, Malásia, Tailândia, Bulgária, Hungria e União Soviética a mudança foi alcançada de forma pacífica, isto é, as ditaduras foram destruídas de forma não­violenta.

2. A guerra não é instrumento sensato para destruir uma ditadura: a violência para destruir a ditadura é contraproducente. Sharp (2010) reconhece aptamente:

Barreiras legais e constitucionais, decisões judiciais e a opinião pública são normalmente ignoradas pelos ditadores. Compreensivelmente, reagir às brutalidades, torturas, desaparecimentos e assassinatos, as pessoas, com frequência concluíram que só a violência pode acabar com a ditadura. Vítimas enraivecidas algumas vezes organizaram­se para lutar contra os brutais ditadores com qualquer capacidade militar e violenta de que pudessem dispor, apesar das probabilidades serem contra elas. Essas pessoas, muitas vezes, lutaram bravamente, com um grande custo em termos de vidas e sofrimento.

Este autor prossegue sua abordagem apresentando argumentos demonstrativos da insensatez de usar a guerra como meio revolucionário de destruição da ditadura. Ele afirma:

Suas realizações foram por vezes notáveis, mas eles raramente ganharam a liberdade. Rebeliões violentas podem desencadear uma repressão brutal que, frequentemente, deixa a população mais indefesa do que antes. Independentemente do mérito da opção de violência, no entanto, uma coisa é certa: ao depositar a confiança nos meios violentos, escolhe­se exatamente o tipo de luta em que os opressores, quase sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para aplicar violência esmagadora. Não importa quão longa ou brevemente esses democratas possam continuar, eventualmente, as duras realidades militares tornam­ se inevitáveis. Os ditadores têm quase sempre superioridade em equipamento militar, munições, transportes, e tamanho das forças militares. Apesar da bravura, os democratas não são (quase sempre) páreo para eles.

3. A guerra em Angola foi um erro: Instalada a ditadura marxista­leninista em 1975, a guerra foi a solução encontrada pelas partes desavindas (Governo e UNITA) para resolver diferendos. Apesar de muitos esforços para que o conflito terminasse pela via da negociação, a guerra em Angola só chegou ao fim com a aplicação da lógica de fazer a guerra para acabar com a guerra. O Acordo do Luena só foi assinado depois da destruição da máquina de guerra da UNITA e morte do seu líder. Para trás ficaram milhares de mortos, infraestruturas destruídas, centenas de milhares de deslocados e refugiados, economia arruinada etc.

Neste sentido, o autor que temos vindo a citar afirma:

Quando a rebelião militar convencional é reconhecida como irrealista, alguns dissidentes, então, preferem a guerrilha. Mas, a guerrilha raramente, se alguma vez, beneficia a população oprimida ou traz uma democracia. A guerrilha não é uma solução óbvia, sobretudo tendo em conta a tendência muito forte de produzir um número imenso de vítimas entre seu próprio povo. A técnica não é garantia contra a falha, apesar de dar suporte à análise teórica e estratégica, e por vezes apoio internacional. Lutas de guerrilha muitas vezes duram muito tempo. As populações civis são frequentemente deslocadas pelo governo estabelecido, com imenso sofrimento humano e deslocamento social.

Mesmo quando bem­ sucedida, as lutas de guerrilha têm frequentemente significativas consequências estruturais negativas de longo prazo. Imediatamente, o regime atacado se torna mais ditatorial, como resultado de suas contramedidas.

4. Instalação de outra ditadura: caso o regime seja de facto derrubado, tal facto não implica o estabelecimento de uma democracia. Sharp (2010) reconhece o seguinte:

Se os guerrilheiros finalmente têm sucesso, o regime resultante, com frequência é mais ditatorial do que seu antecessor devido ao impacto centralizador das forças militares ampliadas e o enfraquecimento ou a destruição de grupos e instituições independentes da sociedade durante a luta ­ órgãos que são vitais para o estabelecimento e manutenção de uma sociedade democrática. Pessoas hostis às ditaduras devem procurar outra opção.

Portanto, a guerra não faz parte do discurso a favor da destruição do regime instalado em Angola em 1975. Não é o caminho para a destruição da ditadura.

A destruição da ditadura é possível mediante um processo pacífico. O regime de José Eduardo dos Santos não é mais poderoso que um povo unido e determinado. Há dezenas de ferramentas para destruir a ditadura sem violência.