Num lar onde o pai aparece uma vez por semana, que moral tem para repor a ordem? Assistimos a inúmeros casos de pais ausentes que se dividem entre dois e três lares, indiferentes aos problemas das famílias que constituíram ou incapazes de dar a devida atenção às companheiras. Como consequência dessa dispersão, as mulheres ficam frustradas e ao fim do dia despejam toda a sua raiva sobre as crianças. Fruto desta situação, há mulheres que têm de deixar os filhos bebés ao abandono para se dedicarem a longas e duras jornadas de trabalho e garantirem o pão da família. Quando chegam a casa, de noite, não contam com o apoio do pai das crianças, muito menos com a sua presença ou algum aconchego.

Nenhum pai quer uma vida assim para a sua filha. Nenhum filho quer ver a sua mãe nesta situação. Os homens e a sociedade, em geral, têm de pensar e reflectir sobre o sofrimento e subdesenvolvimento que este comportamento está a causar. Em muitos casos, a mulher só se submete a esta situação por questões financeiras ou por razões de estatuto social. Há casos em que a submissão tem origem no analfabetismo ou na baixa formação académica. Ambas contribuem para que a mulher desconheça os seus direitos e viva uma vida de subjugação e desgraça. Este caminho leva a que muitas vezes ponha a sua saúde e a sua segurança em risco por causa da violência doméstica física ou psicológica, que é uma realidade em grande parte dos lares “polígamos”.

Há quem justifique a poligamia com a tradição, mas não podemos renegar a nossa História e a evolução da nossa sociedade e do mundo. Vou citar um exemplo para melhor me explicar. A Espanha sofreu uma ocupação árabe que durou vários séculos. Quando se vai a Espanha é inevitável perceber a herança da ocupação. Famílias e cidades com nomes provenientes do árabe, como “Almodovar”, “Benalmádena”, “Alicante”, “Núria”, cidades no Sul de Espanha que mais se assemelham a Marrocos do que a qualquer outro país europeu pela sua arquitectura mourisca, milhões de homens e mulheres espanhóis que pela sua fisionomia passariam por árabes em qualquer parte do Mundo e, inclusive, arrisco dizer que o conceito de “macho latino” tem uma influência da cultura e dos hábitos mouros.

Ora, Angola sofreu igualmente uma ocupação portuguesa que durou quase cinco séculos. O nosso país jamais será o mesmo depois deste facto histórico. Vários dos nossos reis e rainhas foram baptizados. A maioria dos angolanos tem pelo menos um nome português. Aprendemos a falar uma nova língua para além das nossas línguas nacionais e a expansão da fé cristã no nosso país contribuiu para fazer proliferar e prevalecer princípios com base na doutrina da Igreja Católica, que estão muito enraizados na nossa sociedade. Estas mudanças são irreversíveis. A nossa tradição já não é a mesma. E se evoluiu no passado “contaminada” por essas influências, hoje deve reajustar-se à globalização, à Convenção dos Direitos Humanos e ao desenvolvimento, que todos almejamos para o nosso país.
Há homens que declaram que as suas esposas oficiais “aceitam” o facto de eles terem uma segunda família. Neste caso, é um “direito” da esposa oficial optar pela sujeição àquela situação, na maioria das vezes para proteger a estabilidade emocional e económica dos seus filhos e a sua própria “imagem social”. Usei a expressão “sujeição”, porque mais de 90% das mulheres angolanas que constituem família, sonham ter um marido só para si, que as respeite e se dedique integralmente a um projecto comum.

Podemos até admitir que existem casais que entendam de mútuo acordo viver um estilo de vida alternativo, à semelhança de algumas comunidades rurais nas quais o homem vive com várias companheiras na mesma casa, ou que à semelhança do que se passa no Ocidente, existam casais que se dedicam ao swing, trocando a sua esposa ou esposo com a esposa ou esposo do vizinho. São opções que têm as suas consequências e não podemos torná-las numa conduta legal e recomendável.

Há quem defenda que a guerra fez com que houvesse um maior número de mulheres do que homens e que 50 a 60% dos homens angolanos têm mais de uma mulher. Um estudo, elaborado pela Marktest na cidade de Luanda, a cuja apresentação assisti, estima que Luanda tem aproximadamente cinco milhões e quinhentos mil habitantes, dos quais aproximadamente 49% são homens (2.695.000) e 51% são mulheres (2.805.000). Se 50% dos homens (1.347.500) tiverem duas mulheres, então seriam necessárias 2.695.000 mulheres para satisfazer 50% dos homens luandenses, sendo que os restantes 50% dos homens (1.347.500) teria apenas cento e dez mil mulheres (110.000 mulheres) para “disputar”.
Se supusermos que 60% dos homens de Luanda (1.617.000 homens) têm duas mulheres, então seriam necessárias 3.234.000 mulheres para satisfazer as “necessidades” bígamas destes luandenses. Mas Luanda tem apenas 2.805.000 mulheres, o que significa que 429.000 das mulheres dos bígamos estariam a “enfeitar a cabeça” dos maridos, mantendo uma segunda relação com outro homem que se julgaria igualmente seu esposo.

Isto sem falar nos restantes 40% dos homens, que viveriam uma vida inteira sem ter uma mulher a quem chamar sua esposa. Nessa realidade tinham de satisfazer as suas necessidades afectivas e “biológicas” com as esposas dos outros 60% (homens bígamos). Esse quadro hipotético aumentava ainda mais o adultério, dava lugar à poliandria, às violações sexuais e ao aumento de casos de pedofilia.

Cheguei a colocar a hipótese do diferencial estar nos homossexuais mas, feitas as contas, a homossexualidade existe tanto no feminino como no masculino. Tive de concluir que em termos percentuais, os cálculos não mudariam nada, excluiríamos apenas 20% dos homens e 20% das mulheres por se estimar que 20% da população mundial é homossexual.
Gostaria de analisar um célebre argumento sobre as consequências da guerra na poligamia. Um angolano de 25 anos (nascido em 1984), que se recenseou em 2002, em plena paz, já não tem a “sorte” de escolher entre duas ou três namoradas, com o argumento que “a guerra fez com que existam poucos homens”, pelo simples facto de que as jovens desta geração já não aceitarem, de ânimo leve, este argumento, sendo que na sua geração já não existe a tal “falta de homens” que tanto se falava nos anos noventa. A guerra já acabou há praticamente sete anos. Está na hora de curar as feridas profundas que ela deixou na nossa sociedade. Está na hora de resgatar as famílias angolanas e desenvolver valores humanos e éticos no seu seio.

As mulheres de hoje querem estudar, trabalhar, lutam para ter a sua independência financeira. Para além disso, através da televisão, literatura e Internet sabem o que se passa nos países mais desenvolvidos e exigem respeito pelos seus direitos. Por esta razão, há cada vez mais mulheres que não se sujeitam a um marido polígamo ou a serem vítimas de violência doméstica, porque neste momento, todos nós temos consciência de que a poligamia só contribui para aumentar os índices de HIV/SIDA e para empobrecer as famílias angolanas e consequentemente empobrecer o país. Porque com o custo de vida actual, onde come um já não comem dois…

Fonte: Jornal de Angola