Lisboa - A "nova banca portuguesa nasce nos anos 90. É com a entrada de Portugal na CEE, hoje União Europeia, que surge o tempo das oportunidades, no tempo dos horizontes económicos, no tempo em que a iniciativa privada dava os primeiros passos depois de anos de economia estatal.

Fonte: Club-k.net

Usando o mecanismo de privatizações, fusões e aquisições. M&A: (mergers and acquisitions), assim cresce a banca lusa.

Nesta altura, Artur Santos Silva era o banqueiro do pós-25 de Abril, que, a par com Jardim Gonçalves, dominavam a banca portuguesa moderna. Nessa altura regressavam também as velhas famílias de banqueiros, espoliadas pela revolução do proletariado, ou seja, pelo PREC. Espírito Santo, Champalimaud, Mello, partilhavam agora o estatuto de banqueiro com dois bancos novos, o BPI e o BCP.

Nova era.

O culminar dessa fase de M&A chega com uma tentativa de fusão entre o BPI e o BES de Ricardo Salgado, decorria o ano 2000. No rescaldo da venda dos bancos do Grupo Champalimaud ao Santander e ao BCP Artur Santos Silva e Ricardo Salgado tentaram uma fusão. Mas excessos de protagonismo e/ou escassez de transparência da estrutura accionista do BES, condenam o entendimento entre os dois banqueiros.

Sucessões e demissões.

Em três momentos diferentes (2014, 1999 e 2007) três grandes banqueiros escrevem palavras fortes na hora da despedida. Em comum o facto de se tratar de uma despedida forçada pelos acontecimentos (no caso de Champalimaud a sucessão foi forçada pela sua saúde), Jardim Gonçalves e Ricardo Salgado estão envolvidos em gestões que se traduziram nos maiores prejuízos de sempre para empresas privadas em Portugal (BES/BESA e BCP Millennium).

O BPI, foi exemplar a escolher e dirigir a sucessão: Artur Santos Silva, quando em 2004 escolhe para sucessor Fernando Ulrich. O ex-jornalista, irreverente e destemido banqueiro, que se tornou conhecido por ser o l´enfant terrible da banca.

É memorável a  reacção que teve à Oferta Pública de Aquisição que o BCP de Paulo Teixeira Pinto lhe lança de surpresa. Estávamos em Março de 2006. Fernando Ulrich, em plena conferência de imprensa diz sobre Paulo Teixeira Pinto que "para quem chegou à gestão bancária há pouco mais de um ano, está muito atrevido".

Aquisição/fusão falhada: BCP e BPI.

Durante a OPA as tentativas para romper a aliança dos três accionistas do BPI – então La Caixa, Itaú e Alianz – foram insistentes e quase estóicas. A Oferta Pública de Aquisição começou por ser lançada a 5,7 euros por acção, e durou mais de um ano, tendo em Abril de 2007, sofrido uma revisão do preço para uns estonteantes 7 euros por acção.

Mesmo assim a aliança dos três grandes accionistas não foi quebrada. Não venderam e o BCP não comprou o BPI. Nunca mais os accionistas tiveram uma oportunidade de vender acções do BPI a 7 euros. Mas isso não abalou a confiança deles na comissão executiva de Fernando Ulrich.

Essa aliança accionista era o alicerce daquela equipe de gestores.

Em Outubro desse mesmo ano, a equipe de gestão do BPI propõe em alternativa uma fusão ao BCP. As negociações acabam sem sucesso no fim de Novembro desse ano. Os motivos foram vagamente mencionados. A imprensa tinha dado conta que o BCP pretendia que Filipe Pinhal, na altura presidente do BCP, fosse o CEO do futuro Millennium BPI e queria alterar o rácio de troca proposto pelo BPI para um que fosse mais favorável aos accionistas do BCP. Na proposta de fusão que apresentou ao Conselho de Administração do BCP, o BPI previa a entrega de uma acção do BPI por cada duas do BCP, um rácio que no mercado raramente se chegou a verificar.

Mas o BPI propunha ainda que fosse o banco a nomear o presidente da Comissão Executiva do Millennium BPI, ou BPI Millennium, e o BCP o "chairman".

Angola, paz e a nova vida

Por esta altura, o BCP chega aos 10% do BPI e este chega aos 5,2% do BCP. O que mais tarde vai ter um sabor amargo, porque em 2008 a crise do subprime arrasa a confiança no sector financeiro e as acções dos bancos caem a pique. As perdas nos balanços dos dois bancos foram pesadas. É mais ou menos nesta altura e na sequência da tentativa de se livrarem desta participação cruzada, que o BCP, já sob o jugo de Carlos Santos Ferreira, vende 9,69% que detinha no BPI a Isabel dos Santos, que passa a ser o terceiro maior accionista. Por essa altura a La Caixa detém 29,4% do banco e o Itaú 18,9%. E os direitos de voto continuavam limitados a 17,5%.

A entrada dos angolanos no capital do BPI leva a que em 2009, o limite de voto seja alterado e suba para 20%. A Sonangol era já uma accionista de referência do BCP. Desta feita, o BCP sai do BPI dando entrada à Isabel dos Santos e por sua vez, a Sonangol entra no banco falido BCP, tornando-se no seu maior accionista.

A crise de 2007-2010

A crise de dívida soberana chega em 2010, e Portugal pede a intervenção da troika em 2011. Portugal passou a ser um incómodo para os investidores estrangeiros. Os brasileiros apressaram-se a abandonar o barco e saem do BPI.

O banco Itaú, histórico accionista do BPI, vende a sua participação em 2012. No final desse ano, o La Caixa era dono de 30,1% do BPI, e o Itaú tinha 18,9%. A Santoro tinha 9,99%. A Allianz continuava com os seus quase 9%. Em Abril, os brasileiros acabam por vender sua posição ao CaixaBank/La Caixa. Na altura, os catalães ficaram com os 18,87% do Itaú e sobem a posição para 49%.

Angola, aproveitando o momento de paz e o boom do petróleo, surge como parceiro ideal para a internacionalização, à par da Venezuela (dois Estados, hoje falidos, entregues a cleptocracias comunistas corruptas).

No entanto, voltando a banca lusa, a blindagem dos direitos de voto a 20% permitiu que não fosse lançada uma OPA. De seguida, o CaixaBank alienou uma fatia das acções a Isabel dos Santos, descendo a sua posição para os actuais 44,1%. Quanto à empresária angolana assegura o lugar de segundo maior accionista, com 18,6%.

Resultados financeiros de 2011/12 - 2014

 A vida do BPI seguiu o seu curso paulatinamente, com resultados cada vez mais dependentes do banco que tinham em Angola, o BFA.

Por sua vez, o BCP foi obrigado a submeter a Bruxelas um plano de reestruturação por ter recorrido à ajuda do Estado, válido até 2017.

Em 2013, os maiores prejuízos pertenceram ao BCP, com um resultado negativo de 740 milhões de euros, ainda assim abaixo dos 1.219 milhões de euros apurados em 2012, enquanto o BES passou de lucros de 96,1 milhões de euros para 517,6 milhões de euros de prejuízo no ano passado. Somando os 218 milhões de euros de prejuízo em 2014, este banco acumulou mais de 3 mil milhões de euros de prejuízo de 2011 à 2014.

O BES, em 2014, como maior banco privado em termos de activos sob gestão registou prejuízos de 517 milhões de euros em 2012. A perda reflecte o registo de provisões para fazer face às imparidades de crédito no valor de 1.422,8 milhões de euros e ficou acima do esperado pelos analistas.

O BPI teve lucros de 66,8 milhões de euros em 2013 . Os resultados positivos, ficaram abaixo dos conseguidos no ano anterior, em 73,2%. Em 2014, mesmo com resultados positivos em Angola, responsável por 92% do lucro da actividade externa (BFA), o banco apresentou prejuízos de 161 milhões de euros.

Em 2014, a banca portuguesa apresentou resultados negativos de mais de 500 milhões de euros.

A borrada do BES/BESA

A saída do Itaú e entrada da Santoro para o seu lugar de segundo accionista estratégico, vê-se hoje, provocou uma mudança irreversível.

O BPI deixou de ter um núcleo de accionistas coesos.

Nem os accionistas do norte (vide grupo Violas), agora já nas segundas gerações, são os fortes aliados da administração, nem o La Caixa é já o garante da vontade de Fernando Ulrich e Artur Santos Silva. Ambos querem crescer por aquisições mantendo o banco como está em termos de estrutura de gestão. A OPA do La Caixa servia esse propósito. Mas hoje não está lá um Itaú. Está lá uma empresária de um país que acaba de perder o estatuto de equiparável a banco europeu. O BCE excluiu os bancos angolanos da elite credível do sistema financeiro. Tudo graças ao caso BESA, que tornou a banca angolana um local de risco elevado.

Não podem querer banir um angolano de um mercado sem que ele retalie com a tentativa de controlo desse mercado.

Os sinais

Um dos factores que tem permitido manter a banca lusa a flutuar foi Angola, com boa parte da banca portuguesa a beneficiar do boom do petróleo angolano. Com a profunda crise que se avizinha neste país, os impactos serão inevitáveis. Se as operações do BES em Angola são indicativas da gestão bancária dos bancos portugueses nesse país, então teremos muitos problemas pela frente. Este foi o pressuposto seguido pelo BCE.

No caso BESA, não bastou ao parceiro português alegar o "sigilo bancário" -protegendo assim os beneficiários do desaparecimento de mais de 3 mil milhões de dólares -  nem a parte angolana alegar o "desconhecimento da lista de credores" para convencer o regulador europeu. O BCE retirou a paridade da banca deste país africano aos países europeus.

Há que somar que a representante do Banco Espírito Santo (BES) enviada à assembleia geral do BESA (Banco Espírito Santo Angola) foi impedida de participar na reunião de acionistas do banco angolano que se realizou em Luanda e provocou a resolução de dissolução do mesmo e criação do Banco Econômico.

Como tal, a entidade portuguesa, no respeito da "lei angolana", considera que todas as decisões adotadas nesta reunião “são inválidas e ineficazes, pelo que irá agir em conformidade”.

Em comunicado, a entidade portuguesa recordou que é acionista do BESA com 55,71% do capital do banco que foi alvo de uma intervenção por parte do Banco Nacional de Angola (BNA). Nessa qualidade foi convocado para uma assembleia geral no dia 28 de outubro de 2014 que tinha como ordem de trabalhos a deliberação do BNA no quadro de medidas extraordinárias de saneamento, a determinação da nova estrutura de capital e a eleição dos órgãos sociais.

O que significa o acto do BCE.

O BCE passou a exigir que as instituições sob a alçada de Frankfurt contabilizem a 100% [até agora o requisito oscilava entre 0% e 20%] o impacto da sua exposição a grandes riscos de unidades a operar nos mercados classificados com fiscalizações distintas da europeia. Para o presidente do BCE, Mario Draghi, o que está em causa não é a qualidade do risco, mas a quantidade dos activos considerados. Certo é que as contas de 2014 não serão afectadas.

O BPI propôs que a alteração na forma de contabilização da unidade angolana tivesse um impacto mais reduzido mas o Banco Central Europeu rejeitou a proposta. E, após a rejeição, Frankfurt deu um prazo para que os limites aos grandes riscos, decorrentes da exposição indirecta que o BPI tem a Angola, sejam cumpridos.

Conforme esclarece o BPI, até aqui o total de activos ponderados pelo risco (que servem para o cálculo dos rácios de capital observados pelos reguladores) atribuíveis à exposição indirecta do banco português ao Estado angolano é de 799 milhões de euros e ao BNA de 437 milhões de euros.

No entanto, resultante desta rejeição do BCE e com a aplicação a partir do início de 2015 dos novos ponderados, os activos ponderados pelo risco no BPI imputáveis ao Estado angolano sobem para 3.616 milhões de euros e ao BNA aumentam para 1.297 milhões de euros. Trata-se de um aumento total destes activos ponderados pelo risco de 3.700 milhões de euros.

Logo, a exposição indirecta do BPI a Angola excede os limites tanto no que diz respeito ao Estado como ao BNA, o regulador. No caso do Estado angolano, supera o limite em 2.979 milhões de euros. Já a exposição ao BNA é ultrapassada em 184 milhões de euros.

A origem

No ano de 2007 foi travado um braço de ferro entre os interesses angolanos e portugueses tendo em conta o BFA.

O banco, até altura controlado a 100% pelo BPI de Portugal foi obrigado a ceder 49,9% a Unitel (interesse de Isabel dos Santos) e a emitir títulos de dívida pública no valor de 3 mil milhões de dólares, em conjunto com mais dois bancos portugueses e dois bancos angolanos (BESA e BAI).

O banco português tentou até a "última hora" desistir emitir, mas de seguida, algumas das empresas estatais, principalmente a Sonangol, a maior empresa pública do país, teriam encerrado as suas contas no BFA, por ordem do Governo angolano. De imediato, após as notícias sobre o provável cancelamento das contas das empresas estatais no BFA, (Diário Econômico), verificou-se a queda das acções do BPI (segundo analistas de mercado, o choque teria provocado a perda de mais de 800 milhões de euros aos três maiores bancos portugueses).

OPA e fusão

A resposta à situação do BCE ter passado a considerar o Banco Nacional de Angola como contraparte não-equiparável a bancos europeus, é esta expressa nas palavras do presidente da Santoro Mário Leite Silva: "Queremos criar o maior banco privado português"!

A proposta de fusão do BCP/BPI é essa demárche de guerra, contra a rejeição do BCE e contra a subestimação do La Caixa.

Mas hoje, ao contrário de outrora, a voz de Isabel dos Santos contra a OPA, e a oposição de accionistas minoritários, forçou a administração do BPI a chumbar a OPA do La Caixa. A OPA que Fernando Ulrich queria. O preço é agora o argumento válido. Ao contrário do que aconteceu em 2007, quando nem 7 euros demoveu os accionistas de referência, agora o dinheiro conta.

O conselho de administração do BPI recomendou hoje aos accionistas do banco que não aceitem a Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada pelos espanhóis do CaixaBank, tudo porque o conselho de administração "entende que o preço de 1,329 euros por acção oferecido pelo CaixaBank através da Oferta não reflecte o valor actual do BPI". E indica mesmo que o preço que reflecte o valor actual do BPI é de 2,04 euros por acção, a que "deverá ser adicionado o valor resultante da partilha (50/50) das sinergias anunciadas pelo Oferente, correspondente a 0,22 por acção".

Chega-se assim a um total de 2,26 euros por acção, considerado justo pela administração do BPI. Um valor que é 70% mais alto do que o oferecido pelo CaixaBank no anúncio preliminar da OPA, a 17 de Fevereiro.

Veremos agora o grau de lealdade do La Caixa à gestão do BPI. Se se mantiver a força de outrora, os espanhóis sobem o preço (não parecem estar interessados). Se não for assim mantêm o preço e a OPA cai, ou deixam o BPI à mercê dos angolanos.

Se isso é bom ou mau para o BPI?

Tendo em conta a ética dos negócios dos empresários angolanos, não se recomenda.

Desde o caso Sonae (aquisição de quadros de topo), desintegração do BESA, obtenção de participações em empresas a força... Como seria Portugal com o maior banco entregue a interesses angolanos prometedores do cumprimento de Leis, que como se viu no caso lESA, podem ser "rasgadas"?

Conclusão

Com a OPA do CaixaBank, é quase certo que o BPI vai conseguir comprar o Novo Banco que, deste modo, passa para a alçada dos espanhóis, dando-lhes o controlo do financiamento da economia portuguesa. A banca em Portugal fica nas mãos de quatro grandes instituições que são, por ordem dos activos, Novo Banco+BPI, CGD, BCP e Santander.

No entanto, se a fusão proposta pela filha do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, se viesse a concretizar, seria o Santander o mais forte candidato à compra do Novo Banco, ficando a pairar sobre a economia portuguesa o mesmo assombramento. E com a banca reduzida ao BCP+BPI, Novo Banco+Santander e CGD, a concorrência bancária em Portugal transformar-se-ia numa miragem.

A oferta pública de aquisição lançada pelo CaixaBank ao BPI permitir-lhe-á controlar este banco e, através dele, adquirir o Novo Banco. Na alternativa da fusão, os angolanos passariam a ser os principais accionistas do novo BCP+BPI, com uma participação de 21%, enquanto os espanhóis do CaixaBank ficavam reduzidos a uma posição de 13,44% que não lhes daria qualquer margem de manobra.

Portanto o que convém à empresária angolana é justamente o que não interessa mesmo nada aos espanhóis, mas precisam do seu apoio para desbloquearem os estatutos do BPI e talvez estejam dispostos a subir o preço da OPA.