A indústria de serviços financeiros, tal como a conhecemos desde o início da década de 1990, desmoronou-se. Os seus defeitos em termos de excessivo optimismo na gestão do risco, agressividade na obtenção de dividendos e excesso de endividamento comprovaram ser fatais, como de resto era inevitável.

Para definir a forma de uma nova indústria de serviços financeiros, necessitamos, em primeiro lugar, de analisar cuidadosamente o que tem de ser corrigido.

O problema principal que assolou Wall Street entre 1995 e 2008 (a década anterior, a partir de 1985, fora um período de transição de um modelo que funcionava para um modelo imperfeito) consistiu na passagem para uma negociação por conta própria e na procura da rentabilidade inerente.

Há um claro conflito de interesses, na medida em que os principais consultores financeiros ou negociadores de transacções são, eles próprios, intervenientes de peso no mercado. Adquirir algumas acções numa nova emissão bem sucedida constitui prática corrente, e é provável que não cause grandes danos (pode fazer oscilar um pouco o terreno de jogo mas muito pouco).

Contudo, fazer disparar o capital da empresa levando-o a níveis próximos dos principais bancos do país, e depois alavancar esse capital numa relação de 30 para 1 no sentido de investir em especulações ilíquidas, não constitui apenas uma receita para a catástrofe. Coloca também o consultor, que no essencial não deveria ser mais do que um intermediário, como elemento essencial no interior do mercado, distorcendo o seu aconselhamento e criando uma fonte gigantesca de “abuso de informação privilegiada”, já que o consultor possui informações internas, não necessariamente sobre o emissor, mas por certo sobre o mercado.

A sociedade privada constitui, de longe, o veículo mais adequado para o que é, no essencial, uma actividade de consultoria baseada num colectivo e numa reputação. A experiência demonstrou agora que o controlo de uma empresa pública, particularmente se esta dispuser de recursos que são um múltiplo da sua própria riqueza, oferece aos banqueiros de Wall Street inúmeras tentações a que estas pobres almas são incapazes de resistir.

A “loucura” de Wall Street poderá desencadear, em breve, a descoberta de novos buracos financeiros a curto prazo sem olhar ao mercado), quer dos fundos de capitais de investimento (detentores de posições de controlo em empresas submetidas a reestruturações financeiras dolorosas) é limitada.

No entanto, ambos os sectores não ocupam mais do que uma fracção muito reduzida do pool de capitais de investimento e os serviços prestados pelos seus gestores não são especialmente valiosos, pelo que auferem remunerações de nível médio.
As instituições que investiram em tais fundos entre 2002 e 2006 pagaram remunerações altamente inflacionadas aos gestores dos fundos sem diversificarem significativamente as suas carteiras dos mercados norte-americanos de acções e obrigações. Todas as instituições que tenham investido fortemente na qualidade de fiduciários merecem ser processadas judicialmente pelos respectivos beneficiários e não cabe dúvida que algumas o serão.

Entretanto, o abrandamento vibrou rudes golpes tanto no sector dos fundos hedge como no dos fundos de capitais de investimento, que foram na sua maior parte merecidos.

Um dos resultados da expansão dos balanços dos bancos de investimento e da separação entre capital e pessoal foi a crescente dependência de falsos esquemas de gestão de risco. A metodologia do “Valor em risco” (VAR – “value atrisk”) revelou-se altamente conveniente para o pessoal que procurava bónus imediatos: ignorava completamente o denominado risco “tail” (risco de perdas pontuais mas de dimensão significativa) de um abrandamento financeiro semelhante ao actual, permitindo assim a acumulação de riscos fortemente correlacionados e totalmente inconsistentes com a preservação da empresa enquanto entidade operacional de longo prazo.

Esta técnica espúria de gestão do risco obteve uma tal aceitação, que os burocratas responsáveis pela redacção do sistema Basel II de controlo dos capitais bancários a incorporaram nas suas regulamentações, permitindo que os bancos recorressem ao VAR essencialmente para afectarem o seu próprio capital.

Este risco moral particular constitui o principal aspecto negativo das medidas governamentais de reabilitação económica. Se Wall Street pensar que poderá sempre contar com a ajuda in extremis do governo, acabará inevitavelmente por conceber estruturas de gestão de risco do tipo zigurate que vão pagar muito bem ao longo de vários anos, enriquecendo todos os envolvidos, mas que de repente se abatem em ruínas sobre as cabeças dos contribuintes.

Os problemas da procura de rentabilidade e da falsa gestão de risco agravaram-se devido às estruturas compensatórias de Wall Street, altamente politizadas, opacas e totalmente focadas no curto prazo.

Os banqueiros aprenderam que procurar construir uma posição de longa duração para a instituição tinha muito pouco valor, e que as empresas que necessitassem de mais de um ano para se desenvolverem não trariam provavelmente benefícios ao próprio mas sim aos seus sucessores. Inversamente, esquemas concebidos para maximizar os lucros de curto prazo com riscos ou mesmo custos elevados a longo prazo apresentavam um grande valor na criação de bónus para o exercício em  curso.

 Sem os distorcidos esquemas compensatórios, a falsa gestão de risco não teria ocorrido. Outro problema que afligiu Wall Street é que toda a gente estava demasiado bem paga. No sentido de justificar as remunerações invulgares que a procura de rentabilidade em Wall Street produziu no topo ou para os corretores mais afortunados, a compensação de toda a gente foi dilatada muito para além do que teria sido necessário para atrair executivos sem dúvida com muito talento mas de vistas curtas.

Fizeram-se tentativas para justificar este procedimento pondo toda a gente a trabalhar 90 horas por semana, mas ninguém colocou a questão: e se o pessoal de Wall Street trabalhasse 45 horas por semana por metade do salário? A remuneração continuaria a ser generosa, e a produtividade e as ligações sociais do talento de Wall Street teriam sido muito maiores.

Um dos principais métodos de procura de rentabilidade aplicados por Wall Street era o do negócio dos derivados.
Estes produtos foram vendidos a utilizadores externos e ao público como um meio das empresas, os bancos e outros cobrirem os seus riscos cambiais, de taxas de juro ou de crédito, reduzindo deste modo o respectivo perfil global de risco para o inerente ao funcionamento da actividade em que estavam envolvidos.

Contudo, rapidamente se tornou muito mais do que isto, devido em larga medida à eterna procura, por parte da humanidade, de obter qualquer coisa a troco de nada e à permanente ingenuidade dos engenheiros financeiros de Wall Street de esconderem os custos. Por exemplo, aos investidores finais foram oferecidos produtos “isentos de risco” nos quais parecia que obtinham muitas das vantagens do investimento em acções sem deixarem de ter garantido o reembolso do capital. Na realidade, graças à magia dos derivados, a função principal de tais produtos a longo prazo consistia em desviar a riqueza do investidor para as algibeiras dos corretores pela via de volumosas comissões e despesas ocultas.

Os derivados incidiam essencialmente em taxas de juro e divisas transaccionadas livremente e em acções com liquidez num mercado cujas flutuações eram reduzidas, produzindo exclusivamente lucros para Wall Street. Contudo, a invenção dos derivados de crédito parece ter colocado um ponto final neste jogo de fortuna. Ao contrário dos produtos assentes nas taxas de juro ou nas divisas, os derivados de crédito são muito unilaterais quanto à respectiva liquidação: se houver um incumprimento, uma fracção significativa da totalidade do seu capital nominal tem de ser reembolsada, ao passo que o prémio anual do seguro representa apenas uma pequena fracção disso.

Assim, se um dos intermediários dessa infindável corrente é apanhado numa contracção do crédito, é provável que tenham de ser pagas somas que totalizam um múltiplo substancial do crédito original coberto. O montante em dívida de derivados de crédito atingiu a incrível soma de 62 mil milhões de dólares no início deste ano, num momento em que o volume total de crédito coberto era inferior a 20 mil milhões de dólares numa estimativa mais generosa.

É possível exemplificar o efeito da participação de Wall Street no mercado de derivados de crédito no caso da AIG, uma companhia de seguros ligada a uma operação de derivados em Wall Street, na qual o governo federal teve de injectar mais de 150 mil milhões de dólares sem qualquer explicação coerente quanto ao destino ou aos objectivos a alcançar com tal injecção. À primeira vista, afigurase que o inevitável desastre dos derivados de crédito se concentrou numa única entidade – ou será que a AIG foi apenas a primeira a ter sido identificada e outros buracos de dimensão similar se abriram no tecido de outras grandes entidades que negoceiam em derivados? Indubitavelmente, descobri-lo-emos em breve.

A derradeira loucura de Wall Street consistiu na prática, por parte dos bancos, da emissão de empréstimos e na sua venda, sem arriscarem “a pele no jogo” .

Seja-me permitido afirmar que, enquanto participante, pensava que a titularização era uma invenção muito útil, apesar de estar sempre claro que os seus custos legais e outros custos de estruturação podiam facilmente exceder qualquer benefício económico. Contudo, a existência de duas entidades totalmente irresponsáveis que davam pelo nome de Fannie Mae e Freddie Mac, com o apoio implícito do governo federal, incentivou o desenvolvimento de um mercado de hipotecas imobiliárias titularizadas no qual os emitentes não conheciam nem tão pouco se preocupavam com o que sucedia com o empréstimo depois de emitido.

Fonte: NJ